O rico Sul contra o pobre Norte: os próximos 10 anos de crise

Enquanto nos Estados Unidos continua a explodir de tudo um pouco (hoje foi uma empresa de
fertilizantes), nós voltamos para este lado do Atlântico porque há algumas novidades importantes. E más.

Fazer previsões é exercício arriscado, mas a impressão pessoal é que no próximo Verão algo vai acontecer no Velho Continente. Há sinais que apontam para aquela direcção.

A profecia de Farage

Nigel Farage, o líder do inglês UKIP, na prática afirma “tirem o dinheiro antes que desapareça”. Exagerado? Provavelmente sim, no sentido que será preciso esperar alguns tempos antes que isso aconteça. Após as eleições na Alemanha? Ou na iminência delas? Pode ser um bom trunfo, se bem utilizado.

Atenção: Farage não é um político de profissão, era um trader e um operador de Bolsa, ganhou muito com aquela actividade, percebe de mercados mais do que os vários Barroso, Hollande, Merkel…

O sistema sempre frágil

A Bolsa alemã afundou ontem após a publicação dos dados que mostravam uma queda de 17% nas vendas de carros. O chefe da Bundesbank quer cortar os juros e afirma que “a crise da dívida vai durar outros dez anos”. E queixa-se dos bancos ainda frágeis.

Esta parece quase uma piada após o rio de dinheiro que estas instituições privadas engoliram ao longo dos últimos anos: mas não é, pelo menos em parte. Dum lado, isto dá a ideia da quantidade de títulos tóxicos (autêntico lixo) que eram (e ainda estão) guardados nos cofres; doutro lado, não podemos esquecer que os bancos sempre compraram títulos dos Países em risco (pois os juros elevados proporcionam lucros maiores) e, dado que a situação não melhora, os bancos têm a noção de ter nas mãos bombas-relógios.

Para acabar, usar a desculpa do sistema bancário “frágil” dá sempre jeito: alguém poderá sempre aparecer no futuro e dizer “Eu tinha avisado!”. Perguntem à directora do FMI, a simpática Christine Lagarde.

As dívidas da China

Os últimos dados acerca dos Países emergentes são negativos. Resultado: matérias prima e ouro em queda (normal, pois há menos procura). A situação da China não é novidade: quem costuma seguir este blog, sabe que há uma enorme bolha em Pequim e que as bolhas cedo ou tarde rebentam.
Mas os últimos dados dizem algo mais, dizem que a China está endividada, muito endividada:

  • 50 triliões de Yuan de PIB (a riqueza produzida num ano)
  • 10 triliões de dívida pública
  • 20 triliões de dívida dos governos locais
  • 120 triliões de dívida dos privados.

Perante uma riqueza produzia num ano que alcança os 50 triliões de Yuan, temos uma dívida pública e sobretudo privada de 150 triliões. E é a dívida privada o drama chinês, porque se a dívida pública pode ser gerida por parte do Estado, com a dívida dos privados as coisas tornam-se mais complicada.

A economia mundial é robusta, as corporations estão cheias de dinheiro e os lucros não faltam. Mas nos EUA os últimos dados são negativos, em particular acerca de desemprego e gastos das famílias. O vizinho Canada prevê uma queda da crescimento, -30%.

A pobre Alemanha e os ricos do Sul

No meio destes dados negativos, eis que na Alemanha começa uma campanha contra os ricos Espanhóis
e Italianos. Não, não é uma piada: segundo o Banco Central Europeu, os Países do Sul Europa são ricos, mas ricos mesmo. Muito mais ricos do que os Países do Norte. Só que escondem esta riqueza. Óbvio que uma notícia como esta tenha sido utilizada como capa no conceituado Der Spiegel.

Alguns trechos do Der Spiegel:

Cada dia, em Italia há muitos suicídios, mas havia antes também. […]
A riqueza média das famílias italianas é de 173.500 Euros, três vezes aquela dos Alemães. […]
Seria mais sensato que os Países em crise resolvessem as dívidas com as forças deles: agredindo a riqueza dos cidadãos.

Além de que os Alemães deveriam a) envergonhar-se pelo facto de escrever certas coisas b) ficarem calados porque se a Europa estiver como está boa parte da responsabilidade é deles, não é difícil perceber qual o objectivo de tudo isso: o caso de Chipre, com o assalto às contas privadas, está aí, para que todos possam ver e pensar.

É isso que irá acontecer nos próximos tempos? É disso que fala Farage? A probabilidade está cada vez mais presente.

Target2, este desconhecido

Última pergunta: mas como é que os bancos centrais do resto do mundo injectam fortes doses de dinheiro, adquirem Títulos de Estado, e o BCE não? Porque é preciso pensar atacar as poupanças dos cidadãos em vez que pensar numa solução “institucional”?

A explicação é complexa e tem um nome que poucos cidadãos alguma vez ouviram: Target2.
É um mecanismo de compensação entre bancos centrais e bancos privados da Zona NEuro (Trans-European Automated Real-Time Gross Settlement Express Transfer, nada mais, nada menos), com o qual os Países da Europa do Norte acumularam acerca de 1.000 biliões de Euro de créditos em relação aos bancos da Europa do Sul. Isto criou uma situação pela qual se um País do Sul saísse do Euro, os bancos do Norte perderiam tudo. Sem contar com a desvalorização no Sul e uma valorização excessiva no Norte.

Na prática, com o Target2 os Países do Sul são obrigados a ficar na Zona NEuro para não arruinar os Países do Norte. O Target2 é uma corda em volta do pescoço da Europa do Norte, são eles que arriscam mais. Mas o Target2 representa também um limite no crédito, além do qual os Países do Norte não querem ir: não querem “monetizar” ulteriormente a dívida.

Tudo isto significa que na Zona NEuro os políticos não podem concordar com a emissão de dinheiro (Quantitative Easing) e a compra de Títulos de Estado, tal como acontece no Japão ou no Reino Unido. Por isso: todos em frente, alegremente e com o sorriso na cara, até o fundo do precipício.

Resumindo: a situação da Zona NEuro irá piorar? Provável.
É possível um ataque contra as contas bancárias dos privados? Sim, é possível: não certo, mas possível, muito dependerá da atitude da Alemanha e dos Países do Norte Europa.
Quando? No Verão ou pouco depois. Até la não deveria haver problemas (Eslovénia permitindo).

E se de verdade a Europa decidisse ir buscar o dinheiro das contas dos cidadãos?
Seria um suicídio que iria acelerar o fim da Moeda Única.
Mas este é outro discurso, por enquanto gozamos a Primavera.

Ipse dixit.

Fontes: Youtube – Nigel Farage, The Guardian, Business Insider, La Stampa, Banca d’Italia: Target2, Vox, The Diplomat

3 Replies to “O rico Sul contra o pobre Norte: os próximos 10 anos de crise”

  1. Olá Max: sabes que não tenho bons argumentos nesta área, mas aposto na tua aposta. A classe média alta sul européia que se prepare, porque brevemente será a bola da vez.Chipre é emblemático como balão de ensaio, e a mídia já se prepara para cumprir seu papel, acomodando as almas para os próximos desfechos. Abraços

  2. Aí max, mais uma vez eu digo, ou virem um estado a la Brasil e/ou USA, onde os países virariam estados e perderiam de vez a soberania de forma nacional, mas manteriam um status de soberania regional (?), existindo uma constituição única para todos, enfim, uma união realmente nacional, OU cada um com a sua moeda de novo, todos voltam a ser países únicos, mas mesmo assim mantendo acordos de imigração, porque não?

    Porque não a primeira hipótese? Aqui no Brasil, mantemos diversas identidades, diversas variações culturais e sobretudo linguísticas, onde cada traço cultural fica mais evidente, mas mesmo assim mantemos um país só. É raro ver algum brasileiro que queira o separatismo do país. É meio tosco falar, mas foi criado uma identidade nacional muito devido ao futebol, Ayrton Senna, agora o MMA, entre outros esportes televisionados, que faz as pessoas gostarem de ser dessa terra. É penta hahaha! Talvez seja a única vez em que cantamos o hino com vontade (assim que é bom hahah)!

    Pergunta, de um brasileiro para um europeu:

    – Existiria alguma hipótese de os países da zona Neuro aceitarem viver como um país único, a União Européia, mais conhecida como UE, onde os países respeitariam uma só constituição, com os três poderes integrados entre todos estes "estados", cada um deles com seu devido "governador", deputados estaduais, camara de vereadores e prefeitos, uma esfera legislativa "nacional", parlamentarista ou como aqui no Brasil (esqueci o termo haha!), um único judiciário, e, principalmente, um único presidente, podendo ser o Obama da Galícia, o Lula francês, o Mandela italiano? Mantendo a identidade de cada povo traçando aí os seus estados█, criando regras estaduais, mas que compactuem com as regras nacionais? Um só sistema de trânsito, um sistema penal, anti-drogas, enfim, alguma chance de essa história dar certo?

    Um abraço!

    █: nesta hipótese, a Espanha se partiria em trocentos estados

  3. Anónimo, seria muito complicado. Os países da América (norte ou sul) são a prova disso mesmo. O facto de hoje em dia existir, apenas como exemplo, uns Estados Unidos da América, fundamentam esta tese. Os USA foram criados como uma resposta real ao poder da Europa, e principalmente ao seu pensamento. A Europa é feudal. A Europa é mais do que diferente, é racista entre si mesma. A federalização da Europa iria resultar em ainda maiores diferenças entre o seu centro e a sua periferia, e países muito periféricos como Portugal cairiam num profundo esquecimento, ou seriamos apenas um páis onde os ricos europeus viriam passar as suas férias, fazendo dos portugueses apenas mordomos, pois para bem dessa europa federalizada faria óbviamente sentido solidificar o centro, desmobilizar a sua industria ainda mais para o seu interior, renegando aqueles mais afastados. Ou dúvida que isto assim fosse? Se hoje não se ajuda os países do sul, como era suposto ser a solidariedade europeu fazer, esperava que fosse melhor?

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