Fraccionária ou Total?

E falemos de economia.

Recentemente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou um relatório intitulado “O Plano de Chicago Revisitado”. O relatório afirma que o actual sistema de “reserva fraccionária” é problemático e coloca sobre a mesa os benefícios que poderiam se gerados por uma “reserva bancária total”.

O relatório já aparece nos meios de comunicação alternativos. A
maioria das pessoas, é claro, entende que quando o FMI mexe os lábios é
provavelmente para anunciar um novo genocídio, mas desta vez há dúvidas no ar: será que passar dum sistema “fraccionário” para um sistema “total” não poderia trazer algumas vantagens? Não poderia limitar o super-poderes dos bancos, obriga-los a ter uma atitude mais próxima da realidade?

A resposta é: não. Pelo menos: não totalmente. Poderia resolver algumas incongruências não devolveria aos bancos a inocência perdida. E, coisa mais importante, os benefícios para a sociedade seriam limitados.
Vamos ver qual a razão? Boa ideia.

A reserva fraccionária

Já falámos várias vezes do mecanismo da reserva fraccionária. Vamos recapitular.
Num sistema bancário de reservas fraccionárias, os bancos não emprestam o dinheiro que têm depositado nos próprios cofres mas criam um novo crédito, moeda nova, baseada nos depósitos que têm nos cofres.

A diferença é substancial: uma coisa é receber dinheiro e voltar a empresta-lo; outra coisa é receber dinheiro, guarda-lo e emprestar dinheiro criado a partir do nada. É isso que acontece com os bancos: com o sistema da reserva fraccionária, os bancos são autorizados a criar dinheiro com base nos depósitos guardados, e isso acontece várias vezes por cada moeda recebida. Por isso um banco cria normalmente 10 vezes o dinheiro que costuma receber, isso enquanto o sistema bancário no total cria até 50 vezes o dinheiro que efectivamente possui.

Breve parêntese.
Se um Estado criar dinheiro ligando a impressora para financiar obras para a comunidade, então é um Estado criminal que vive acima das possibilidades e que terá que enfrentar sacrifícios. Se um banco criar dinheiro ligando a impressora para aumentar o próprio lucro, então está de parabéns, tudo nos moldes da legalidade.
Parêntese fechada.

Tentamos agora observar no detalhe como funciona o processo da reserva fraccionária segundo as normas internacionais.

Nuno deposita na sua conta do banco “Somos Honestos, LOL” 1,00 Euros. O banco recebe o Euro e cria 0,90 Euros (isso é, 90 cêntimos) que pode emprestar a outro cliente. Agora, portanto, existem 1,90 Euros (1 € depositado e 0,90 € criados e emprestados).

Os novos 0,90 € são depositados numa conta, talvez dum outro banco. Este permite que o novo banco crie 0,81 €.
Portanto, agora existem 2,71 €.
Estes novos 0,81 € serão depositados num outro banco que poderá assim criar 0,72 €. E o dinheiro em circulação, criado a partir do primeiro deposito de 1,00 € será assim 3,43 €.

No final do processo, existem pelo menos 10 novos Euro em circulação. Dinheiro literalmente inventado pelos bancos. Este é o mecanismo da reserva fraccionária.
Feitas as contas, o banco Somos Honestos, LOL quase duplica o dinheiro à disposição e o sistema bancário no total cria do nada 10 vezes o deposito original.

Segunda breve parêntese.
Para apreciar plenamente o alcance desta fraude, é fundamental entender que o sistema bancário é um e único: todos os bancos estão interligados, com o sistema das participação e a partilhas das acções.
O que nestes anos de blog tentei transmitir (evidentemente com pouco sucesso) é que não é precisa uma Nova Ordem Mundial para controlar o planeta: já existe um único mega-banco que dita os tempos das nossas vidas.

No máximo, uma Nova Ordem poderia ter como objectivo aumentar o nível da nossa ignorância e ocupar as poucas zonas que ainda conseguem fugir do controle bancário (e são poucas), mas o controle da sociedade nas várias vertentes (política, económica…) já está implementado.
Parêntese fechada.

A Reserva Bancária Total

E um sistema de bancos com Reserva Total? Obviamente funcionaria de forma bem diferente: neste caso os bancos não teriam a capacidade de criar o dinheiro a partir do nada mas poderiam trabalhar com o dinheiro efectivamente guardado.

Parece coisa boa e justa. E de facto assim é. Mas…

Mas qual o real problema com os bancos? O facto do dinheiro ser criado do nada ou a maneira como este dinheiro for utilizado?

Para ser ainda mais claro: qual a base dos problemas da Zona Neuro? O facto das dívidas dos Estados terem sido criadas com dinheiro “inventado” pelos bancos ou o facto dos interesses sobre a dívida atingir níveis insustentáveis que arruínam os Países?

Este é o ponto.

O que o FMI esconde com o novo relatório é facto da pratica de criar dinheiro ter sido demandada aos privados (os bancos) enquanto uma vez era uma exclusividade dos Estados (dos Bancos Centrais); e que esta transferência de poderes significou a acumulação de dívidas gravadas de interesses astronómicos, com juros que fariam empalidecer até o mais feroz dos usurários.

O que o FMI esconde é que se o dinheiro pode ser criado duma forma tão simples (e é), é absurdo pagar interesses tão elevados para utiliza-lo. Mas por qual razão eu, cliente, tenho que pagar 5.000 € por cada 100.000 € obtidos do banco (isso tendo em conta uma miserável taxa de juro de 5%) se todo o trabalho que a instituição teve foi carregar em poucas teclas num computador? Por qual razão eu, Estado, tenho que cortar salários, subsídios, envenenar o clima político e social do meu País para pagar centenas de milhões de juros quando tudo o que o banco fez foi carregar no “Enter”?

O que o FMI esconde é que a sociedade, todas as sociedades, precisam são linhas de créditos sem interesses. Coisa que, como vimos, é perfeitamente realizável, mesmo que alguém continue a ter problema em entender isso. Um sistema onde o dinheiro emprestado é devolvido, mas sem ser gravado de juros injustificados.

É perfeitamente inútil tentar controlar os bancos. São os bancos que controlam as nossas vidas e esta situação não pode ser invertida simplesmente introduzindo uma Reserva Bancária Total; que, ideia minha, poderia até criar novos problemas porque trabalhar apenas com o dinheiro efectivamente existente é limitativo: é precisa uma entidade que crie dinheiro, só que não pode ser privada.

O actual sistema foi pensado para funcionar com donos (os bancos) e escravos (o resto do mundo), é precisa uma revolução copernicana para inverter o estado das coisas.

A razão

E sobra uma pergunta: porquê? Porque o FMI propõe uma revisão da reserva fraccionária?

A resposta é simples: o sistema é insolvente. Há “bolhas” em muitas áreas nevrálgicas do sistema financeiro, o nível de endividamento já ultrapassou os limites de segurança, é necessário abrandar antes que bancos e contribuintes fiquem esmagados. “Colar” Finança e realidade ao longo duns tempos seria oxigénio para que o sistema consiga respirar e ganhar forças.

Para que tudo, obviamente, possa recomeçar com ainda mais violência.

Ipse dixit.

Fontes: FMI The Chicago Plan Revisited (ficheiro PDF, 1,1 MB, inglês), Real Currencies, Wikipedia (versão inglesa)

Para ter uma ideia de como a aparente multiplicidade dos bancos esconda na realidade um único sujeito de poder, aconselho ler o estudo The Network of Global Corporation Control (de S. Vitali, J.B.Glattfelder e S. Battiston), um ficheiro Pdf, 36 páginas, infelizmente apenas em inglês.

6 Replies to “Fraccionária ou Total?”

  1. Olá Max: mais uma apurada tradução do "economês"! Ó Max, vê se faz um post idiota para eu poder não elogiar…já estou ficando meio constrangida…
    Mas, voltando ao assunto,o bicho papão do terceiro mundo endividado com o FMI sempre foram os juros da dívida externa que mantém/mantiveram os países atrelados, sem poder investir em si próprios, até que eles resolvam desatrelar-se, verificando que era apenas um bicho papão que os amedrontava.
    Posso estar errada, mas desde que fiquei sabendo que o Islã renega os juros bancários, comecei a desconfiar que essa guerra santa dos interesses ocidentais, incluindo os do Vaticano, através do seu braço mais truculento, o Opus Dei, contra o islamismo, tem a ver com a organização bancária. Porque uma coisa me parece certa:esta luta encarniçada só tem a ver com religião, princípios e costumes na cabeça dos manipulados do mundo.
    Outro dado que me chama a atenção é o esforço dos poderes constituídos para bloquear, prejudicar ou relegar ao anonimato iniciativas populares no ocidente de cooperativismo bancário. Abraços

  2. Ainda não li a promissora reportagem, porém deixe-me devagar uma coisa:

    Por curiosidade resolvi procurar emprego… aqui na Itália e Londres… apesar de alguns anos parados devido à carreira mais… artística… minha experiência de engenharia de informática é boa…

    Fiz algumas entrevistas e recebi muitas ligações… resumindo:

    Antigamente a tecnologia era usada para melhorar processos de desenvolvimento, logística, faturamento… tudo dentro da economia real… PORÉM é deveras preocupante:

    Sem exageros… por volta de 80% das ofertas de emprego de quem é desenvolvedor de tecnologia: setor financeiro… investimentos… bancos… fiz entrevistas para Morgan Stanley, Banca Sella, Barclays, IT Trading, Intesa San Paolo… e por aí vai… Só, veja bem, absolutamente só financeiro…

    E tem mais… essas ofertas oferecem às vezes o dobro de uma empresa que trabalha por exemplo em logística… num cargo equivalente…

    Era só uma curiosidade para compartilhar como o mundo financeiro dominou o mundo… 70% da itália… e 90% da inglaterra…

    Medo…

  3. Ricardo e Rita,

    Quero agradecer aos dois pela dica do documentário "97% owned". Só hoje pude assistí-lo. É muito bom e revelador. Lamentavelmente penso que nunca, absolutamente nunca, veremos as sugestões contidas no filme implantadas. Primeiro por que as pessoas teriam que ter um conhecimento sobre o setor bancário que não têm e que não lhes é proporcionado. As previsões, se nada se alterar em relação a toda liberdade para sacanagem da banca, é de que viveremos num moto continuo de empobrecimento da humanidade. Portanto, não poderá haver tanta miséria. Ela terá que ter fim. O resto fica por conta das deduções de cada um.

    Sabem quando teremos um sistema democrático participativo, aquele que provoca e nos obriga à tomada de consciência das armadilhas e dos atrasos e de tudo que é nocivo em nosso meio? Com toda esta camarilha politiqueira subornada, comprada, corrompida que nos cerca com seus megafones e santinhos a pedir nosso voto patrocinada pelas corporações, sabem? Contam-nos a velha cantilena de que cada unidade de voto pode provocar mudanças, quando sabemos que a quantidade de dinheiro carreada numa eleição mantêm as coisas em seus devidos lugares com parcas nuances do mesmo colorido. Privatizações para uns, passa a se chamar concessões para outros. Nada pode alterar o curso programado para a vida no globo. Pode haver um acidente de percurso aqui ou alí, mas nada que a velha e eficaz força bruta não faça as correções necessárias. Infelizmente nada mudará, nem mesmo as Islândias de nossos tempos conseguirão sinalizar qualquer alternativa. Em terra de cego quem tem um olho é rei, dizem. Imagina nesta mesma terra alguns com os dois olhos, o que seriam? deus.

    Abraços.

  4. Olá Max: no blog quemtemmedodademocracia.com,
    Marcelo Valadares enviou interessante matéria titulada: Portugal agoniza, mas será que morre? sobre os últimos acontecimentos em Portugal, e consequências imediatas no país e no exterior contra as medidas declaradas a ser impostas à população portuguesa.
    Gostaria da tua visão sobre os protestos deste dia 15/09, em especial sobre a possibilidade real de mudança de governo ou revolução popular, conforme considerou o autor da matéria. Abraços

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