A ideia do trabalho

Hoje falamo-se abertamente (e com impunidade) de “mercado de trabalho”. Nem mesmo os sindicatos ficam escandalizados perante esta expressão: a energia física e intelectual do homem é considerada uma commodity, uma mercadoria.

Mas antes da Revolução Industrial, agricultores e artesãos nunca tinham sido considerados uma mercadoria. É esta maneira diferente de pensar, de entender o trabalhador, que faz a diferença entre as sociedades chamadas” tradicionais” e aquelas filhas da Revolução Industrial.

O mestre artesão, o dono da loja, não eram considerados uma mercadoria, nem os empregados deles. E ainda hoje, os relacionamentos entre as mesmas figuras vão bem além do simples “mercado de trabalho”: são relacionamentos complexos e pessoais.

Também na época feudal, o senhor podia considerar o mestre de loja uma propriedade dele, um servidor: mas sempre como uma pessoa, não como coisa,  um objecto. As actividades do empregado eram incorporadas na sua pessoa.

Então porque hoje falamos de “mercado de trabalho”? Atenção, pois as palavras são muito importantes, não são casuais: reflectem um conceito.

É com a Revolução Industrial que conceptualmente o trabalho é separado da pessoa: é aí que trabalho e pessoa já não são a mesma coisa. E o trabalho torna-se uma mercadoria. Como tal, pode ser comprada, vendida. Como qualquer outra mercadoria, pode ficar “fora do prazo” e fica sujeita aos mecanismos do mercado.

Entre estes mecanismos encontramos também o conceito de economia mediante o despedimento: é a maximização do valor do produto com o aumento das prestações duma unidade produtiva. Dito de outra forma: o que antes era feito por duas pessoas, agora é feito por uma, há um despedimento e um aumento de trabalho para quem ficar.

Esta é outra aberração post-Revolução.

Numa economia tradicional, se um campo de batatas fornecia o rendimento para dez pessoas, aí trabalhavam dez pessoas. O campo poderia ter sido cultivado só por oito pessoas? Sem dúvida, mas que teria acontecido? Duas pessoas ficavam sem poder trabalhar no campo? Nem pensar. Esta é a nossa visão. Numa economia tradicional, no campo continuam a trabalhar todas as 10 pessoas. Partilham o trabalho. E poupam esforços. E até sobra tempo para um copinho de tinto na taberna.

Nas sociedades tradicionais o que contava era satisfazer as necessidades; e se isso podia ser feito com a divisão do trabalho, ainda melhor. Na maior parte dos casos eram pequenas comunidades, com fortes vínculos familiares, onde o projecto era uma vida na qual a economia, desde que fosse garantida a subsistência, tinha uma importância secundária em comparação com outros elementos da vida.

Não é esta a tentativa de glorificar os “bons tempos idos”: é apenas uma comparação entre as condições e o conceito de trabalho duma vez e de hoje.

Hoje o panorama é exactamente o oposto. Como afirmado, o trabalho já não está ligado à pessoa, é algo de impessoal para o qual é preciso encontrar uma unidade que possa desenvolver as próprias funções nos moldes da rentabilidade económica.

Fala-se por isso de “escravos modernos”. O que não é correcto, pois a nossa ideia de escravos não é correcta: na antiguidade o escravo tinha um valor, às vezes particularmente elevado. Mais uma vez: o trabalho não era separado da pessoa, ao ponto que muitas vezes o senhor conhecia os escravos pelos nomes e entregava-lhes tarefas fundamentais, como a instrução dos filhos.

Pode argumentar-se que hoje somos pagos, enquanto os escravos não recebiam dinheiro.
O que não é correcto: os escravos recebiam comida, alojamento, cuidados médicos (os escravos eram uma riqueza e tinham que ficar em boa saúde).

Os escravos tinham um papel ao longo da vida toda: mudavam de trabalho consoante as próprias capacidades físicas. Hoje uma pessoa fica simplesmente demasiado velha para o mercado do trabalho e já não presta, é afastada, mesmo que não tenha meios para sobreviver.

Hoje não somos escravos, somos mercadoria. O que fica um grau abaixo.
O homem moderno não depende dum outro homem, depende das empresas, dos bancos. E todos dependem do dinheiro. Até os que pensam estar no leme. É um mecanismo anónimo e perverso, provavelmente o pior fruto da Revolução Industrial, o ponto mais baixo.

Consolação: após ter alcançado o fundo, começa a subida.
(P.s: não é verdade, às vezes é possível começar a cavar. Mas enfim, é Sexta-feira, evitamos…)

Ipse dixit.

Fonte: Massimo Fini

8 Replies to “A ideia do trabalho”

  1. Ei Max. O trabalho era considerado tarefa de escravos no Ocidente até que Martinho Lutero começou a difundir a idéia que trabalhar era considerada uma atividade virtuosa, pois, com a movimentação nascente do dinheiro (olha o capitalismo aí), isso seria devidamente conveniente para dar prosseguimento aos interesses da classe burguesa, seja para os senhores da Revolução Industrial ou dos bancos, que andavam (como até hoje / grandes corporações) de mãos dadas. Grande abraço!

  2. Continuamos a ser Escravos… só que mais burros! Pois como nos tiraram apenas os ferros, achamos que por isso já não somos escravos…

    Se bem que agora até é mais engraçado… Somos escravos mas temos que pagar por tudo… Pagamos pela casa, pela alimentação, cuidados médicos, etc… e, temos que continuar a trabalhar como os escravos "antigos"…

    Liberdade? Também não vejo onde… Se quiser ir do ponto A para o ponto B e estando estes pontos situados em diferentes "países", caso não tenha dinheiro para comprar a autorização (passaporte) e para as outras taxas, até posso ir, se conseguir ir pelos meios próprios… mas se sou apanhado lá vou eu para o campo de concentração dos "sem papéis" e pimba, pontapé no cú…

    Depois temos ainda que os escravos actuais é que têm de pagar a sua própria carta de identificação… coisa que antigamente népia…

    E podia continuar dar exemplos idiotas… mas é sexta-feira e amanhã trabalho! Por isso não me apetece mais…

    Somos escravos tratados como mercadoria!

    Pena não teres aproveitado a inspiração do Massimo para incluíres a tua parte de inspiração para escreveres sobre a substituição dos escravos pela robotização e pelo "faça-você-mesmo"… Por exemplo: As caixas de "serve-te tu mesmo Ó Escravo" nas hiper-superfícies… E os Escravos adoram ir lá fazer o serviço que seria suposto dar trabalho a outro Escravo… Mas não Escravo Moderno como disse no início é BURRO!

    Somos escravos? Não, claro que não… Somos Livres como Passarinhos!

  3. Olá Max: eu uso a ideia de escravo, ao que somos,na maioria, por ser o escravo objeto de compra e venda, desde sempre. A modernidade permitiu aos escravos se "auto venderem", coisa do escravo assalariado que vende sua força de trabalho e com ela muito mais: seu tempo, sua permanência num mesmo lugar, ou sua mobilidade em função dos interesses do empregador, sua consciência ao clima ético/político do local onde trabalha, a morte da sua individualidade em função da identidade de profissional x que vai substituir a identidade pessoal. Uma das desgraças da contemporaneidade foi a associação incondicional entre trabalho e emprego, a ponto da maioria das pessoas não saberem o que fazer para trabalhar, e sobreviver trabalhando, sem o famigerado emprego que promete uma segurança que nunca se cumpre. Nessa triste história, o trabalho-função, ou seja, aquele vinculado ao estado-nação e suporte do estado de bem estar social da população nacional mereceria um outro comentário. Abraços

  4. 😀
    ÓTIMA!
    Viva a linguística!
    Quer mais uma? É algo que não tem saído muito à superfície, mas existe uma boa discussão a respeito.
    A enorme diferença entre os termos trabalho e praxis, ou o significado de nossas atividades contidianas (e fundamentais) perante nossas comunidades.
    O primeiro por ser uma derivação do tripalium latino; e o segundo por ter sido apropriado distorcidamente por aquele alemão barbudo, um tal de Marques…

  5. O Projeto Harvard Economic Research (1948 – ….)

    "Rothschild descobriu que as contas de dinheiro ou de crédito em depósito, tinham a aparência e a potência necessária e poderiam ser usadas para induzir as pessoas ( pessoas representam um campo magnético) que partilham a sua riqueza, contra uma promessa de riqueza maior (em vez de uma compensação real).

    Descobriu que o dinheiro seria capaz de reorganizar a estrutura económica para a sua própria vantagem, para mudar a economia para a indução ou "inductabilidad". Foram essas posições económicas, que influenciaram ou promoveram a instabilidade económica ou oscilação.
    A chave de controle económico final, teve que esperar para ter suficientes dados económicos e um computador rápido, para gravar e ter uma avaliação mais precisa sobre as oscilações económicas criadas pela energia "preço chocante" e excesso na forma de crédito de papel (indução -inductabilidad/inflacion).

    Esta descoberta não foi abertamente proclamada e as implicações mais subtis eram e ainda são, um segredo bem guardado, como o facto de que um modelo económico, a vida humana, é medida em dólares, ou gerado por ignição eléctrica, por um interruptor conectado a um indutor activo. É matematicamente análoga ou similar para o início de uma guerra."

    Desmascaraste os tipos, Max. Como vês, nós temos apenas um valor em dólares!

    Abraços!!

  6. Essa é velha, mas ainda vale – "Quem inventou o trabalho não tinha nada para fazer!"

    Tibiriçá

Obrigado por participar na discussão!

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