O exemplo da Argentina

O Leitor pensa que as receitas do FMI sejam a única possibilidade para sair da crise?
O Leitor pensa que declarar default ou não pagar a dívida significa a exclusão dos mercados?
O Leitor acha que a solução está num Estado mais pobre, nos cortes dos serviços sociais?
O Leitor pensa que certas coisas funcionam só na Islândia porque é pequena e tem vulcões?
O Leitor acha a recessão um mal necessário?
Mas porque o Leitor pensas coisas destas?

O Leitor pode ler o seguinte artigo.

No passado dia 23 de Outubro, a Presidente Cristina Fernandez ganhou as eleições na Argentina tendo recebido 54% dos votos, 37 pontos percentuais acima do adversário mais próximo.

A coligação dela também ganhou o Congresso Presidencial, o Senado e as Regiões, bem como 135 do 136 entre os maiores municípios de Buenos Aires.

Em nítido contraste com o simpático Barack Obama, que de acordo com as mais recentes pesquisas vê os candidatos republicanos avançar (apesar das gaffes destes) e parece destinado a perder o controle do Congresso em 2012, Cristina Fernandez ganha.

Dois Presidentes, dois destinos diferentes: porquê?

Argentina: depressão, rebelião, retoma

Entre 1998 e 2002, a Argentina enfrentou a pior crise económica da sua história.

A economia mergulhou através duma recessão antes para uma depressão em larga escala depois, culminando num crescimento de dois dígitos negativos entre 2001 e 2002. O desemprego tinha atingido e ultrapassado 25%, nos bairros da classe trabalhadora 50% da força-trabalho encontrava-se parada.

Dezenas de milhares de profissionais da classe média em fila para o pão ou uma sopa, a pouca distância do palácio presidencial. Centenas de milhares de trabalhadores desempregados, os piqueteros, bloqueavam as estradas principais e alguns assaltavam os comboios carregados de animais e grãos para o estrangeiro. Bancos fechados, privando assim milhões de depositantes de próprias poupanças.

Milhões de manifestantes radicais organizados nas reuniões dos desempregados. O País fortemente endividados e as pessoas profundamente empobrecidas. O descontentamento popular estava à beira de provocar uma revolução.

O Presidente Fernando De La Rua foi deposto em 2001, vários manifestantes foram feridos ou mortos dado que a rebelião popular estava a ameaçar o palácio presidencial. Até o final de 2002, centenas de fábricas falidas foram ocupadas e geridas pelos trabalhadores.

A Argentina declarou default, impossibilitada a  pagar a dívida contraída com os Países estrangeiros.

No início de 2003, Nestor Kirchner foi eleito Presidente no meio duma crise sistémica e começou a rejeitar as pressões que pretendiam o pagamento da dívida e a supressão dos movimentos populares. Pelo contrário, inaugurou uma série de programas de emergência para o sector público. Autorizou o pagamento de um subsídio para os trabalhadores desempregados (150 pesos por mês) para atender as necessidades básicas de cerca de metade da força-trabalho.

O slogan mais popular da maioria dos movimentos que ocupavam os distritos financeiros, as fábricas, os edifícios públicos ou as estradas era Que si vayan todos, algo do tipo “Que vão embora todos”. Toda a classe política, os líderes e os partidos, o Presidente e o Congresso foram repudiados na totalidade.

No entanto, os movimentos não tinham um plano coerente para tomar o poder no Estado, não tinham liderança política para guiá-los. Após dois anos de turbulência e agitação, o povo voltou às urnas e elegeu Kirchner, com mandato para produzir resultados ou desaparecer. E Kirchner recebeu a mensagem.

Estados Unidos: a máquina financeiro-militar

Os últimos anos da administração Bush e da presidência Obama têm sido caracterizada pela pior crise económica desde a Grande Depressão dos anos 30. O desemprego e o subemprego subiram para quase um terço da força-trabalho em 2009. Milhões de hipotecas não eram resgatadas.

As falências proliferavam e os bancos estavam à beira do colapso. A recessão e a acentuada deflação dos rendimentos aumentou a pobreza e multiplicou-se o número de pessoas com escassez de alimentos.

Ao contrário da Argentina, os cidadãos insatisfeitos foram para as urnas. Atraídos pela retórica demagógica de Obama, colocaram as esperanças no novo Presidente. Os Democratas ganharam a eleição presidencial e Obama conquistou uma confortável maioria no Congresso.

A primeira prioridade de Obama foi a despejar triliões de Dólares nos cofres dos bancos em dificuldade, mesmo com o desemprego em aumento tal como a pobreza. E a recessão continuou.

A segunda prioridade foi fortalecer e expandir as guerras no estrangeiro.

Obama aumentou o número de soldados no Afeganistão para 30.000; ampliou o orçamento para gastos militares até 750 biliões de Dólares; lançou novas operações na Somália, na Líbia, no Paquistão e reforçou o apoio para as forças armadas israelitas, enquanto acordos militares foram assinados com os Países asiáticos (Índia, Filipinas e Austrália) perto de China.

Em conclusão, Obama tem dado prioridade à expansão militar e subtraiu às finanças públicas os fundos necessários para impulsionar a economia nacional e reduzir o desemprego.

Em contraste, o duo Kirchner/Fernandez tem reduzido o poder do exército cortando os gastos militares, canalizou recursos para os programas de renovação, para o pleno emprego, para os investimentos produtivos e as exportações não convencionais.

A Presidência de Obama utilizou a crise como uma desculpa para fortalecer o poder financeiro de Wall Street. A Casa Branca aumentou o orçamento para gastos militares, aprofundando o deficit orçamental e, em seguida, propôs o corte dos serviços sociais essenciais para reduzir esse deficit.

Argentina: a crise antes, o crescimento depois

Na Argentina, a catástrofe económica e a revolta popular forneceram a Kirchner a oportunidade para mover recursos dos interesses militares da especulação financeira, e os programas sociais e para o crescimento económico sustentado.

As vitórias eleitorais de Kirchner e Fernandez reflectem o sucesso alcançado na criação dum “normal estado social capitalista”. Após 30 anos de predadores neoliberais e regimes servos dos Americanos, isso representa uma mudança significativa e positiva.

Desde 1966 até 2002, a Argentina sofreu sob o jugo de ditaduras militares brutais, culminando com os genocídios gerais que mataram 30 mil Argentinos entre 1976 e 1982.

Entre 1983 e 1989 sofreu um regime neo-liberal (Raul Alfonsín), que não conseguiu chegar a um acordo com o legado da antiga ditadura e presidiu uma hiperinflação de três dígitos.

De 1989 a 1999, sob a Presidência de Carlos Menem, a Argentina testemunhou a venda das empresas públicas mais produtivas, com preços de favor, dos recursos naturais (incluindo o petróleo), os bancos, as estradas, as fazendas e as águas públicas, em favor dos investidores estrangeiros e companheiros cleptocráticos.

Último, mas não menos importantes, Fernando De La Rua (2000 – 2001): prometeu mudanças, mas conseguiu apenas exacerbar a recessão que levou ao fim catastrófico de Dezembro de 2001, com a falências repentinas de bancos, 10 mil empresas privadas e o colapso da economia.

Neste cenário, um fracasso total e absoluto causado pelas políticas neoliberais promovidas por Estados Unidos e Fundo Monetário Internacional, o duo Kirchner/Fernandez declarou o default, moratória da dívida externa, nacionalizou os fundos de pensão e muitas empresas anteriormente privatizadas, ajudaram os bancos e duplicaram a despesa social, expandiram os investimentos públicos e favoreceram o consumo de massa, tudo com a intenção de conseguir a recuperação económica.

Uma vez livre do FMI, a Argentina passou duma fase de recessão para um crescimento do PIB de 8%.

Comparações

A economia argentina cresceu cerca de 90% entre 2003 e 2011, mais de três vezes da economia dos Estados Unidos.
A recuperação tem sido acompanhada por programas vocacionados para a redução da pobreza. A percentagem dos Argentinos que vivem abaixo da linha da pobreza subiu de 50% em 2001 para menos de 15% em 2011. Em contraste com a pobreza nos Estados Unidos, que aumentou de 12% para 17% na mesma década e continua a seguir uma trajetória ascendente.

Os Estados Unidos tornaram-se o País com a maior desigualdade na área da OCDE, com 1% da população que detém 40% da riqueza nacional (antes era 30%). Em contraste, as desigualdades na Argentina foram reduzidas pela metade.

A economia dos EUA não conseguiu recuperar da recessão de 2008-2009, e caiu mais de 8%.
A economia Argentina, pelo contrário, caiu menos de 1% em 2009 e está a crescer a uma saudável taxa de 8% durante os últimos dois anos.

A Argentina introduziu programas sociais para crianças, a fim de combater a desnutrição e garantir a frequência escolar.

Em contraste, 20% das crianças nos EUA estão actualmente a sofrer duma dieta deficiente, uma alta taxa de abandono escolar e desnutrição afecta agora 25% das crianças.
Com os cortes adicionais aos gastos correntes na área da saúde e da educação, as condições sociais só podem piorar.

Na Argentina, os níveis de rendimento das pessoas empregadas aumentaram 50% na última década, enquanto nos EUA caíram cerca de 10%.

O forte crescimento do Produto Interno Bruto argentino tem sido alimentado pelo aumento do consumo interno e pelos ganhos derivados da exportação. A Argentina tem activos significativos na balança comercial devido aos preços favoráveis ​​do mercado e a maior competitividade.

Os consumos domésticos nos EUA estagnam, a balança comercial apresenta um deficit de quase 1,5 triliões de Dólares e as receitas fiscais são desperdiçadas com as improdutivas despesas militares: mais de 900 biliões por ano.

Enquanto na Argentina o protesto obrigaram a um repudio da dívida, ao abandono das medidas do FMI e a um maior cuidado com as faixas sociais mais desfavorecidas, nos Estados Unidos as massas foram convidadas a eleger um Presidente amigo de Wall Street. E os resultados são bastante claros.

Os Profetas da Apocalipse a e realidade

E é importante realçar como o rumo seguido por Buenos Aires seja contrário a todas as Sagradas Leis dos gurus financeiros, dos apoiantes políticos deles, dos media.

Desde o primeiro ano (2003) até hoje, os especialistas ocidentais definiram a retoma argentina como “insustentável”.
A imprensa económica já tinha profetizado uma Argentina fora dos mercados financeiros e económicos (segundo a equação: Não pagas a tua dívida? = Ninguém vai vender-te mais nada). Um colapso inevitável.

Quando o crescimento continuou, Financial Times e Wall Street Journal decretaram que a Argentina estava à beira da Apocalipse por causa do fim da capacidade produtiva. Mas isso não aconteceu.

Mesmo recentemente, 25 Outubro de 2011, os opinionistas do Financial Times ainda falavam duma iminente crise, sempre repetindo o mantra da alta inflação, dos programas sociais insustentáveis, da moeda demasiado forte.

E a Argentina? Responde com a re-eleição da Fernandez e um crescimento de 8%.
Isso enquanto as receitas dos especialistas são aplicadas na América do Norte e na Europa com os resultados que todos podemos contemplar.

O truque? Simples: expansão do crescimento do consumo interno, aumento das exportações para os parceiros comerciais da região Sul Americana, produção e exportação dos tradicionais produtos agrícolas e minerais para o mercado asiático. A Argentina não é totalmente dependente das exportações industriais, desenvolveu um comércio equilibrado e não está preocupada com os preços das matérias primas, pois a produção é variegada.

A inflação e alta? Sim, é alta: mas alto é também o crescimento real e notável a distribuição da riqueza, pelo que a inflação é “absorvida” (o mesmo que acontecia na Italia do mini-boom da década dos ’80: inflação estrelar mas grande produção, consumo interno, exportação e bem estar da população).

Os EUA com Bush e Obama seguiram um percurso completamente divergente: prioridade aos gastos militares e à segurança (o terrorismo!) em detrimento da economia produtiva. Políticas recessivas com cortes nos gastos sociais, aumento do poder da polícia e direitos civis cada vez mais violados. Como receita para o crescimento não parece grande coisa.

Os Presidentes argentinos rejeitaram a pressão dos grupos de interesse militares e financeiros, criaram um modelo mais adequado ao projecto político de competitividade económica, procuraram novos mercados e implementaram programas sociais. Bush e Obama deram um novo impulso ao financiamento dos parasitas e conseguiram assim desequilibrar ainda mais a economia.

Kirchner e Fernandez garantiram que o sector apoiasse o crescimento das exportações, da produção e do consumo interno.
Obama cortou o estado social para pagar os credores, Kirchner e Fernandez impuseram um haircut de 75% aos detentores dos Títulos de Estado para financiar as despesas sociais.

Kirchner e Fernandez venceram três eleições presidenciais consecutivas por uma larga margem.
O Presidente Obama pode ser um Presidente com um único mandato, apesar da campanha de biliões de Dólares financiada por Wall Street, o apoio da lobby militar-industrial e o apoio do grupo israelita.

É só fazer as contas.

Ipse dixit.

Fontes: Global Research

6 Replies to “O exemplo da Argentina”

  1. Max

    Podería nos falar sobre as exportações na Argentina?
    Qual o produto que mais exportam?
    E quais os riscos para o País sobre essas exportações?

    Abraços

  2. olá Max: magnífico este post! Utilíssimo para os europeus, neste momento, creio eu.
    Me permites um adendo? Já que por ser gaúcha, sou dos pampas, argentina patagônica também.
    Lê-se no teu post:"Mesmo recentemente, 25 Outubro de 2011, os opinionistas do Financial Times ainda falavam duma iminente crise, sempre repetindo o mantra da alta inflação, dos programas sociais insustentáveis, da moeda demasiado forte."
    Dois meses antes estes mesmos opinionistas estavam assistindo em solo portenho uma feira majoritariamente argentina, a "Feria internacional de agricultura e ganaderia", a maior do mundo desde alguns anos, e posso te afirmar que é impossível considerar um país com problemas econômicos, diante de tamanha pujança.
    A imprensa internacional estava toda em Buenos Aires para continuar
    mentindo, já que a corja que repete o Washington Post e similares através do "gran periodico Clarín" fora enquadrada na "lei de los medios argentina" que a Cristina teve respaldo popular para implantar (os argentinos têm 100 vezes mais cultura e discernimento político que os brasileiros)e que, desgraçadamente, o governo brasileiro não tem respaldo popular ou parlamentar para fazer o mesmo no Brasil.
    E só para constar, as "haciendas" fabulosamente grandes da pampa argentina, nem todas estão nas mãos dos ricos nacionais ou estrangeiros. O kirschenerismo estatizou e cooperativou muitas delas. Abraços

  3. Fui eu!!!!!!!!!!!!! Porque????
    hehehehehe
    Na verdade queria que o Max falasse sobre os Transgênicos Argentinos, hehehehe.

    Mas tu é metido em VOZ, hehehehe

    Eu sei das exportações, mas gostaria de ver a opinião dos meus amigos quanto aos transgenicos argentinos.

    Na próxima eu te pego VOZZZZ!!!
    hahahahaha

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