As vacas e os bancos: o caso Parmalat

Acabou o julgamento Parmalat.
Qual julgamento?

Então é assim: a Parmalat era uma empresa fundada nos anos ’60 por Callisto Tanzi, em Parma (Italia). Produção: leite.
Muito simples: é só convencer as vacas a colaborar, o resto é apenas embalar o produto e distribuir.

Com o tempo a empresa cresceu, adquiriu outras unidades produtivas na Europa, Sul América e África até tornar-se a principal produtora de leite e derivados no mundo. Nada mal.

Mas debaixo dos bons resultados havia problemas, e muitos.
Como é possível criar problemas com uma empresa que recolhe e distribui leite? Que dizer, deveria ser uma actividade bastante simples, mesmo ao considerar a produção de derivados quais queijos e iogurtes.
Mas é possível.

As vacas e o futebol

Callisto Tanzi

Os problemas começaram quando o dono, Tanzi, teve a infeliz ideia de ampliar o raio de acção: não apenas leite, mas também redes televisivas, sociedades de futebol, aldeias turísticas….tudo isso requer dinheiro, não só leite de vaca.

E onde houver dinheiro há também bancos e políticos: meio caminho andado para fechar.

Tanzi, no processo, confessou ter financiado partidos políticos (de Direita, de Centro, de Esquerda) e bancos.
Financiar bancos? Mas não deveria ser o contrário, um banco que financia as empresas privadas?

Sim, deveria, mas reparem: quem decidir os empréstimos são os administradores dum bancos: e se o administrador for antipático? Não podemos correr um tal risco: é necessário que os administradores sejam pessoas de confiança, pessoas simpáticas, que a seguir possam financiar a nossa empresa sem fazer muitas perguntas.

Assim, a empresa financia o banco para obter os financiamentos. Isso mesmo.
E como os políticos são o braço legislativo dos bancos, eis explicado o financiamento aos partidos, de qualquer área ou ideologia. 

Uma vez entrada nesta espiral, a Parmalat estava condenada.
As dívidas continuaram a crescer, até o ponto de obrigar a Parmalat a entrar na Bolsa.

As vacas e a Bolsa

Porque, meus senhores, temos de ser claros: entrar na Bolsa de Valores significa partilhar com outros a propriedade e os lucros da própria empresa.
Porque uma pessoa deveria fazer uma coisa desta?

Ter um rio de dívidas é uma óptima razão para entrar na Bolsa: partilho a propriedade e os lucros da minha empresa em troca de dinheiro.

Ah, claro: para entrar na Bolsa, e sobretudo para convencer os investidores a adquirir as minha acções, é importante que a minha empresa apresente uma situação financeira no mínimo decente.

Mas ocultar dívidas não é um problema, há sempre alguém com ideias criativas quando se fala de balanços: e há sempre bancos dispostos a jurar que a minha empresa é uma autentica maravilha, sobretudo se o os bancos emprestaram dinheiro e agora têm medo de não ver um tostão no caso da minha falência.

Desta forma a Parmalat, nos anos Noventa, já estava virtualmente falida: mas aparentemente em boa saúde.
As vacas continuavam a produzir o leite, os investidores não faltavam, as dívidas aumentavam. Tanzi percebeu que algo tinha de ser feito: por isso chamou Gian Paolo Zini, advogado de New York.

As vacas e as Cayman

Com a estadia nos Estados Unidos, Zini tinha aprendido como gerir uma empresa em dificuldade.

Primeira medida: abrir uma conta na Bank of America e algumas empresas ficticias nas ilhas das Caraibas e Cayman.

Isso era fundamental, pois desta forma era possível implementar um enredo de facturas e créditos para demonstrar que a Parmalat tinha dinheiro, mais dinheiro do que leite.

Naturalmente as facturas e os créditos eram falsos, tal como as empresas das Cayman e das Caraíbas; mas isso não era um grande problema, ora essa.

O importante era mostrar a Parmalat qual empresa em boa saúde para atrair investidores. Em particular os pequenos investidores, os que trazem dinheiro verdadeiro.

Tudo poderia ter prosseguido com grande satisfação geral, só pena que em 2003 as autoridades italianas pediram para dar uma vista de olho nas escrituras contabilísticas da empresa: e o castelo de papel ruiu com uma velocidade esmagadora.

Aqui começou a segunda odisseia, a das responsabilidades. Por isso, em primeiro lugar, os bancos afirmaram terem sido vítimas da Parmalat: todos os bancos, sem excepções, juraram que nunca, nem por um segundo, tinham suspeitado da real situação da empresa.

Só que a situação não bem esta.
Ficou demonstrado que bancos quais Deutsche Bank, Citigroup, Bank of America, Morgan Stanley, Credite Suisse, UBS (onde é que já vimos estes nomes?) conheciam a real situação da Parmalat. Não só: mas mesmo assim continuaram a vender obrigações da empresa poucos dias antes da falência.

Citigroup, por exemplo, vendeu bonds da Parmalat até o último minuto: os financiamentos obtidos eram depositados pelo banco nalgumas sociedades com sede nos “paraísos fiscais” (entre as quais a sociedade Buconero (literalmente: Buraco negro…) para que não constassem nas dívidas da Parmalat. O dinheiro chegava depois até a empresa com contractos de “participação” das sociedades fictícias e a Parmalat.
Com este esquema, Citigroup conseguiu 50 mil milhões de Euros.

Bank of America utilizou para o mesmo efeito uma empresa de caridade com sede nas Cayman, para financiar Parmalat Brasil: 300 milhões de Dólares.

As vacas e o julgamento

Callisto Tanzi foi julgado e condenado em 2008: 18 anos de prisão.

E os outros arguidos? Os bancos, por exemplo?

As acusações eram pesadas: ter tido uma conduta pouco (ou nada) transparente, ter enganado os investidores, ter obtido lucros ilícitos; em particular, 14 milhões de Euros a Deutsche Bank, 70 milhões Citigroup, 30 milhões Bank of America, 5,9 milhões de Euros Morgan Stanley.

Ontem a sentença: todos absolvidos.
É uma sentença importante, porque nega aos 30.000 pequenos investidores defraudados a possibilidade de obter o próprio dinheiro de volta: não podem porque agora a sentença afirma que os bancos também foram defraudados.

Afinal, toda a história da Parmalat foi o parto da mente criminosa de Callisto Tanzio e de outras duas ou três pessoas, nada mais: é isso que diz a sentença.

O advogado da Deutsche Bank:

Para nós é uma vitória, foi feito um esforço incrível, mas o nosso cliente era completamente inocente. Estes são processos que inicialmente tiveram uma reação violenta do público, os réus arriscavam perder longas carreiras, mas no longo prazo houve uma visão mais racional.

Citigroup fala dum tribunal “forte e independente”, lembrando de “sempre ter afirmado ter sido defraudado”, e ainda de ter decidido compensar os pequenos investidores “por razões morais”.

Para o Bank of America:

uma vez mais, foi confirmado que nenhum dos funcionários do banco estava ciente da fraude da Parmalat, que foi perpetrada somente por alguns de seus membros, com a ajuda de alguns auditores.

Morgan Stanley::

Estamos satisfeitos com a decisão do tribunal.

Sem dúvida.

Ipse dixit.

Fonte: Corriere della Sera

3 Replies to “As vacas e os bancos: o caso Parmalat”

  1. Max, meu caro,
    Essa sua postagem sobre vacas e canalha bancária remeteu-me a uma outra canalha: a máfia do futebol. Parece-me que futebol não é lá muito a sua praia, mas, porém, todavia, contudo, os valores que circulam no meio são de assombrar e, isto, certamente, descansa escondido no nicho dos seus interesses.
    Todos os grandes clubes são grandes devedores, ainda assim contratam jogadores a peso de diamantes e continuam mais devedores ainda. Da dona Fifa já sabemos um pouco, dos clubes, nem esse pouco.
    E olha que não citei os miliardários russos.
    Será tão competente a Lavanderia Futebol a ponto de não deixar nem um resquiciozinho de cheiro do sabão?

Obrigado por participar na discussão!

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