Um País para ricos

Domingo, um dia frio e com chuva. As previsões dizem: “Períodos de chuva fraca”.
Agora, sabemos que fazer previsões meteorológicas não é coisa simples: mas aos menos, espreitar pela janela para ver o que se passa não deveria ser tarefa assim complicada.
É que chove há três horas, e chove com uma certa convicção.

Às vezes imagino os homens do Instituto de Meteorologia, em profundos bunkers de cimento, enterrados algumas centenas de metros abaixo da superfície, em qualquer remota localidade do interior: rodeados de monitores, gráficos, sem contactos com o resto da humanidade…

Domingo, dizia: tempo de escrever acerca da chuva? Não. Boa altura para falar de ordenados.
Sabemos que os gestores públicos, na maioria dos Países, ganham bem. Mas são ordenados justificados?
Tomamos um País que atravessa uma altura de crise…sei lá, um País qualquer: Portugal por exemplo.

Ler Sábado ao Domingo

Tenho aqui uma cópia da revista Sábado. Interessante.
A revista reporta os ordenados de cinco gestores públicos:

Francisco Cardoso Dos Reis, Presidente da CP (comboios) em 2009, agora Metropolitano de Lisboa;
José Silva Rodrigues, Presidente da Carris (transportas públicos em Lisboa);
João Silva Pintassilgo, Presidente da Transtejo (transportes fluviais no rio Tejo);
Joaquim Reis, Presidente do Metropolitano de Lisboa, agora Parpública;
Luís Pardal, Presidente da Refer (comboios).

Estes cinco cavalheiros ganharam em 2009 um total de 428.127 Euros, assim repartidos:
Cardoso Dos Reis 101.158 €
Silva Rodrigues 93.428 €
Silva Pintassilgo 87.249 €
Reis 45.263 €
Pardal 101.029 €

Um exagero? Do meu ponto de vista, isso depende.

É justo que um gestor público possa ganhar bem. É um trabalho de responsabilidade (ou deveria ser), pois o que está em causa é o dinheiro do Estado, isso é, dos contribuintes. O nosso dinheiro.

Além disso, se não for bem pago, o gestor público pode preferir o mercado privado, deixando na gestão estatal as pessoas menos preparadas. 

Se o gestor for capaz de pôr a render este dinheiro, se for capaz de tornar a empresa uma mais valia, então é justo que ganhe bem.

Não esquecemos: se ganha a empresa pública, ganhamos todos nós; o nosso dinheiro foi bem empregue, o serviço oferecido é bom (lógica consequência duma empresa que funcione), por isso ganha bem o gestor porque ganha bem a comunidade.

O Metropolitano de São Paulo, por exemplo, em 2009 fechou com um activo de 31,5 milhões de Euros. Excelente resultado: seja quem for o gestor, é justo que seja recompensado, e bem. Isso serve como prémio pelo óptimo serviço prestado, como incentivo para o futuro e como razão para que o gestor opte por continuar a própria carreira ao serviço do Estado..

Mas quando a empresa não ganha? Pior: quando a empresa pública é um autêntico buraco negro?
O Metropolitano de Lisboa fechou 2009 com um passivo de 37,9 milhões de Euros. O seu gestor, Joaquim Reis, ganhou na mesma altura 45.263 €, mais de 180 € por cada dia de trabalho.
A que título?
A cada três dias, este senhor ganhou o equivalente a um ordenado mínimo nacional. Com quais resultados? E reparem: dos 5 cavalheiros, este foi o mais desgraçado, pois os outros receberam muito mais.

Transtejo e Caronte

Ao morar em Almada, conheço bem o serviço oferecido pela Transtejo, a empresa gerida por João Silva Pintassilgo.

Os barcos são velhos, sujos, mal cheirosos. Eu não sou um maníaco higienista, mas ao subir num meio da Transtejo controlo sempre a eventual presença de insectos (como pulgas e afins) no lugar onde tenciono sentar-me.

O Eborense

Na rota Almada-Lisboa, ou Trafaria- Lisboa, os barcos mais novos (Classe Cacilhense) datam de 1982, quase 30 anos; mas ainda estão em serviço navios dos anos ’50, como o ferry Eborense (1953), o que torna qualquer travessia uma espécie de revisitação da viagem de Dante :

E eis chegar para nós num barco
um velho, branco pelo cabelo,
gritando: “Ai de vós, almas pequenas!”

Mesma atmosfera.

Quando o Eborense começou a funcionar, a Segunda Guerra Mundial tinha acabado há 8 anos, Salazar estava firmemente no poder, o homem ainda não tinha chegado à Lua, os Beatles ainda não existiam.

Num País normal, o Eborense seria venerado como uma relíquia, aqui é um normal meio de transporte em actividade.

João Silva Pintassilgo

No passado mês de Janeiro, o Tribunal de Contas relatou que a empresa está em falência técnica, após ter perdido metade dos utentes nos últimos 12 anos (mas porque terá sido?); e que, com a gémea Soflusa, precisa duma recapitalização de 167 milhões de Euros. 

Quanto ganhou o gestor desta empresa, João Silva Pintassilgo? 87.249 Euros.

Quase 350 Euros por dia de trabalho.

A cada dia, este indivíduo ganhou 350 € para perder utentes, graças a um serviço digno do Terceiro Mundo, e aprofundar o buraco financeiro no qual a empresa alegremente mergulha.

A priori

Como afirmei no início, acho que um bom gestor deve ser bem pago.

Mas um mau gestor? E um mau gestor num País em crise?

Resposta óbvia: não deveria ser bem pago.
No caso do Pintassilgo (mas o mesmo raciocínio pode ser aplicado aos restantes indivíduos), o salário mínimo seria o mais adequado, mais um inquérito para estabelecer se fez realmente todo o possível para evitar a actual condição.

Perigo de fuga para o sector privado? Em casos como estes não é um perigo, é uma esperança.

O problema é que os gestores são pagos independentemente dos resultados conseguidos, e com salários estabelecidos a priori. Esta é uma aberração.

Seria como se na escola todos os estudantes fossem promovidos no início do ano escolar, pelo simples facto de estarem inscritos. E, no final do ano, fosse confirmada a promoção, sem ter em conta os resultados.

É uma situação ridícula, não é? Não, é a situação dos gestores públicos, não há mesmo nada para rir.

Guilherme Costa

O bom senso sugere que no início do contracto deveria existir uma remuneração mínima, consoante as características do gestor (Tem adequada preparação? Tem experiência? Já mostrou bons resultados em outras empresas?).

No final do ano, uma comissão independente (não o conselho de administração, não da mesma empresa, não formada por políticos) deveria avaliar os resultados (tendo em conta elementos quais o juízo dos utentes também)  e estabelecer a existência das condições para um eventual prémio.

E há ainda uma outra questão. Numa situação como a actual, caracterizada por uma profunda crise, com os cidadãos que têm de enfrentar uma realidade feita de dificuldades económicas (quando não de verdadeira pobreza), fazem sentido remunerações de dezenas de milhares de Euros?

É admissível que o Presidente da Caixa Geral de Depósitos, Faria de Oliveira, ganhe 1.016 Euros por dia?
O Presidente da RTP, Guilherme Costa, 685 Euros por dia?

Não são este valores uma ofensa, um desrespeito para as pessoas “normais”?

Nota:
a reportagem, muito boa, poder ser encontrada na edição da revista Sábado nas bancas esta semana (10 – 16 de Fevereiro de 2011).
São 6 páginas com explicação e gráficos, óptimos para fazer subir a pressão arterial.

Ipse dixit.

Fonte: Sábado

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