Um Banco Sustentável

Justo criticar as coisas que não funcionam, mas o que é preciso é propor soluções também.

O caso do sistema económico-financeiro. As falhas do actual sistema são denunciadas por todos os principais meios de comunicação, para não falar da informação alternativa; e é provável que esteja à beira do colapso. 

A pergunta é: e depois? Qual é o próximo passo lógico no nosso desenvolvimento económico?

O crédito vai ser a prioridade: não podemos pensar numa sociedade sem crédito. 

Como comunidade, podemos criar o nosso próprio crédito, sem ter de acabar no esquema piramidal em que sempre temos que pedir ao Pedro o dinheiro para pagar ao Paulo os juros.  
Podemos evitar este crédito degenerado com um sistema de crédito público, um sistema que aposte na produtividade futura dos seus membros. 

Uma produtividade garantida não com “objectos” secretamente movidos para frente e para trás num jogo sem fins (e lucrativo só para alguns), mas pela própria comunidade.

O modelo mais simples do crédito público é o sistema monetário da comunidade internet. Um sistema funcional para uma comunidade de dimensões médio-pequenas. 

Os favores dos amigos

Consideramos, por exemplo, o site chamado “Friendly favores”.  

É uma comunidade da Internet na qual quem participa não deve começar com um fundo de capital ou reservas de dinheiro, como exigido pelas instituições bancárias privadas. 
Nem os membros recebem empréstimos do mercado monetário ou pagam juros. 

Eles criam o próprio crédito simplesmente marcando uma dívida na própria conta de crédito e marcando um crédito na conta de outra pessoa. Ou vice-versa. 

Complicado? Nem por isso. 

Se Margarida cozinha bolinhos para Sara, Sara marca “5 favores” de crédito para Margarida e “5 favores” de dívida na própria conta. 

Naturalmente, quando Sara fizer um favor a Margarida as contas serão actualizadas e os números de favores que Margarita tinha como “crédito” em relação a Sara diminuem; e, obviamente, Sara vê a própria dívida diminuir também.   

Desta forma, extremamente simples e intuitiva, “criam” dinheiro como os bancos fazem, mas o resultado não é inflacionário: não há juros. O “mais 5 favores” de Margarida é contrabalançado pelo “menos 5 favores” de Sara; assim, ao fazer alguma coisa para alguém, as contas voltarão ao zero. É um “jogo” cuja soma é sempre zero. 

Problema: isso funciona com os bolinhos, mas ao falar de economias nacionais as coisas mudam. 

De facto, o sistema monetário da comunidade da Internet pode ser muito funcional em pequena escala, mas como não comercia  em moedas nacionais, tende a ser demasiado limitado para empresas e projetos em grande escala. É um sistema baseado no principio da troca, não foi projetado para fornecer crédito em larga escala. 

O equivalente funcional do sistema monetário da comunidade pode ser conseguido usando a moeda nacional, através da criação dum banco de propriedade pública. 

O Banco público

Antes de gritar ao regresso do Comunismo, parem e pensem nisso: com a transformação do sistema bancário privado em serviço público, explorado em benefício da comunidade, é possível preservar as virtudes do sistema de expansão de crédito dos banqueiros medievais, evitando a exploração dos bancos privados modernos. Os lucros gerados pela comunidade são devolvidos à comunidade.

Um banco público que possa gerar crédito em moeda nacional poderia ser implementado em qualquer comunidade ou grupo, independentemente do tamanho; mas até quando existirem obrigações como as reservas, o capital mínimo e outras regulamentações restritivas, só um banco do Estado será a opção mais viável.  
Um Estado pode facilmente cumprir estes requisitos, sem comprometer a solvência da comunidade.

O banco pode utilizar este capital para garantir o crédito necessário aos projectos do País. Este é um passo fundamental: os projectos são nacionais e os lucros pertencem ao banco, isso é, ao País. 
Não importa o tamanho do projecto: pode ser a abertura duma loja, uma ajuda económica para os estudantes, um novo tractor para arar o campo ou a criação duma nova indústria. 

Desta forma o Estado (e os cidadãos) ganha duas vezes: ganha com os lucros do crédito e ganha pelo facto que a economia nacional cresce. 

Seria um bom banco, não seria?

O caso BND 

A sede do Bank of North Dakota

Não “seria”: é um bom banco.
E tem um nome: Bank of North Dakota.

Um banco estatal nos Estados Unidos? Pois, isso mesmo.

É atualmente o único banco do género no País, tem um rating de AA e recentemente conseguiu um lucro de 26 por cento. Este ano a previsão é para 60 milhões de Dólares de lucro (isso numa altura em  que quase 200 bancos já fecharam as portas), metade dos quais voltam para o fundo geral do estado. 

Portanto, o exemplo existe, funciona, até melhor do que os bancos privados. Tem um excelente sucesso no North Dakota, mas até os mesmo cidadãos dos outros Estados dos EUA desconhecem esta realidade, imaginem no estrangeiro.
Curioso, não é?
 
Esta crise deu para entender uma coisa: o dinheiro nada mais é do que credito, não tem outro valor.
Quando o crédito é concedido por um banco, quando o banco é propriedade da comunidade e quando os lucros voltam à comunidade, o resultado pode ser um sistema financeiro funcional, eficiente e sustentável.

O contrário do que acontece hoje.
Por isso, se alguém dizer “Os bancos privados são um mal necessário”, já sabem: não é verdade. 

Ipse dixit.

Fontes: Friendly Favors, Public Banking, Mother Jones, Bank of North Dakota.  

4 Replies to “Um Banco Sustentável”

  1. Caro Max,
    A grande questão é quem vai botar o guizo no gato, ou melhor, no leão de fome insaciável, uma vez que todos os Estados estão reféns da canalha bancária?
    A poderosa Alemanha com a ajuda da França? Sim, porque se um país de economia mais frágil abrir concorrência com a canalha bancária, o resultado será catastrófico.
    Esse ajuste é possível e desejável, porém, acredito que só factível após a falência irremediável da ordem atual.
    Abraços.
    Gilson

  2. Verdade Gilson, verdade.

    Difícil imaginar alguém que agora decida enfrentar os bancos privados.

    Seria precisa não só uma grande dose de coragem, mas também muito dinheiro, uma economia que funcione, um tecido industrial com boa capacidade produtiva, uma certa independência energética…e não seria mal um bom exército também.

    Mas cedo ou tarde o actual sistema chegará ao fim. E algo de novo terá que aparecer.

    Nós cá estaremos.
    Talvez.

    Abraço!

  3. "Mas cedo ou tarde o actual sistema chegará ao fim. E algo de novo terá que aparecer."

    Falta saber se o novo será o que eles querem ou o oposto.

    Quanto ao desastre económico só aconteceria se nos fizessem o mesmo que fazem ao Irão com as sanções e talvez por isso a gente precisasse mesmo desse exército 😛

    Saber o quão poderia ficar caso fizéssemos o que seria correcto não pode ser razão para recuar. Continuo a dizer que dentro das possibilidades disponíveis neste momento a melhor solução para o país seria um governo com coligação do BE+PCP, melhor que isso só com revolta liderada por alguém capaz e desperto.

    Abraço.

Obrigado por participar na discussão!

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