O preço não está certo

Quem escreve gosta de carros e, ao mesmo tempo, quer um planeta limpo.

Uma contradição?
Não necessariamente pois nos últimos anos vimos avanços significativos na maneira de conceber os motores: cada vez menos poluentes (embora ainda muito longe do desejado), cada vez mais atenção pelo ambiente desde a projectação.

Por isso a chegada dum carro totalmente eléctrico deveria ser motivo de felicidade. Mas assim não é.

30 mil? Não, 35.

A partir de Dezembro estará disponível em Portugal o Nissan Leaf, o primeiro carro 100% eléctrico.
O preço? 30.000 Euros.

Sim, leram bem: 29.955 Euros, para ser mais precisos.
Mas atenção: este valor inclui o incentivo do governo válido para os primeiros 5.000 compradores. Acabado o incentivo, o preço final será de 34.955 Euros.

Com este preço seria possível adquirir um Volkswagen Golf 1.6 TDI BlueMotion, que emite 99 gramas de CO2 por cada quilometro. E ainda sobrariam quase 10.000 Euros…

Agora, uma pessoa “amiga do ambiente” pode não se importar se o próprio carro parece o novo ferro de engomar da Moulinex. E também aceleração e velocidade máxima passam em segundo plano.

Mas gastar 30.000 (ou 35 mil após incentivos) Euros para um carro que pode andar só ao longo de 160 quilómetros não faz muito sentido, pela simples razão que não é competitivo: o híbrido da Toyota, o Prius, custa 26.460 €, emite 86 gramas de CO2 e não tem problemas de autonomia. O híbrido da Honda, o Insight, tem preços que partem desde os 20.590 €.

Estes últimos dois veículos não são “emissões zero”: mas a diferencia pode chegar ao 10.000 € ou quase 15.000 € uma vez acabados os incentivos. 10 ou 15 mil Euros num País como Portugal fazem uma enorme diferencia para a quase totalidade da famílias.

Com uma autonomia assim reduzida o Nissan pode propor-se como “segundo carro”, veiculo para ser utilizado no percurso diário casa-escritório e nada mais. Quantos podem gastar 30 mil (ou 35 mil) Euros para um “segundo carro”?

E não é tudo. Os acumuladores terão que ser substituídos no prazo de 5 ou 10 anos; o custo? Mais ou menos outros 10.000 Euros, o preço dum pequeno utilitário.

Se depois visitarmos o site da Nissan descobrimos que, como em todas as baterias, a capacidade de carga diminui com o passar do tempo. Os 160 quilómetros de hoje podem ser os 120 ou 100 de amanhã. O que não diminui é o tempo de recarga: entre 6 e 8 horas para uma recarga completa, 30 minutos para uma rápida (mas neste caso a autonomia fica reduzida). Mas este último não é um aspecto demasiado importante se considerarmos o Nissan como um carro para as curtas deslocações citadinas.

Boa ocasião perdida

Mesmo assim, uma pergunta: faz sentido?

A primeira dúvida: quanto portugueses terão a capacidade financeira para suportar as despesas do Nissan Leaf?

A seguir, muito mais importante: com uma operação desta as pessoas vão começar com o identificar os carros eléctricos como viaturas muito caras e particularmente limitadas. É isso que se pretende?

Então, culpa da Nissan?
Nem pensar, a Nissan faz o seu trabalho de investigação e tem como objectivo principal o lucro, não o ambiente. Sabe que os mercados estão sensíveis ao assunto ecologia e opera em consequência.

O erro reside nas políticas ligadas ao mundo dos automóveis.

No Reino Unido o carro será vendido a partir de Fevereiro. O preço? 27.471 Euros, 2.500 € mais barato da versão portuguesa com incentivo, 7.500 € sem incentivos. E mais: o governo de Londres anunciou a intenção de devolver 25% do preço no caso dum veiculo eléctrico “puro”, tal como o Leaf. Agora, é só fazer as contas…

No Reino Unido, País que como os leitores de Informação Incorrecta sabem, enfrenta sérios problemas económicos, percebeu uma coisa muito simples: a difusão dos carros com emissões zero deve ser fortemente apoiada.

Aqui, pelo contrário, fica uma boa ocasião perdida para fazer algo de sério para o ambiente. Para recolher poucos milhares de Euros, que com certeza não irão resolver os problemas do País, o governo limita a difusão dum automóvel verdadeiramente “emissões zero” e transmite da categoria dos eléctricos uma imagem negativa.

Parabéns.

Ipse dixit.

Fonte: Autohoje nº 1071

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