EUA e inimigos: ar de vingança?

Estados Unidos, a Vítima: Estarão os Inimigos Fazendo Fila para Vingar-se na Esteira do Coronavírus?

de Philip Giraldi

 

Tradicionalmente os governos, quando em dificuldades políticas, conjuram algum inimigo externo para explicar por que as coisas estão indo mal. O que quer que alguém escolha acreditar acerca do coronavírus, o fato é ele tem causado considerável reação política contra diversos governos cujo comportamento tem sido percebido ou como exagerado demais ou como muito dado a delongas. A Casa Branca de Donald Trump tem levado tiros vindos de ambas as direções e a resposta dela à doença tem também sido muito criticada por causa de repetidas gafes do próprio presidente. A última fala equivocada, agora sendo apresentada pelo secretário de imprensa de Trump como sarcasmo, envolveu insinuação do presidente no sentido de estar sendo cogitada injeção ou ingestão de desinfetante para tratar a doença, qualquer das duas podendo facilmente ser demonstrada como letal.

Em decorrência, a administração está desesperada para mudar a narrativa, e pois resolveu recorrer ao velho expediente, isto é, sair à cata de inimigo externo para desviar a atenção daquilo que está acontecendo nos hospitais do país. A lenda de estrangeiros malquerentes tem sido levada adiante por diversos veículos da mainstream media(*) e tem-se comprovado especialmente apetitosa, porque não há apenas um bandido, e sim pelo menos quatro: China, Rússia, Coreia do Norte e Irã.

(*) mainstream media – Formas de mídia, especialmente formas tradicionais tais como jornais, televisão e rádio, em contraste com a internet, que influenciam grande número de pessoas e provavelmente representam crenças e opiniões aceitas de modo generalizado. ‘A mainstream media aparentemente ignorou todos os protestos.’ Cambridge

A narrativa aceita é aquela segundo a qual os inimigos dos Estados Unidos  – U.S./US estão agora tirando proveito de um momento de fraqueza decorrente da reação de lockdown(*) ao coronavírus e intensificando seus ataques, tanto físicos quanto metafóricos, à Exceptional Nation Under God [Nação Excepcional Sob a Égide de Deus]. A mais recente alegação de os Estados Unidos estarem sendo escolhidos para alvo envolve incidente em meados de abril durante o qual um enxame de canhoeiras iranianas teria assediado grupo de navios de guerra estadunidenses que efetuavam exercício de treinamento no Golfo Pérsico, cruzando as proas e popas dos vasos dos U.S. à queima-roupa. As manobras foram descritas pela Marinha como “perigosas e não profissionais”, mas as pequeninas lanchas de modo algum ameaçavam os navios de guerra muito maiores (observe a foto no link, que ilustra a disparidade de tamanho entre os dois vasos).

(*) lockdown – Ocasião em que grande número de pessoas recebe ordem de ficar em casa a maior parte do tempo ou o tempo todo. Macmillan

Donald Trump respondeu/reagiu caracteristicamente ao incidente com tweet na última quarta-feira: “Instruí a Marinha dos Estados Unidos a derrubar e destruir qualquer e todas as canhoeiras iranianas se elas incomodarem nossos navios no mar.” Embora não tenha sido fornecido contexto, os comandos do presidente às forças armadas e o tweet essencialmente definiram as regras de envolvimento, significando que ficará a cargo dos comandantes dos navios definirem/determinarem se estão ou não sendo assediados/incomodados. Se o comandante achar que sim, estará autorizado a abrir fogo e destruir os barcos iranianos. Obviamente, poderá haver o problema físico de “derrubar” canhoeira que esteja na água e não no ar.

No Mediterrâneo a ameaça contra os U.S. consistiu em dois caças russos voarem perto de avião de observação submarina/de submarinos P8-A da Marinha. Os caças russos decolaram da base aérea de Hmeymim na Síria depois que o avião estadunidense aproximou-se do espaço aéreo sírio e de instalações militares russas. Um dos caças, SU-35, fez manobra “perigosa” quando percorreu de cabeça para baixo em alta velocidade distância de 25 pés na frente do avião da Marinha.

Também em meado abril a Coreia do Norte por sua vez disparou mísseis cruzadores no Mar do Japão em meio a rumores de que seu chefe de estado Kim Jong Un poderia estar morto ou à morte depois de cirurgia de grandes proporções. O Presidente Trump não ficou preocupado com os mísseis e ademais comentou que havia recebido “simpática mensagem” do líder norte-coreano.

Apesar de guerras e rumores de guerras, a China continua a ser o principal alvo tanto de Democratas quanto de Republicanos na Colina do Capitólio. Os congressmen(*) do GOP(**) estariam urgindo por sanções à China, enquanto há já diversos processos abertos por causa do coronavírus, visando ativos/haveres chineses, em tribunais dos U.S., um pelo menos requerendo indenização de um trilião de dólares. Teorias acerca do uso deliberado do vírus de Wuhan como arma proliferam, e mesclam-se ainda com histórias acerca de como Beijing disparou tal arma e está agora envolvida em intervenção em estilo russo na mídia social, a fim de promover a ideia de que os Estados Unidos se comprovaram incapazes de administrar aquilo que se tornou emergência médica colossal. Nada obstante, aqueles que estão promovendo a ideia de que o partido comunista chinês vem de declarar guerra por outros meios não conseguem explicar por que o governo de Beijing está tentando com tanto empenho destruir seu maior mercado de exportação. Se a economia dos U.S. for pelo ralo, grande parte da economia chinesa irá junto, particularmente se o segundo maior mercado de exportação da China, a Europa, também estiver em dificuldade.

(*) congressmen – Plural de congressman. Congressman é pessoa membro do Congresso dos US, especialmente da Câmara dos Deputados. Macmillan(**) GOP – O Grand Old Party: o Partido Republicano dos Estados Unidos. Macmillan

A loucura do que está acontecendo no contexto do abagunçamento causado pelo coronavírus aparentemente já aumentou o nível normal de paranoia típico dos escalões superiores do governo dos U.S. Os planos do Pentágono de empreender guerra com Rússia e China simultaneamente, discutidos pela primeira vez em 2018, ainda estão em andamento, a despeito de Washington ter menos trunfos atualmente do que há dois anos. A economia está deprimida e perspectivas de recuperação, na melhor das hipóteses, são especulativas, mas a máquina de guerra continua. Muitos estadunidenses cansados da guerra perpétua nutrem a esperança de que a esteira do vírus venha a incluir demanda por sistema de saúde genuinamente nacional que inevitavelmente eviscere o orçamento do Pentágono, levando finalmente a renúncia à condição de império.

A despeito da histeria é importante notar que nenhum estadunidense foi morto ou ferido em resultado das recentes ações iranianas, russas, chinesas e norte-coreanas. Quando você estaciona navios e aviões perto de ou até em fronteiras de países que você tenha rotulado de inimigos, será razoável esperar que ocorra resistência. E quanto a tirar proveito do vírus, os Estados Unidos é que têm sugerido/insinuado que o farão nos casos de Irã e Venezuela, exercendo “pressão máxima” sobre ambos os países em seus períodos de problema, para efeito de mudança de regime. Se aqueles países já acostumados a ser sistematicamente escolhidos como alvo pelos Estados Unidos estiverem tirando proveito da oportunidade para diminuir a capacidade dos Estados Unidos de intervirem globalmente, ninguém deverá ficar admirado, mas nem por isso terá cabimento fazer a afirmação histérica de que os Estados Unidos agora se tornaram vítima de algum tipo de vasta conspiração internacional.

 

Nota: Os pontos de vista de cada contribuinte não necessariamente representam os de Strategic Culture ou de Informação Incorrecta.

Artigo original: Strategic Culture Foundation

Tradução by zqxjkv0

One Reply to “EUA e inimigos: ar de vingança?”

  1. Olá Max e todos: a velha e mofada estratégia de sempre: desviar a atenção, localizar o mau, o feio e o errado sempre do lado de fora.
    Mas me parece que nos EUA, por situações bem recentes, está clara a guerra visceral de dois deep state, duas CIA (s), e por aí vai. Por trás de uma, democratas e republicanos fiéis à máquina Clinton, ao Busch, a Obama e toda esta corja belicista.
    Do outro, republicanos e democratas, igualmente do deep state, nacionalistas e anti globalistas fiéis a Trump e toda sua corja, tentando tirar proveito de qualquer coisa, dentro desta situação inconveniente de uma tal “pandemia” justo quando as eleições estavam a priore ganhas.

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