Após o Coronavirus Parte I: A situação

Pela primeira vez desde que abri Informação Incorrecta estou verdadeiramente preocupado. Não por causa do Coronavirus mas por aquilo que acontecerá a seguir: recuperar da crise económica não será simples. Não é uma crise de Portugal, não é uma crise europeia: é uma crise global. E recuperar as economias locais no âmbito dum mercado global deprimido será muito complicado. Daqui a minha preocupação: quem irá pagar a conta? Quais medidas sem precedentes serão adoptadas com o álibi da pandemia?

Para já um olhar sobre a situação no geral, com particular atenção reservada à China, onde tudo começou.

Alguns efeitos do Coronavírus sobre a economia global

Segundo os analistas, o impacto económico da pandemia será maior do que o de SARS. Na verdade, as previsões são muitas e muito diferentes. Mas será bom lembrar de que a síndrome de 2003 fez desaparecer 25.3 biliões de Dólares do PIB da China em poucas semanas: o Coronavírus já ultrapassou 40 biliões de Dólares em poucos dias e levou ao fecho de um dos maiores Países do mundo (quando no caso da SARS isso não aconteceu nem para uma única cidade).

Isolamento do gigante asiático e bloqueio de voos de e para a China.

Na maior operação de quarentena da história, um inteiro País foi isolado do resto do mundo para lidar com a crise. As grandes companhias aéreas ocidentais bloquearam os voos de e para a China: British Airways, American Airlines, Lufthansa, Swiss Airlines, Austrian Airlines, Cathay Pacific… Previsões? Ainda não. Alguns esperam que a coisa possa melhorar a partir do final de Março, vamos ver.

O isolamento da China não preocupa? Deveria: estamos a falar da primeira economia mundial.

Contracção do PIB chinês

Muitas empresas permaneceram fechadas muito para além do período das férias do Ano Novo Lunar (uma coisa chinesa). A duração dos encerramentos forçados será um indicador chave do impacto do vírus sobre a economia. Quando a SARS se espalhou quase exclusivamente entre a China e Hong Kong, em 2003, o PIB da China caiu mais de um ponto percentual, sem impacto sobre o resto do mundo. Hoje a situação é bem diferente.

Há 16 anos a China enfrentava um momento de extraordinário crescimento (+10% ao ano) e recuperou quase imediatamente. Hoje as estimativas prevêem um crescimento de apenas 5% ou talvez até menos, num contexto de abrandamento já evidente, com enormes repercussões na economia global.

Contracção do PIB mundial

Com uma redução na taxa de crescimento de tais proporções, mesmo um ponto de crescimento a menos faz uma grande diferença para todos. Só a China é responsável por 1/3 da economia mundial. Uma paralisia significa menos exportações (e atenção: é na China que são produzidos grande parte dos componentes essenciais para a produção de uma enorme variedade de objectos como as peças electrónicas para automóveis, smartphones, computadores…), mas também menos importações de matérias-primas, como petróleo e alimentos.

Goldman Sachs estima que em 2020 o PIB mundial perderá pelo menos meio ponto percentual, considerando que só a República Popular da China é responsável por 15% do Produto Interno Bruto global.

A análise de Oil Price, que toma nota do custo do petróleo, é clara: “Mesmo o medo de que as pessoas deixem de viajar é suficiente para causar uma depressão económica […] A mera percepção [do possível contágio, ndt.] cria ondas na economia mundial à medida que as pessoas mudam os seus hábitos de viagem, compras e comércio”. Aquele meio ponto em percentual significa uma perda real com muitos, muitos zero.

Contracção no consumo

Muitos grupos automobilísticos ampliaram a paragem na produção das fábricas chinesas, Hyunday e Toyota não recebem mais os componentes necessários para continuar a produção de carros, há os primeiros atrasos na entrega de smartphones. Não é uma tragédia, carros e smartphone é algo que não falta e as prioridades, numa situação de caos, são outras. Todavia é um sinal forte.

O encerramento das lojas reduzirá as despesas de transporte, as compras a retalho, o turismo e o entretenimento (estes últimos virtualmente já mortos). O choque económico pode ser tal que o País não será capaz de recuperar tão rapidamente quanto em 2003, porque hoje a China é muito mais dependente do consumo do que era há 16 anos.

Perigo para as bolsas de valores e finanças

É aqui que podemos encontrar as previsões mais catastróficas. “Bem feito, assim aprendem!” podemos pensar. Mas não é mesmo assim: quando perde a Bolsa, perdemos todos porque é assim que o nosso sistema funciona hoje. Mesmo antes do impacto imediato da epidemia na economia, veremos o impacto imediato nas finanças, devido ao efeito do pânico. Os mercados já estão à beira do abismo, bombeados de liquidez fácil e taxas de juros negativas: a bolha está pronta para explodir.

Os rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA caíram 17% nas últimas semanas, os preços subiram da mesma percentagem devido à procura dos investidores que abandonaram os investimentos em acções. O enterprise valeu (o valor para o qual uma empresa pode ser vendida com base na capitalização mais a dívida) é 3.6 vezes o volume dos negócios; quando a bolha dot.com rebentou era metade do enterprise valeu. A diferença entre o valor na Bolsas das acções de uma empresa e os lucros da mesma (que deveria justificar o valor na Bolsa) é enorme. A relação valor das acções/ lucros é de 25: isso significa que o valor das acções ultrapassa, em média, de 25 vezes o valor real da empresa.

O Coronavírus é a agulha que vai estourar a bolha? Provável. Em 2003 os mercados bolsistas perderam 10% no auge da epidemia. Um mês depois já tinham recuperado 15%. Hoje estamos num território desconhecido. Com a China blindada e isolada, tudo depende de quanto tempo a emergência durar. Tudo o sobra é navegar à vista.

Fechado para vírus

Se a indústria chinesa de componentes parar, a produção mundial corre o risco de um bloqueio total. A 30 de Janeiro, a japonesa Toyota suspendeu a produção até 9 de Fevereiro. Em 4 de Fevereiro, a coreana Hyundai decidiu suspender a produção em todas as suas fábricas na Coreia, pois a paralisação por falta de componentes chineses provoca o fecho das fábricas. A multinacional Starbucks fechou metade das suas 4.300 cafetarias na China, também fechou centenas de McDonald’s e uma dúzia de lojas de vestuário pertencentes à cadeia sueca H&M e à cadeia japonesa de cashmire de baixo custo Uniqlo. O Ikea da Suécia fechou todas as 30 lojas e restringiu as viagens dos funcionários à China, a mesma medida tomada pelo Facebook. Google também decidiu fechar temporariamente todos os escritórios na China, Hong Kong e Taiwan. Grandes empresas como Alibaba, Novartis e Volkswagen pediram ao pessoal para trabalhar em casa. mas poderiamos também falar Bytedance, o grupo proprietário do Tik Tok, do UBS Group, da HSBC, da Goldman Sachs, da Standard Chartered do HSBC…

O Coronavírus também terá um forte impacto na indústria do luxo, do champanhe, do vestuário e dos cosméticos. A China continental é o principal mercado global para as vendas das principais marcas de luxo.

O colapso dos preços do petróleo

Caiu o preço do petróleo? Tempo de festa! Ou talvez não. Porque esta queda tem apenas uma razão: é a economia que para e já não precisa de ouro negro. A China carrega grande parte da responsabilidade como um dos mais principais importadores, juntamente com a Índia; mas é o mercado global que agora não precisa de petróleo pois a economia está em forte contracção. E esta não é uma boa notícia, porque podemos detestar o mercado tal como este funciona hoje, mas por enquanto é o único mercado que temos e se não funcionar somos nós que pagamos a conta.

De acordo com o Financial Times, “os analistas da Goldman Sachs têm tentado dar a volta por cima”. Ao estudar o SARS de 2003, e ajustando a procura de petróleo por parte da China às estatísticas actuais, eles estimam que o impacto poderia ser inferior a 300.000 barris por dia. Uma parte relativamente pequena considerando que o mercado global é de 100 milhões de barris por dia”. Também segundo Goldman Sachs, “o Coronavírus pode ter o mesmo efeito no mercado petrolífero que o vírus SARS em 2003, com uma queda de 20% nos preços do petróleo”. Dos 260.000 barris a menos de petróleo por dia, 170.000 seriam para a redução do combustível das aeronaves.

Mas desde que apareceram, as previsões de Goldman Sachs foram alvos de duras críticas: o banco de investimento tentava apenas não assustar os operadores financeiros com previsões demasiado optimistas. De facto, poucos dias e as “profecias” da Goldman Sachs falharam redondamente. O banco tinha previsto uma redução do preço do petróleo de cerca de 2.9 dólares por barril, mas a realidade fui bem pior: de 65.95 Dólares caiu para 27.21..

As consequências no luxo e no turismo

Pegamos num País onde a industria do turismo ligada à China é significativa. As compras de luxo na Itália são feitas também por chineses (28% do total), num total de 462 milhões de Euros a cada ano; e cada chinês gasta uma média de 1.500 euros só para alcançar o país. Para 2020 eram previstos 4 milhões de turistas chineses em Italia: visitas desaparecidas, como é óbvio.

Mas o problema não é só com os turistas chineses ou a Italia: quantos norte-europeus irão deslocar-se este ano para o Sul da Europa? Pensamos em áreas como a Costa Brava espanhola, o Algarve em Portugal, a Costa Azul francesa, os destinos da América do Sul (maioritariamente o Brasil).

As Bolsas oscilam

As bolsas chinesas queimaram 420 biliões de Dólares num único dia, o dia 3 de Fevereiro. Em seguida, recuperaram quase 2% na onda da confiança mostrada pelo governo chinês, mas a situação é fluída.

Assim, por um lado, a crise bolsista asiática teve um efeito de arrastamento sobre as outras Bolsas no resto do planeta, mas agora pode acontecer o contrário: apesar de três dias sem novos casos de Coronavirus no Pais, a China pode agora sofrer os efeitos da queda das outras Bolsas, em primeiro lugar das europeias e de Wall Street. E principalmente são os títulos ligados ao turismo aqueles que os investidores tentam desesperadamente vender, pois as perdas no sector serão astronómicas.

Estes são apenas alguns dos pontos que devem ser tomados em consideração ao avaliar o post-pandemia. O discurso é bem mais amplo e, como citado, a minha preocupação está mais ligada ao mercado do trabalho, às medidas que os governos irão implementar para enfrentar a profunda crise, às perda de direitos. É disso que vamos falar no próximo artigo.

 

Ipse dixit.

2 Replies to “Após o Coronavirus Parte I: A situação”

  1. A quem interessar possa, um panorama brasileiro:
    1. Os sujeitos sentem algum problema de saúde e procuram o serviço público. Atendimento oficial é voltado para o Corona, mas não é feito teste porque o serviço público não dispõe. Se puder o sujeito procura o serviço de saúde particular e paga a consulta de 400 a 800 reais. Se ele não estiver com 40 graus de febre, não faz teste, mas se pagar mil reais pelo teste faz o tal teste.Solução apresentada é o confinamento doméstico, nada mais. os casos confirmados vão para hospitais públicos ou privados, de acordo com as posses da família
    2. As pequenas empresas demitiram e fecharam e as grandes recebem subsidio governamental para não quebrar mas podem demitir a vontade ou se precisarem da mão de obra, podem manter o trabalhador com a metade do salário. Aglomerado de trabalhadores sem nenhum cuidado de saúde continuam funcionando nos galpões de telemarketing, nos supermercados, no transporte público. Nas grandes cidades as pessoas continuam trabalhando nestes setores, alimentar , distributivo e empresarial com sindicatos de portas fechadas. Alguns espontaneamente saem às ruas com faixas dizendo coisas como: também queremos viver.
    3. Os funcionários públicos terceirizados estão sendo demitidos em massa sem salário e com recomendação de ficarem em casa. Os saques iniciam.
    4. Brasileiros somos quase meio milhão de moradores de rua que estão sendo mandados para as periferias das cidades.
    5. Brasileiros somos quase 900 mil presidiários, cujos problemas de saúde continuam se apresentando sem medida nenhuma
    6. Brasileiros somos 25 milhões de desempregados, desalentados e agora, despedidos ou em férias compulsórias..
    7. Brasileiros somos mais de 200 milhões sob suspeita de estado de sítio como medida governamental
    8.Está faltando água no interior de Pernambuco e no Rio e São Paulo. Não demora aparecer uma Maria Antonieta tupiniquim proclamando que na falta de água usem álcool gel.
    9. Serviço público de saúde noticia que semana que vem entra em colapso. O governo federal distribui 50 bilhões para as reguladoras de planos de saúde e nem um tostão para o serviço de saúde pública.
    10. Brasileiros somos 50 milhões de pessoas com casas de 30 ou menos metros quadrados que abrigam em média 8 pessoas, metade crianças sem comida da escola.
    Vou parar por aqui porque já cansei.

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