O Yuan no FMI

Muito bom artigo de Ambrose Evans-Pritchard no diário Telegraph. O que não é uma novidade.

Evans-Pritchard é o jornalista responsável pelos negócios internacionais do Daily Telegraph: adversário de longa data das políticas de austeridade na Europa, crítico do Euro, defendeu as políticas de flexibilização quantitativa no mundo desenvolvido. Cabecinha interessante a sua.

O que diz hoje o bom Evans-Pritchard? Simplesmente relata como o Fundo Monetário Internacional tenha aceite o Yuan (a moeda chinesa) no grupo das moedas de elite. O que significa isso? Boa pergunta: vamos abrir uma parênteses para esclarecer.

O SDR

Os Países membros do FMI, o Fundo Monetário Internacional, podem tomar emprestado dinheiro das reservas do mesmo FMI com taxas favoráveis: este dinheiro está disponível nas moedas que fazem parte dum restrito grupo, chamado SDR (Special Drawing Rights, Direitos de Levantamento Especiais).

A Etiópia quer um empréstimo do FMI? Então poderá obter este empréstimo, com taxa favorável, numa das moedas que fazem parte do SDR. Depois o Etiópia não terá possibilidade de devolver o empréstimo e ficará ainda mais miserável, mas este é outro discurso.

Quais são as moedas que fazem parte do SDR? Dólar americano, Euro, Yen do Japão, Libra britânica. E a partir de hoje: Yuan chinês.

Porque é importante ser uma moeda que faz parte do SDR? Bom, além da questão de prestigio, há sobretudo questões técnicas. Para simplificar: dado que o ouro já não é a base para a criação do dinheiro, o FMI utiliza as moedas do SDR como base para as transacções internacionais. Por isso o SDR é também definido como “ouro de papel” e é simples entender como as moedas que compõe o SDR sejam particularmente importantes e “valiosas” (nota: a questão é um pouco mais complexa, mas isso rende a ideia).

Como afirmado, até hoje as moedas do SDR eram quatro, mas o Dólar tinha um papel em destaque. Agora, com a chegada do Yuan, o cenário muda. Não que a moeda chinesa possa entrar de imediato no SDR, há tempos técnicos para ser respeitados e é provável que serão necessários
cerca de 10 meses para concluir o processo. Mas o que importa é que a decisão está tomada.

Os economistas acreditam que isso irá conceder à
segunda maior economia do planeta mais credibilidade no cenário
internacional.

A China e os riscos

Voltamos ao artigo de Evans-Pritchard. Como sublinha o jornalista, a entrada do Yuan no SDR marca o fim duma era caracterizada pela dominância do Dólar, que não tem sido capaz de manter o ritmo das dramáticas mudanças da economia mundial.

Mais: a decisão do FMI é claramente uma operação política, destinada a recrutar a China no restrito grupo de governança global. Para ser honestos, a China não teria todas as cartas para entrar no SDR: Pequim aplica um forte controle sobre os fluxos dos capitais, exerce uma política nacionalista onde se vendes acções que perdem valor podes ser acusado de traição, o termo “Democracia” existe só nas palavras cruzadas. Mas o FMI decidiu queimar as etapas, quis dar um sinal forte e conseguiu.

A operação tem várias leituras.

É uma maneira para acelerar as mudanças internas na China: o Yuan no SDR implica um maior sentido de responsabilidade por parte dos governos de Pequim.

Depois há a questão do sistema monetário global ter-se tornado terrivelmente desequilibrado. É um edifício financeiro baseado na hegemonia do Dólar, com um recorde de empréstimos que atinge 9.000 mil milhões de Dólares, a maioria dos quais fora da jurisdição dos Estados Unidos.

Este mundo financeiro centrado no Dólar criou distorções perturbadoras: este “padrão Dólar” é incompatível com um sistema de comércio global multipolar, onde muitos dos “mercados emergentes” têm mais relacionamentos com a economia chinesa do que com os Estados Unidos. Isso sem contar que finança e Economia estão claramente desequilibradas.

O Yuan no SDR implica alguns riscos também na China. Pequim terá de enfrentar enormes esforços para abrir o seu sistema e fazer “crescer a moeda. Ninguém sabe nesta altura se haverá capital a deixar o País ou, pelo contrário, se irá nele fluir; ou se tudo isso irá criar problemas e de que maneira.

Há riscos também nos mercados globais. Se a China decidisse desvalorizar o Yuan de forma pesada, como já fez no passado, isso provocaria um choque deflaccionário: e mesmo este seria o momento de maior perigo na óptica da economia mundial. Doutro lado, após a recente intervenção do governo chinês nas Bolsas (Agosto), os investidores vão pensar duas vezes antes de pôr em risco o dinheiro deles num País que atropela os direitos dos accionistas como um rolo compressor.

O artigo de Evans-Pritchard continua com questões técnicas muito interessante, concluindo da seguinte forma:

Pequim recebeu a bênção do FMI e de Washington. Mas agora tem que fazer a sua parte.

É mesmo este ponto que dá da pensar.

A calma de Washington: o sistema avança

O FMI foi sempre acusado de estar ao serviço da Grande Finança internacional, aquela com sede em Wall Street e nas principais praças do planeta. Agora a Grande Finança decidiu chamar o Yuan, Pequim reponde e Washington não tem objecção nenhuma.

Podemos pensar que seja normal: é o caminho em direcção do mundo multipolar. Mas sinceramente: alguém acha mesmo que a Finança esteja interessada na criação dum mundo multipolar? A Finança tem só um objectivo, sempre o mesmo, nunca muda: lucro.

Então uma leitura pode ser a seguinte: a Finança está interessada nos capitais chineses. Que existem e que não são poucos. Segundo Yang Zhao, da Nomura (um conglomerado de serviços financeiros japonês), existem 17.300 biliões de Dólares à espera nas contas chinesas, uma boa parte dos quais é propriedade dos empreendedores mais ricos.

Muito dinheiro, sem dúvida, apoiado pela grandes reservas de ouro de Pequim.

Mas pessoalmente vejo nisso quanto defendido há muito no blog: estamos no meio duma fase de transicção, com a Finança que abandona o Ocidente em favor do seu novo abrigo, o Oriente. Um mercado de 4 biliões de indivíduos, a maior parte faminto dum bem estar que por enquanto só podem saborear na televisão.

Duas contas:

  • Ásia: 4 biliões de indivíduos.
  • Américas: 900 milhões de indivíduos.
  • Europa: 700 milhões de indivíduos.
  • África: 1,100 biliões de indivíduos.
  • Oceânia: 36 milhões de indivíduos.
  • Antártica: 12 espécie de pinguins.
Concentração da população mundial

Agora, imagine o Leitor de ter imensos capitais: onde iria investi-los?
Na América do Norte, onde a economia já deu o que tinha para dar?
Na América do Sul, onde há muitos Países ainda atrasados?
Na Europa, onde a economia ficou arrasada?
Na África, onde a maior parte dos habitantes são mortos de fome?
Na Oceânia, onde são quatro gatos?
Na Antártica, onde os pinguins são fofinhos mas mais interessados no peixe do que nos fundos de investimentos?

A resposta óbvia é a Ásia, um mercado enorme (mais de metade da população mundial), em forte crescimento e onde as pessoas trabalham em troca dum prato de lentilhas. Com ainda alguns problemas, sem dúvida, mas mesmo assim com um potencial enorme e de longe o mais promissor no médio e longo prazo.

Lamento, não consigo ver nada de multipolar aqui.
Contrariamente ao Evans-Pritchard, que estimo, não consigo ver nenhuma “evolução”. Vejo, isso sim, o Capital que trabalha como sempre fez. Até hoje pensei que os BRICS não passavam duma outra face da mesma moeda, sempre baseada nas leis selvagens do Capitalismo. Com a entrada do Yuan no SDR, a face é agora exactamente a mesma: e a calma olímpica de Washington perante a entrada da moeda chinesa (mas não estão empenhados numa guerra comercial?) parece um sinal muito significativo.

Haverá problemas no início, como citado, mas com o passar do tempo encontrar diferenças será cada vez mais difícil.

Ipse dixit.

Fonte: Daily Telegraph 

3 Replies to “O Yuan no FMI”

  1. Washington silencia porque o grande capital tapa-lhe a boca. Incrível, há 15 anos era impensável esta vassalagem. Quanto mais desindustrialização, mais os joelhos se dobram. A importância norte americana pode ainda parecer um lustre, mas está cada dia mais reduzida a condição de cão de guarda planetário do pessoal da banca.

    Expedito.

  2. A melhor e mais visível dimensão do verdadeiro poder seria mostrar o quanto as economias nacionais dependem do grande capital sionista internacional. Mostrar a composição dos PIBs por país e o quanto não são nacionais. O Brasil é um excelente exemplo disso. Chegou a ser a sexta economia do mundo, mas é totalmente dependente do capital externo em dólar, tanto que suas "crises" são produtos da saída repentina do mesmo. Este é o maios símbolo do quanto o mundo é uma colônia sionista.

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