Indonésia: a apocalipse ambiental

“Curioso”, por assim dizer.

Todos a encher-se a boca com termos quais “ambiente”, “ecologia”, “natureza”.

Barack Obama acaba de publicar um vídeo no Facebook, com o qual fala das próximas reuniões para deixar um planeta melhor às próximas gerações (e entretanto pisa a relva com os seus sapatinhos pretos bem lúcidos). A humanidade toda está de acordo: temos que cuidar do ambiente.

Depois a natureza pega fogo, arde, destrói, mata (por culpa nossa,. que fique claro) e as notícias mal chegam a ocupar as páginas dos diários. Não falamos aqui dum pequeno fogo, dum incêndio que atingiu um bairro qualquer: falamos duma catástrofe.

Evacuadas, asfixiadas

Crianças evacuadas com navios de guerras, crianças mortas asfixiadas. As cidades cobertas por uma camada de fumo ocre, com visibilidade máxima de 30 metros. Espécie animais que não sabemos ainda se terão sobrevivido ou não. Um fogo imenso, que cobre 5.000 quilómetros. Uma apocalipse ecológica.

Orangotangos, leopardos, ursos,
gibões, o rinoceronte de Sumatra, o tigre de Sumatra, estas estão entre
as espécies ameaçadas mas são milhares, talvez milhões de animais em risco. De certeza o maior desastre ambiental do século 21 (até agora…).

Este fogo que, atingiu a Indonésia, produziu mais dióxido de carbono do que toda a economia dos EUA no mesmo período. Em três semanas, o fogo já lançou mais CO2 do que a Alemanha num ano inteiro.

Reacções? Nenhuma, ou quase.
Há reportagem sobre o último filme de James Bond, sobre a mais recente idiotice de Donald Trump. No máximo temos as “lutas” dos políticos locais ou o coro de condenação contra a Volkswagen (que deveria fechar) e os seus truques de “chico esperto”. Mas da catástrofe na Indonésia nada, a não ser 15 segundos de vídeo numa (e não duas) edição do telejornal.

Esta deveria ser a principal notícia tratada pelos media. Deveria enviados aí, nas imensas florestas 
reduzidas em cinzas, não entre os produtores de salsichas para saber se a carne vermelha faz mal ou não (e o que queres que te responda um produtor de salsichas? Que a carne vermelha mata?).

Deveria haver aprofundamentos para entender quais as razões, o que pode ter desencadeado uma catástrofe destas proporções. E não, não é difícil imaginar “quem” e nem o “porque”.

Mas a realidade é bem pior. A realidade é feita de cidadãos da Indonésia que nem ficam surpreendidos perante o governo que distribui máscaras contra o fumo: nem é a primeira vez que isso acontece.

Como consequência do último grande incêndio, o de 1997, 15.000 crianças com menos de três anos de idade morreram por causa da poluição do ar. O que está acontecendo, ao que parece, é a mesma coisa, só pior. As máscaras são algo comum nas cidades onde a poluição atmosférica nem sequer deixa ver o sol. Até os parlamentares de Kalimantan (no Bornéu indonésio) durante as sessões tiveram que colocar máscaras porque o Parlamento estava cheio de fumaça.

Não são apenas as árvores que queimam, é a própria terra. Grande parte da floresta nasceu em enormes depósitos de turfa. Quando os fogos penetram na terra, as cinzas continuam a fumar ao longo de semanas, às vezes por meses, e liberam nuvens de metano, monóxido de carbono e gases tão exóticos como o cianeto de amónio. As nuvens de fumo se estende por centenas de milhas e causa conflitos diplomáticos com os Países vizinhos.

O lucro e os esquadrões da morte

Mas por qual razão tudo isso acontece? A resposta é simples: lucro.
As florestas da Indonésia foram “vendidas” ao longo de décadas para obter madeira e para criar empresas. Surgiram quintas, que estão a destruir tudo o que resta da floresta para plantar monoculturas: polpa de madeira, madeira e óleo de palma são os objectivos.

Qual a maneira mais rápida para eliminar uma floresta? Dar-lhe fogo. A cada ano é isso que acontece. Mas há anos, como o presente, em que existem condições particulares (El Niño), que geram a fórmula perfeita para uma catástrofe ambiental.

Os esquadrões da morte, que em 1960 ajudavam a matar centenas de milhares de pessoas, evoluíram
e hoje abrangem uma série de crimes que inclui a destruição ilegal das florestas. Eles têm o apoio de uma organização paramilitar com três milhões de membros, chamada Juventude Pancasila. Vestindo fatos cor laranja, organizam reuniões com música militarista e ainda são considerados heróis, apesar dos assassinatos políticos (que continuam).

O que faz o Presidente do País, Joko Widodo? Nada. Claro, afirma que quer combater os incêndios, mas evita cuidadosamente de citar os esquadrões. Além disso: quem concedeu novos subsídios para a produção de óleo de palma? O governo de Widodo. Novos subsídios significam necessidade de novas terras: e eis que os esquadrões têm o trabalho assegurado.

Há clientes de outros Países que pediram para que as plantações não impliquem a destruição das florestas. A reacções é raivosa: surgem acusações de que isso significaria bloquear o desenvolvimento do País. Depois chega o fumo que cobre a Nação, com custos não inferiores aos 30 biliões de Dólares. Para onde foi o desenvolvimento?

Tranquilos: há sempre quem ganhe.
Starbucks, PepsiCo e Kraft Heinz (e estes são apenas alguns exemplos) não querem saber das florestas, querem o óleo de palma e os lucros. E conseguem obter ambos.

Os governantes locais? Nada que uma 24 hortas cheias de Dólares não possa comprar.

No mês passado, Widodo estava em Washington para encontrar Barack Obama. Obama, num comunicado, gravou o seu “apreço pelas recentes políticas do presidente Widodo para combater e prevenir os incêndios florestais”. Isso na mesma altura em que a Indonésia queimava. Mas acerca deste “contratempo” nem uma linha.

Por aqui, no burgo, os media ignoram o problema e o mesmo se passa com os governos. A razão? Eis
uma boa pergunta.

A raiz do problema

Podemos pensar que a Indonésia seja um País sub-desenvolvido e, portanto, não mereça a nossa atenção, a não ser que deixe de produzir óleo de palma. Um País que tem de ser explorado, ponto final.

Mas esta é uma resposta incompleta. Porque depois são organizadas conferências, reuniões internacionais (Paris em Dezembro) para tentar solucionar o problema do meio ambiente. Perguntem a qualquer cidadão, qualquer vizinho: todos estarão de acordo acerca da necessidade de cuidar da Natureza.

O problema não está na Indonésia do Terceiro Mundo, está no nosso modelo de “desenvolvimento”. Um modelo que não tem respostas perante as crises ecológicas, um modelo que prevê a exploração dos recursos naturais além de qualquer limite. Não existe um resposta ecológica das empresas, nem pode existir. Então os media fazem a única coisa que, paradoxalmente, faz sentido: ignoram o problema.

É uma aberração mas é assim: não se fala dum assunto, então este assunto deixa de existir. E com ele desaparecem todas as perguntas incómodas que obrigatoriamente surgiriam. Muito simples.

É claro que esta é uma escolha com graves consequências: escondendo um problema, não são debatidas as possíveis soluções. Chama-se “cumplicidade” e esta que os media oferecem ao nosso modelo destrutivo. Uma cumplicidade que chega ao ridículo: em Dezembro, holofotes apontados sobre os participantes da cimeira de Paris, onde os responsáveis políticos pela actual situação irão debater das eventuais soluções, sabendo que o nosso modelo económico exclui qualquer solução séria e de longo alcance.

Uma vez acabado o circo, a tenda será desmantelada e tudo irá continuar no silêncio habitual.
Entretanto, a Indonésia ainda está a queimar.

O vídeo

Eis um vídeo de Greenpeace relativo ao último mês de Setembro:

As empresas

Empresas que utilizam óleo de palma não certificado (isso é, obtido a partir de plantações que contribuem para a desflorestação) e cujas marcas seriam bem evitar:

Procter & Gamble
Ariel, Ace, Downy, Gillette, Oral-B, Always, Blondor, Ela, Tampax, Evax, Vick, Hipoglos, Metamucil, Pepto Bismol, Pantene, Pert Plus, Head & Shoulders, Oil of Olay, Black Star, Forbidden Rose, Wild Rose, Aussie Hair, Herbal Essences, Braun, Duracell

PepsiCo
Pepsi-Cola, Gatorade, Mirinda, Seven Up, Lipton Ice Tea, Toddy, Toddynho, Quaker Oats, Elma Chips, Cheetos, H2OH!, TEEM, Lucky, Trop Coco, Kero Coco, Frutzzz, Biscoitos Mabel, Canereta Loca (México), Doritos 

Colgate-Palmolive
Mennen, Meridol, Murphy Oil Soap, Palmolive, Profiden, Protex, Sanex, Softsoap, Speed Stick, Suavitel, Teen Spirit, Tender Care Soap, Ultra Brite

Walmart
BIG (Hipermercado na região Centro-Sul), Bompreço (Supermercado na região Nordeste), Hiper Bompreço (Hipermercado na região Nordeste), Mercadorama (Supermercado no Paraná), Maxxi Atacado (Atacarejo em todo o Brasil), Nacional (Supermercado no Rio Grande do Sul e Santa Catarina), Sam’s Club (Clube de compras em todo o Brasil), Todo Dia (Supermercado de bairro em todo o Brasil), Walmart Supercenter (Modelo intermediário entre o Hipermercado e o Atacarejo nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste). Não presente na Europa.

Reckitt Benckiser
Veja, Poliflor, Vanish, SBP, Mortein,
Detefon, Dettol, Repelex, Bom Ar, Air Wick, Harpic, Destac, Nugget,
Veet, Anil, Brasso, Easy-Off, Fabulon, Finish, Goma Pox, Lysol, Passe
Bem, Silvo, Varsol, Woolite, Durex

Mondelez
Kraft, Nabisco

General Mills
Cheerios, Häagen-Dazs, Yoki, Betty Crocker, Yoplait, Colombo, Kitano, Totinos, Jeno’s, Pillsbury, Nature Valley, Green Giant, Old El Paso, Mais Vita, Lucky Charms, Wanchai Ferry, Golden Grahams, Trix 

Ferrero

Kellog’s

Burger King

Starbucks

McDonald’s (podia faltar?) 

Nestlé
A Nestlé possui mais de 2.000 marcas. Uma lista exaustiva pode ser encontrada nesta página.

Ipse dixit.

Fontes: Mongabay (1, 2, 3, 4, 5), Global Forest Watch, The Washington Post, The National Bureau of Economic Research, Jakarta Globe, The White House, The Guardian

12 Replies to “Indonésia: a apocalipse ambiental”

  1. Há duas estratégias fundamentais: não se noticia, logo no senso comum, não existe. O lixo não degradável que afoga populações inteiras na África onde containers lotados chegam como doação aos pobres, não existe…deve evaporar-se em lugar incerto e não sabido Os cascos de transatlânticos jogados às costas do sudoeste asiático, que lá enferrujam para supostamente dar trabalho aos pobres que os desmancham não existe…devem ter ido parar num buraco negro. Os plásticos que formam ilhas de boa grandeza no oceano Pacífico também não existem nem matam os peixes dos sete mares…devem tomar o fim da fumaça ou quem sabe assalariar as baleias no serviço de reciclagem. Há uma segunda estratégia, que é falar-se a exaustão mentiras. Exemplo recente no Brasil é o caso de uma mineradora de ferro propriedade da Vale do Rio Doce (aquela doada à consórcios estrangeiros no governo de FHC), e de um conglomerado australiano, cujos depósitos de lixo de mineração romperam depósitos acima da capacidade e sem qualquer serviço de segurança ou alerta para as populações vizinhas, destruindo povoados, rios numa extensão de 5000 km, em forma de derrame de lama tóxica. Fala-se de uma barragem de uma mineradora de Minas Gerais, que sofreu um acidente causado por tremores sísmicos na região inundando distrito de uma cidade, cujas vítimas foram transferidas para hotéis pela empresa que sofreu o sinistro, e onde governos estaduais e municipais, além da sempre elogiada participação solidária de anônimos, estão atendendo possíveis vítimas, havendo a possibilidade dos resíduos derramados não possuírem toxidade. Isso só tem um nome e uma causa no meu ponto de vista, a hipocrisia humana.

  2. Há duas estratégias fundamentais: não se noticia, logo no senso comum, não existe. O lixo não degradável que afoga populações inteiras na África onde containers lotados chegam como doação aos pobres, não existe…deve evaporar-se em lugar incerto e não sabido Os cascos de transatlânticos jogados às costas do sudoeste asiático, que lá enferrujam para supostamente dar trabalho aos pobres que os desmancham não existe…devem ter ido parar num buraco negro. Os plásticos que formam ilhas de boa grandeza no oceano Pacífico também não existem nem matam os peixes dos sete mares…devem tomar o fim da fumaça ou quem sabe assalariar as baleias no serviço de reciclagem. Há uma segunda estratégia, que é falar-se a exaustão mentiras. Exemplo recente no Brasil é o caso de uma mineradora de ferro propriedade da Vale do Rio Doce (aquela doada à consórcios estrangeiros no governo de FHC), e de um conglomerado australiano, cujos depósitos de lixo de mineração romperam depósitos acima da capacidade e sem qualquer serviço de segurança ou alerta para as populações vizinhas, destruindo povoados, rios numa extensão de 5000 km, em forma de derrame de lama tóxica. Fala-se de uma barragem de uma mineradora de Minas Gerais, que sofreu um acidente causado por tremores sísmicos na região inundando distrito de uma cidade, cujas vítimas foram transferidas para hotéis pela empresa que sofreu o sinistro, e onde governos estaduais e municipais, além da sempre elogiada participação solidária de anônimos, estão atendendo possíveis vítimas, havendo a possibilidade dos resíduos derramados não possuírem toxidade. Isso só tem um nome e uma causa no meu ponto de vista, a hipocrisia humana.

  3. O problema nem sequer é o modelo económico, mas antes a própria natureza humana.
    Depois de assistir a uma parte do video, pois nem tive estomago para ver o video completo, dá nojo pertencer a esta espécie.
    Nem todos pensam assim, muitos não agem assim, mas a maioria não vale aquilo que come.

    abraço
    Krowler

  4. É própria da "natureza" humana criada (artificial) e desconectada das Leis Naturais.

    Essa arrogância de uns poucos homens que contagia quase todos, irá ter suas consequências para TODOS. Esses poucos acreditam que são superiores à Lei Natural que gerencia Toda a VIDA.

    Por isso, os seguintes pensamentos de Erich Fromm continuam válidos:

    “O egoísmo gerado pelo sistema faz com que os líderes valorizem o êxito pessoal muito mais enfaticamente que a responsabilidade social. Não é mais chocante (…) nem sequer as decisões nocivas e perigosas para a comunidade (…) o público em geral está de tal modo egoistamente interessado em seus assuntos particulares que pouca atenção presta a tudo o que ultrapassa o domínio pessoal” [os gregos chamavam essas pessoas de idiótes);

    “Uma última explicação para o enfraquecimento do nosso instinto de sobrevivência é que as mudanças de vida exigidas [um novo padrão ético] são tão drásticas que as pessoas preferem a catástrofe futura ao sacrifício que teriam que fazer agora”.

    FROMM, Erich. Ter ou ser? Tradução: Nathanael C. Caixeiro. 4ª edição. Rio de Janeiro: LTC, 2014, p. 31.

    1. Bruno, comenta-se muito sorrateiramente que até as bananeiras caminham para a extinção. As abelhas já estão no mesmo rumo.

      Sabe o que mais me entristece? O pessoal que aguarda a chegada de uns Ets que viriam para dar um jeito nas ogivas e bater de frente com o nosso baronato. Somos incapazes. Esta a mensagem. Negros, brancos, vermelhos, amarelos. Somos todos incapazes. Quantas catástrofes nos cercam? De estalo lembro algumas que como esta na Indonésia ninguém comenta. Fukushima (cada vez pior), Chernobyl (prazo de validade do que foi feito, vencido), os papeis podres que andam a solta pelo sistema financeiro (algo incomensurável) e a guerra iniciada de fato no oriente médio. Some-se a isso os penduricalhos desfiados por Maria mais acima. Para deleite de uns poucos, só um reset pode dar jeito nisso. Foi assim em outras ocasiões. O baronato tem feito seus movimentos neste sentido.

      Expedito.

  5. Em breve não haverá mais nada para ser destruído, exceto os próprios consumidores desses produtos e seus familiares (todos nós), veja por exemplo o que aconteceu no Brasil, há uma semana, http://puto45.blogspot.com.br/2015/11/e-agora-fhc-lula-e-dilma.html , catástrofe ambiental tratada pelo noticiário como se fosse um mero acidente com poucas vítimas e quase nenhum dano, só que não, várias cidades e reservas ficarão sem abastecimento, uma devastação sem precedentes em um país que já sofre com uma seca que é agravada pelo desmatamento da floresta amazônica.
    Me parece que há uma competição entre os países para apurar qual destrói e polui mais.

  6. Quando é que vamos tratar das relações entre Estado e Empresariado?
    Pessoal, isso tudo teve um começo não desprezável com a produção da bomba atômica.
    Ali se aprendeu muita coisa… os sistemas de comunicação, as redes escolares da américa latina inteira, os canais televisivos do terceiro mundo, os conglomerados farmacêuticos, as urbanizações fascistas de encenação do poder com bases em capitais estaduais, a agricultura de insumos industriais e tecnologia genética, as medicinas farmacêuticas, as infâncias, adolescências e idades adultas infantilizadas e violentas, as mulheres demonizadas e depois emburrecidas e, em seguida, medicalizadas e amansadas. Enquanto admitrmos ser governados, estaremos mal… muito mal, ou seja, enfraquecidos.

    Força!

Obrigado por participar na discussão!

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