Os filhos de Fallujah

Fallujah 2004

As fotos passam no ecrã são impressionantes. São crianças de Fallujah, a cidade iraquiana arrasadas por bombas de fósforo branco em 2004.

No escritório da administração do hospital Nadhem Shokr Al-Hadidi, encontra-se o jornalista inglês Robert Fisk, enviado do diário The Independent:

Um bebé com uma boca terrivelmente deformada. Outro com uma malformação da medula espinhal, com material medular que foge do pequeno corpo. Um recém-nascido com um único, enorme olho. Outro recém-nascido com apenas metade de uma cabeça, nascido morto, como os anteriores, em Junho de 2009.  Como é possível descrever uma criança que nasceu morta, com só uma perna e uma cabeça que é quatro vezes o tamanho de seu corpo?

Eis os efeitos do fósforo branco.
Não foi um louco ditador militarista e sedento de sangue que fez isso: foram os democráticos, civilizados, tecnologicamente avançados Estados Unidos de América.

Pedi para ver essas fotos, para ter certeza de que as crianças nascidas mortas, com as suas deformidades, eram reais.

São reais.
O jornalista está preocupado que alguns leitores que podem pensar numa espécie de propaganda anti-americana:

Mas as fotografias representam uma esmagadora, horrível recompensa para essas dúvidas.

Um nascido em 2010 apresenta uma “massa cinzenta num lado da cabeça”. O médico explica que é “Tetralogia de Fallot”, um defeito ventricular. Outra pequeno, nascido em Maio de 2010, é “uma criatura que parece um sapo”. Para o médico, “é como se todos os órgãos abdominais estivessem tentar a sair do corpo. As fotografias são muito cruas, encarnam uma dor e uma angústia que torna a visão impossível, pelo menos para os pobres pais. Imagens que não podem ser publicadas.

O que é realmente vergonhoso, acrescenta Fisk, é que estas deformidades ocorrem continuamente, sem qualquer tipo de controle. Uma médica em Fallujah, uma parteira formada na Grã-Bretanha, onde comprou à sua própria custa um scanner (79.000 Libras) para a detecção pré-natal das anomalias congénitas, disse-me o nome e perguntou-me porque o Ministério da Saúde em Bagdad não promove uma investigação oficial e completa sobre as crianças deformadas em Fallujah. Foi até o Ministro, que prometeu criar um comité:

Fui ao encontro com o comité: não fizeram nada, não conseguiu nenhum tipo de resposta.

Bomba ao Fósforo, Fallujah 2004

Os médicos em Fallujah estão a ser muito honestos e prudentes, acrescenta Fisk: eles sabem que alguns defeitos de nascimento podem ser atribuídos a problemas genéticos hereditários, devido aos casamentos entre parentes.

O que é absolutamente anormal, no entanto, é a recente explosão do fenómeno: bastante alarmante, afirma o doutora Samira Allani, segundo a qual a frequência das anomalias congénitas atingiu “números sem precedentes” a partir de 2010.

Explica Fisk.

Quando os médicos tentam obter financiamentos para a investigação, acontece que às vezes peçam a organizações que têm uma orientação política específica. O estudo da Dr.a Allani, por exemplo, recebeu financiamentos do Kuala Lumpur Foundation to Criminalise War, uma fundamento da Malásia que quer proibir a guerra, mas que de forma apenas marginal se opõe ao uso das armas americanas em Fallujah da guerra. Isto, também, é parte da tragédia de Fallujah.

Para neutralizar a infecção fetal é suficiente uma simples transfusão de sangue, dizem os médicos, mas isso não ajuda a responder à principal pergunta: porque o aumento de abortos, nascidos mortos, partos prematuros?

O Dr. Chris Busby, da Universidade de Ulster, examinou 5.000 pessoas em Fallujah, muitas delas afectadas pelo câncer:

Uma intensa exposição aos agentes mutagénicos certamente ocorreu em 2004, quando o bombardeio ocorreu.

O seu relatório, preparado em colaboração com Malak Hamdan e Entesar Ariabi, relata como a taxa de mortalidade infantil em Fallujah é de 80 crianças em cada 1.000 nascimentos, em comparação com as 19 no Egipto, 17 na Jordânia e 9,7 no Kuwait.

Outro médicos, Kypros Nicolaides, primário de Medicinal Fetal no King’s College Hospital, que tem formado um dos médicos de Fallujah fala com o jornalista:

O aspecto que deve ser incriminado maioritariamente é que, durante a guerra, nem o governo britânico nem o americano foram capazes de ir até Woolworths, no shopping, para comprar um computador com o qual documentar os mortos no Iraque. Há uma publicação, o “Lancet”, no qual estima-se que o número de mortos durante a guerra foi de aproximadamente 600.000. No entanto, as forças de ocupação, os EUA e a Grã-Bretanha, não tiveram a decência de adquirir um computador no valor de apenas 500 libras, de modo a dizer “este é um corpo que foi trazido, este era o nome dele.” 

Agora o Iraque não tem um verdadeiro governo, exactamente agora, quando seria preciso um cuidadoso estudo epidemiológico. E dos Filhos de Fallujah poucos falam.

Ipse dixit.

Fonte: The Independent

2 Replies to “Os filhos de Fallujah”

  1. Olá Max: os filhos da guerra são sempre muito feios. Mas concordo que a medida que a humanidade involui, eles se tornam mais feios ainda. Tu não imaginas o que este tal de fósforo branco já evidenciou ter feito na Líbia, mas deves saber coisa parecida (não tão feia)que o agente laranja fez no Vietname, no Cambodja, no Laos. É que dos filhos feios não se fala porque a mãe que os pariu é "mobile", como na ópera, que é sempre trágica. Abraços

  2. Além do fósforo branco e foi usado armamento com baixa radiação que proporciona contaminação para esses efeitos também. Tem uma matéria ótima sobre isso na primeira temporada do programa da Vice junto com a HBO.

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