Doenças: o drama da estupidez crónica

Breve artigo dedicada ao tema:estupidez.

A estupidez é uma doença bastante difundida no planeta: os sintomas mais frequentes são afirmações sem sentido ou até delirantes, incapacidade de entender o próprio estado “estupidificado”, a recusa de qualquer tipo de tratamento, mesmo perante flagrantes evidências.

Verdade seja dita: uma cura definitiva não existe, no máximo podem ser subministrados medicamentos sintomáticos (mordaças ou soníferos).

Eis um caso clássico de estupidez, relatado pelo Corriere della Sera (um especialista no sector):

Dante anti-semita e islamofóbico. A Divina Comédia deve ser tirada dos programas escolares.

Antes de prosseguir será bem lembrar quem é este Dante e qual o papel dele e da sua Divina Comédia.
A Commedia foi escrita por Dante Alighieri entre 1304 e 1321 e representa, nada mais nada menos, que uma obra prima da literatura mundial, filha da poética provençal e (justamente) leitura obrigatória nas escolas italianas (tal como acontece com Os Lusíadas em Portugal).

Agora surge o pedido de Gherush 92, uma organização de pesquisadores que goza do estatuto de Assessor Especial do Conselho Económico e Social das Nações Unidas no âmbito dos projectos para a educação, o desenvolvimento e os direitos humanos.

Gherush 92, evidentemente um conjunto de génios, acha a Divina Commedia islamofóbica, racista, homofóbica e de conteúdo anti-semita (oh minha nossa: o anti-semitismo!)

Explica o presidente dos génios de Gherush 92, o génio Valentina Sereni:

A Divina Comédia, pilar da literatura mundial, apresenta um conteúdo que é ofensivo e discriminatório, tanto na substância quanto na linguagem e isso sem que haja qualquer filtro ou que sejam fornecidas considerações críticas em relação ao anti-semitismo e ao racismo.

Gherush 92, em particular, não gosta do termo “judeu” utilizado para indicar todo o povo israelita, pois:

judeu é um termo depreciativo e um preconceito anti-semita antigo, que indica uma pessoa ávida, o emprestador de dinheiro, traiçoeira, um traidor. Ao estudar a Divina Commedia, os jovens são deixados sem filtros e sem explicações, para avaliar uma obra que calunia o povo judeu, aprendem a validar a mensagem de condenação anti-semita, reiterada também hoje na missa, nas homilias, nos sermões.

Portanto: a Divina Commedia agora, depois vamos tratar do resto tal como missas e Cristianismo. A suspeita de que a actividade da usura fosse uma especialidade dos judeus em particular na Idade Média parece não interessar: não deve ser dito e ponto final.

Depois, claro, há a islamofobia:

No Canto XXVIII do Inferno, Dante descreve a dor terrível que sofrem os semeadores da discórdia, ou seja, aqueles que trabalharam para as lacerações da vida política, religiosa e familiar. Maomé é representado como um cismático e o Islão como uma heresia. 

Na prática, Dante não deveria ter escrito a Commedia como um homem do XIV século mas com o cérebro globalista do XXI século: isso teria tornado a obra dele suportável.

E mesmo perante os protestos dos contemporâneos, que tinham de passar a vida a defender-se dos ataques sarracenos, Dante deveria ter explicado: “Irmãos, abram os braços perante Maomé, deixem que as nossas casas sejam pilhadas, as nossas mulheres violadas, as filhas raptadas: sejam simpáticos”.
Porque esta era a realidade da Idade Média nas costas europeias. Dante teria ficado queimado, mas a obra dele teria sido muito mais politicamente correcta.

E os homossexuais? Os sodomitas, na língua de Dante, são condenados pelo poeta. Talvez por causa dele ser um cristão, quem sabe? Mas mesmo assim, segundo a organização dos génios, isso não justifica:

Nós não defendemos a censura, mas gostaríamos de reconhecer, de forma clara e sem ambiguidade, que a Commedia é racista, islamófoba e anti-semita. A arte não pode estar acima de qualquer crítica.

A arte é feita de forma e conteúdo, e mesmo que haja diferentes níveis de interpretação da Commedia, simbólica, metafórica, iconográfica ou estética, não é permitido retirar o significado textual da obra, cujo conteúdo é claramente depreciativo e contribui, hoje como ontem, para divulgar falsas acusações que custaram milhões e milhões de mortos nos séculos.

A perseguição, a discriminação, as expulsões têm sido parte da vida do judeus, dos homossexuais, dos infiéis, dos hereges e dos pagãos, que Dante coloca nos mesmos círculos do inferno e do purgatório. Este é racismo que leituras simbólicas, metafóricas ou estéticas do trabalho, obviamente, não removem.

Estamos no delírio absoluto, sem travões. O Gherush 92 perdeu de vista o horizonte e não há maneira para recuperar. Aliás, piora:

Hoje o racismo é um crime e há leis e convenções internacionais que protegem a diversidade cultural e preservam da discriminação, do ódio ou da violência por discriminação racial, étnica, nacional ou religiosa. […] É nosso dever denunciar às autoridades competentes, incluindo os tribunais, que a Commedia contém conteúdo ofensivo e racista, que precisa de ser melhor estudado e conhecido. Pedimos, portanto, para expurgar a Divina Commedia dos programas ministeriais ou educacionais.

É evidente que o grupo Gherush 92 nunca pegou numa copia da Bíblia, do Talmud ou do Alcorão: pois em comparação a Divina Commedia é um texto para seminaristas. E que dizer das obras de Cervantes, Shakespeare, Dickens, Marlowe, Chaucher?

Paciência: como afirmado, a estupidez é uma doença bastante difundida. O que é mesmo triste é a impossibilidade dos doentes em esconder os sintomas.

Em qualquer caso: a sistemática destruição dos antigos valores ocidentais e a inoculação do espectro anti-semita prossegue alegremente. Este é um dos preços da globalização.

Ipse dixit.

Fonte: Corriere della Sera

13 Replies to “Doenças: o drama da estupidez crónica”

  1. A literatura sempre me pareceu uma das boas maneiras de aprender história, filosofia, sociologia, e uma forma fantástica de se apreciar arte.Nela o autor te remete a cultura inteira de uma época, de um lugar, das próprias circunstâncias do autor situado naquela época e naquele lugar. Um cotidiano rico flui das páginas literárias.O autor se desnuda porque mostra a que ele responde, ou pergunta, ao escrever. Fundamentalmente: que perguntas e que respostas foram possíveis de ser enunciadas naquele momento.
    Nunca usei um único livro didático de história, quando ensinava. Eles é que são questionáveis e preconceituosos. Não pelo que afirmam, mas pelo que deixam de informar. Usei, no seu lugar (não sem represálias do staff, o que não liguei): O Mulo do Darcy Ribeiro, Veias Abertas da América Latina, do Eduardo Galeano, Cem anos de solidão do Gabriel Garcia Marques, e tantas obras importantes da literatura latino americana. Chega a ser hilário que a Divina Comédia seja questionada, como objeto de estudo e educação. Abraços

  2. Essa besta não sabe o contexto histórico em que Dante viveu?! Esquece-se também que foi o percursor da cinema de terror e ficção, com que tanto gostam de assustar quem a isso se predispõe?!

    Max… descobres e traduzes coisas interessantíssimas! Um must!

    Um grande abraço!! 🙂

  3. Lamento discordar caro Max mas não me parece só estupidez, é algo demasiado bem organizado e demasiado serio para se conter nessa expressão.
    Nela está latente a possibilidade seríssima de criar um precedente de censura cultural…
    Essa atitude é capaz de gerar “ semelhantes censuras” que condicionem a capacidade crítica e de interpretação de futuras gerações, e caso se dissemine culminar a longo prazo num total branqueamento da Historia.
    Um dos princípios básicos da interpretação Histórica é a de ” analisar o tempo á luz do seu tempo”, ou seja, uma mentalidade do sec. XXI não pode nem deve julgar uma mentalidade do seculo XII , entre elas existem vários seculos de evolução que não devem ser ignorados, como se um facto histórico e cultural do sec. XII tivesse acontecido ontem, este é um consenso entre todos os historiadores minimamente credíveis, è fundamental analisar o contexto histórico da época. Essa é em termos escolares uma das mais formidáveis formas de estimular o espirito critico e de análise dos alunos.
    Desconheço essa lei, sei que em Portugal existem igualmente leis contra o racismo, porém as leis portuguesas não podem ser aplicadas retroativamente salvo rarissimas excepções em contrário.
    Neste caso a aberração parece-me ainda maior, pois só a consigo entender como uma condenação da história violenta e gratuita que no caso da lei Portuguesa seria inconstitucional.
    Essa atitude por parte desse “grupinho” parece-me ser apenas a ponta do iceberg…seria extremamente interessante saber quem os financia e o que realmente os move, porque a cultura e educação não os movem de certeza.

  4. Pegando um pouco no comentário anterior, concordo que há algo mais além da estupidez, que é evidente.

    Seja a intenção a de criar um precedente de censura na literatura ou mesmo avançar para lá disso, como já se está a fazer com a internet, fica claro que isto está inserido num processo mais alargado de estupidificação das massas.

    Se todos os dias as massas já são invadidas com porcarias vindas de todos os lados, se retirarem o que de bom ainda sobra, será uma questão de tempo até o processo de estupidificação estar concluído.

    Sem cultura e informação de qualidade não há lugar à resistência.

    Krowler

  5. Gostaria de saber quem paga a estas abeculas para chegarem a este tipo de conclusoes inuteis. Isto e' algo tao descabido que ate me custa a subscrever a teoria que alguns colegas de blog estao a enverdar – a de estupidificacao das massas.

    Concordo que exista tal processo pois convem ao actual modelo democratico que boa parte da populacao continue estupificada, mas neste caso estamos a falar de algo que jamais o povo italiano iria deixar-se levar. Como o Max disse (e bem), imaginem que uma entidade internacional sem qualquer credibilidade tentasse banir as obras de Fernando Pessoa do nosso sistema de ensino por acharem que o senhor sofria de esquizofrenia e que consumia psicotropicos. Acham que tal seria possivel? A mim custa-me a acreditar que tal medida fosse a avante.

    No que toca ao controlo de massas penso que a imprensa, que subsiste a custa dos grandes grupos economicos, esta a fazer um trabalho fantastico.

  6. A mesma "Nações Unidas" que "autoriza" as mesmas guerras genocidas de conquista, saque e exploração que continuam assolando o planeta em exterminio e mutilações de milhões de crianças, moços e velhos. A mesma "Nações Unidas" que se cala e nada faz após 50 anos de um bloqueio econômico patrocinado pelos USA contra o povo de Cuba onde não há meninos de rua passando fome. E o Haiti?

    ONU e todas as outras organizações ditas mundiais são tentáculos do sistema antropofágico que cínicamente através da regra de tres; PROBLEMA, REAÇÃO, SOLUÇÃO absorve tudo o que precisa para a manutenção e aperfeiçoamento do institucionalizado escravismo com que oprime a humanidade MILENARMENTE.
    É preciso um "outro olhar" sobre estas auto proclamadas "autoridades"…
    Sinto muito, sou grato.

  7. O Aldo Luiz agora deixou-me confuso!

    Ouvi, outro dia, um bacano portuga a falar inglês numa mesa com forma estranha e com um mural na parede principal da sala ainda mais estranho e que domina toda a sala… que nós temos imediatamente de efectuar uma "operação humanitária" (mais uma) para acabar com o massacre de civis, mulheres e crianças, se calhar lá pelo meio também andam uns homens, e que a nossa não acção é vergonhosa…

    O bacano portuga é um senhor de nome Paulo Portas que o Povo Portuga elegeu para ser seu representante, e que aterrou no Ministério dos Negócios Estrangeiros… Ora não entendo como pode um Ministro deste Portugal estar sentado e participar em reuniões de genocidas, saqueadores e exploradores…

    Ou ando mesmo a nanar… ou algo não foi bem explicado.

  8. acho que eles só estão esquecendo o fato de que a Commedia é o maior compêndio da história latina e italiana do século 14 . inspirou pintores com Salvador Dalí , Sandro Botticelli , Gustave Doré e vários outros . retirando a Commedia é só o primeiro para fazer o mesmo com outras obras de grande importância e retirando da população as referências históricas e artísticas de seu país e de todo o mundo . será que daqui a pouco vão retirar obras de Bocaccio , Flaubert , Baudelaire , Bukowski e todo o resto ?

  9. Excelente artigo, gostaria de publicar no meu blog: familia-demarchi.blogspot.com.br se o autor me permitir.
    Essa mesma organização está enviando emails contra os festejos de 12 de Outubro, data comemorativa do descubrimento da América. O que há, na realidade, é uma campanha organizada contra o Cristianismo e todos os seus pilares.

  10. Olá Demarchi!

    Vi que já publicou e fez muito bem, pois tudo o que por aqui aparece pode ser re-publicado.

    A propósito: bom blog o seu, sem dúvida. Gostei das soluções propostas para o Brasil.

    Só não concordo com uma, mas vou comentar directamente no blog.

    Abraço!!!

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