Site icon

Covid-19: vacinas e manipulação mental

Como convencer as pessoas de que é preciso tomar as vacinas anti-Covid?

A solução mais lógica seria explicar às mesmas pessoas os benefícios das vacinas, após ter examinado a doença, as consequências e as possíveis soluções, obviamente tudo baseado em dados acima de qualquer dúvida, tanto acerca da Covid quanto acerca dos medicamentos em causa.

Isso numa sociedade normal e com a capacidade de apresentar dados fidedignos. Na nossa sociedade recorre-se ao marketing. E isso já deveria sugerir algo.

No World Economic Forum de Davos tem sido muito apreciado e, sobretudo, recomendado o estudo How Influencers, Celebrities and FOMO Can Win Over Vaccine Skeptics (“Como Influenciadores, Celebridades e FOMO podem vencer os Cépticos da Vacina”, onde FOMO é o acrónimo do inglês Fear Of Missing Out, síndrome produzida pelo medo de ficar fora do mundo tecnológico, de não desenvolver-se ao mesmo ritmo que a tecnologia) do economista Rohit Deshpandé, professor da Universidade de Harvard, com a colaboração do Dr. Ofer Mintz (marketing) e do Professor Imram Currim (economia/negócios).

Rohit Deshpandé tem que enfrentar um problema real: nos Estados Unidos, as sondagens sugerem que cerca de 40 por cento dos adultos preferem não tomar a vacina. Em França, Rússia, África do Sul, Japão, Itália, Espanha e Alemanha, entre um terço e metade dos adultos não tencionam tomar a vacina. Além disso, grande parte da população mundial não sabe ao certo que tipo de vacinas, se estão disponíveis ou quando estarão disponíveis. Muitos outros Países, como a Austrália, o Japão ou a Coreia do Sul, ainda nem sequer começaram os seus esforços de vacinação. Outro, a Tanzânia, já fez saber que não quer ouvir falar de vacinas.

Mas voltando apenas ao problema dos cidadãos que não querem ser vacinados: talvez seria o caso de perguntar-se qual a razão desta recusa. É um problema de comunicação social? Não parece, bem pelo contrário: os media tudo fizeram e estão a fazer para convencer as pessoas a vacinarem-se. Os maiores network de social media, como Facebook ou Twitter, têm uma atitude negativa contra os que não querem a vacina e há casos de aberta censura. Então, porque esta ampla faixa de indivíduos que não aceitam “a salvação”?

O World Economic Forum e a equipa de Rohit Deshpandé não parecem muitos preocupados em procurar uma resposta: preferem concentrar-se mais na solução. Dito de forma mais simples: não interessa a razão que motiva um cidadão a recusar a vacina, o cidadão tem que ser convencido a aceita-la. Para isso, em primeiro lugar, os cidadãos são rotulados:

Com base no modelo tradicional de difusão, o número e tipos de pessoas que adoptam novos produtos ou procuram ser vacinadas numa população podem ser classificados em cinco segmentos: inovadores, adoptantes precoces, maioria precoce, maioria tardia e retardatários. Cada um dos cinco segmentos tem as suas próprias características comportamentais e demográficas, com diferentes níveis de incerteza sobre o valor das características do produto que são resolvidos ao longo do tempo.

A premissa central do quadro de difusão das inovações é que os segmentos de clientes ou doentes que as adoptam precocemente influenciarão os adoptantes posteriores. Os inovadores influenciarão os segundos a adoptarem, e este depois influenciarão a maioria precoce e tardia, que depois influenciará os retardatários.

É certo que as apostas para a vacinação Covid-19 são muito maiores do que as de produtos de alta tecnologia. Atrasos na vacinação podem reduzir as probabilidades de atingir a imunidade global do rebanho, reforçar as preocupações de segurança e saúde em todos os países, e retardar a recuperação económica mundial. É crucial que avancemos rapidamente para convencer mais pessoas a serem vacinadas.

Portanto: aqui fala-se de consumidor (a vacina é o “produto” na linguagem dum especialista de marketing ou de economia) que pertence a uma destas cinco categorias (inovadores, adoptantes precoces, maioria precoce, maioria tardia e retardatários) e o objectivo principal é convencer a maioria tardia e os retardatários.

Como actuar? O grupo individua três passos para acelerar a adopção das vacinas.

Com estes factores em mente, oferecemos três recomendações centradas no cliente para acelerar a adopção da vacina Covid-19 nos segmentos de inovação:

1. Inovadores: reconhecer e activar a influência deles

Os inovadores têm mais a ganhar com o valor intrínseco da inovação e estão mais entusiasmados com a sua adopção precoce. Há também o valor extrínseco de estatuto, orgulho e prestígio que os distingue dos outros no seu segmento e daqueles que adoptam a inovação mais tarde. Uma vez que os inovadores são os primeiros a adoptar e são mais susceptíveis de influenciar os outros, não precisam de ser influenciados. No entanto, as organizações devem aproveitar a influência deles, usando uma comunicação direccionada para activar o passa-palavra entre os inovadores e os primeiros a adoptar.

Por exemplo, os principais funcionários governamentais podem servir como mega-influenciadores, promovendo a sua vontade de serem imunizados através dos meios tradicionais e digitais. Ao longo da história dos esforços de vacinação, os presidentes, primeiros-ministros e principais autoridades de saúde têm divulgado a sua própria adopção de vacinas. […]

Médicos, enfermeiros e profissionais médicos são também líderes de opinião porque os pacientes confiam nos seus prestadores de cuidados de saúde como uma fonte principal de informação sobre a vacina. Por essa razão, os profissionais médicos podem servir como micro-influenciadores para outros segmentos, colocando fotografias nos meios de comunicação social dos seus cartões de vacinação ou deles próprios enquanto estão a receber a vacina.

Estes influenciadores devem descrever a importância da sua decisão, tal como o orgulho que sentem por estarem vacinados, às suas famílias, aos pacientes, e aos amigos, bem como ao público em geral. Há provas de que esta estratégia funciona: entre 2008 e 2010, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido melhorou a adopção da vacina contra a gripe, empregando profissionais médicos nos seus esforços mediáticos.

Portanto, medida número um: os inovadores não precisam de ser influenciados, todavia podem ser manipulados para que publicitem a escolha deles de forma a influenciar as restantes quatro categorias. Utiliza-se o “estatuto”, o “orgulho” e o “prestígio” que podem ser experimentados por estes inovadores para influenciar as escolhas dos outros. Foi assim com os primeiros telemóveis: havia os primeiros poucos donos deles que viam nesta novidade um símbolo da sua própria riqueza, do seu estatuto, e ostentavam isso em público. Com a vacina deve acontecer o mesmo porque nada há de Medicina aqui: é utilizar os mesmos conceitos já experimentados com sucesso no marketing.

2.  Adoptantes precoces e maioria precoce: reconhecer e enfrentar a incerteza

Os primeiros adoptantes e os primeiros segmentos maioritários são os que têm mais a ganhar com o valor intrínseco da inovação e estão igualmente entusiasmados com a adopção. Podem ter algumas incertezas sobre a vacina. Por exemplo, as sondagens identificaram as preocupações sobre os efeitos secundários e um processo apressado de aprovação da vacina como os principais factores inibidores. Os inovadores podem desempenhar um papel fundamental na influência dos primeiros adoptantes, abordando as suas incertezas. Da mesma forma, os inovadores e os primeiros adoptantes podem continuar a influenciar a maioria inicial, que pode então influenciar a maioria tardia e os retardatários.

Embora incutir confiança seja importante, é igualmente importante ser claro sobre como e onde ser vacinado e a conveniência do processo. Simplicidade e transparência no processo de inscrição é essencial. O sistema de inscrição fácil de usar de israel, que utilizou os websites das quatro principais organizações de saúde para encaminhar as pessoas para as clínicas, ajudou o país a passar a palavra cedo e a aumentar o número de possibilidade.

Comunicar mesmo uma linha temporal ampla também elimina a incerteza e infunde confiança no processo. A combinação de confiança e conveniência pode gerar ímpeto e entusiasmo não só para os primeiros adoptantes e a maioria precoce, mas também na maioria tardia e nos retardatários. O modelo tradicional de difusão empresarial chama a esta abordagem “hacking de crescimento” porque a maior parte do crescimento ocorre quando os primeiros adoptantes e a maioria precoce adquirem os produtos, estimulando a rápida adopção pelos segmentos da maioria tardia e dos retardatários.

Uma vez que a vacina esteja disponível para a maioria precoce, é importante empregar técnicas de “sementeira boca a boca”. [“passa-palavra”, ndt] Isto significa alistar mega-influenciadores-celebridades, clero proeminente, líderes sociais e pessoas comuns que servem como micro-influenciadores para endossar a vacina e encorajar as pessoas a procurá-la.

Na década de 1950, quando a poliomielite espalhou-se, Elvis Presley elogiou os benefícios da sua própria vacinação, amplamente divulgada, gerando uma grande agitação sobre a vacina. Para encorajar a vacinação contra a gripe em 2010, BlueCross BlueShield da Louisiana destacou tanto os mega- como os micro-influenciadores em painéis publicitários, anúncios televisivos e meios de comunicação social, aumentando as imunizações em 64 por cento em relação ao ano anterior. E em 2010, em resposta à pandemia de gripe suína, a Suécia criou crachás de vacinação para os jovens publicarem nos meios de comunicação social, proporcionando-lhes prestígio e estatuto social.

Também a medida número dois é bem interessante: podem existirem algumas incertezas sobre a vacina, sobre os efeitos secundários e o processo apressado de aprovação. Mas nada disso importa: pelo contrário, estas preocupações devem ser ultrapassadas facilitando ao máximo o acesso às vacinas, apresentando uma clara tabela de marcha e envolvendo celebridades mas sem esquecer os micro-influenciadores. Tudo para activar o mecanismo que no documento é definido como “sementeira boca a boca” (o passa-palavra).

Mais uma vez: nem existe a tentativa de aliviar as preocupações com possíveis respostas, trata-se aqui de pôr a funcionar uma máquina que faça esquecer as dúvidas. Nenhuma celebridade pode dizer “Tomei a vacina, agora sinto-me bem e sei que o mesmo acontecerá nos próximo 20 anos porque a vacina é 100% segura”. Ninguém pode fazer uma afirmação desta porque as actuais são vacinas com uma técnica nunca utilizadas antes, que ainda não completaram o processo de avaliação e que não têm um histórico. Mas o importante é criar aquelas condições que “obriguem” não apenas a aceitar a vacina mas até a provar desconforto caso não seja aceite, explorando sempre as emoções.

E chegamos à medida número três:

3. Maioria tardia e retardatários: incentivar o FOMO

A última maioria e os retardatários acreditam ser os que têm menos a ganhar com o valor intrínseco da inovação. Alguns deles questionam o valor da vacina Covid-19 e planeiam fazer uma abordagem de “esperar para ver”. Outros podem ter preocupações sobre as imunizações em geral, ou mesmo uma oposição directa às vacinas e aos esforços governamentais para as facilitar. As suas redes sociais pessoais podem incluir pessoas que partilham os seus pontos de vista.

No entanto, a obtenção do cumprimento deles é crucial para alcançar a imunidade do rebanho. Por essa razão, recomendamos um esforço em duas frentes:

Educar para reduzir a incerteza.

Em primeiro lugar, recomendamos o emprego de micro-influenciadores de confiança das mesmas comunidades, tais como provedores médicos e líderes políticos, juntamente com mega-influenciadores de reputação, tais como celebridades com antecedentes e interesses semelhantes, para colocar os membros deste segmento à vontade.

Portanto, a mesma táctica utilizada para os grupos anteriores, só um pouco além: aqui trata-se de “educar” o cidadão. Não “informa-lo” mas “educa-lo”. Nada de apresentar o medicamento de forma a aprofundar o conhecimento acerca do seu funcionamento para resolver eventuais dúvidas; o cidadão não tem que responder às suas preocupações, tem que aprender a tomar a vacina porque coisa boa e justa. Como? Outra vez: figuras de confiança, como médicos, políticos e mega-influenciadores, mais um par de sugestões. E aqui começa a parte melhor. Sigam por favor:

Duas tácticas comuns:

Ser atingido por um raio?!? Mas o que têm estes indivíduos no cérebro? Um raio é um evento casual não previsível e não evitável. Uma vacina não é causal, os eventos adversos serão “improváveis” mas são conhecidos (morte incluída) e são evitáveis. O cidadão tem que convencer-se, possivelmente com o sorriso nos lábios (afinal está a receber o mesmo estatuto de Elvis Presley), que tomar a vacina é coisa boa e justa e que eventuais reacções adversas (como paralisia de Bell ou morte) não passam de simples “azar”. Estes são criminosos.

Inspirar a FOMO.

Em segundo lugar, recomendamos que se incentive o medo de falhar, tanto social como economicamente. Por exemplo, recentemente 82% dos adultos disseram não se sentirem confortáveis em visitar a família ou amigos próximos dentro das suas casas durante a pandemia de Covid-19. Esta incapacidade de socializar é mais susceptível de influenciar a maioria tardia e os grupos atrasados para tomar a vacina do que as mensagens relacionadas com a saúde. Da mesma forma, investigações anteriores sobre a prevenção de adolescentes em fumar cigarros descobriram que destacar os efeitos sociais negativos do hábito, tais como o facto de serem deixados fora dos contextos sociais, era a melhor forma de influenciar os adolescentes.

Alguns métodos populares:

A manipulação atinge aqui o máximo esforço para convencer os mais relutantes. Resumindo: “Toma agora que é grátis, amanhã nunca se sabe e pode sair-te caro. E lembras que se os teus familiares morrerem a culpa é tua”. Simples, eficaz e enjoativo. Mas é o marketing, meus senhores, cuja tarefa não é informar mas educar as massas, treina-las através de técnicas de manipulação mental. É preciso “vender” o produto-vacina, eliminando todas as barreiras, até as mais resistentes:

Em israel, por exemplo, a atenção dos funcionários governamentais abrangeu muitas populações árabes israelitas e as ortodoxas judaicas altamente religiosas, relutantes em serem imunizadas. Para combater a desconfiança, um presidente da câmara árabe israelita telefonou directamente a mais de 25.000 telefones árabes israelitas para os incitar a serem vacinados, descrevendo o acto como “santo para todos”. Ao mesmo tempo, um dos principais rabinos judeus ortodoxos emitiu uma decisão pública que descreveu os efeitos secundários da vacina como negligenciáveis em comparação aos danos potenciais do vírus real.

Tudo isso é mindfucking: técnicas de manipulação mental, nesta caso aplicadas às inteiras populações. Totalmente desprezadas, reduzidas ao papel de grupo de consumidores que devem ser treinados. E, de facto, são treinados não elevando o grau de conhecimento mas explorando as emoções, criando as condições para que seja o mesmo cidadãos a “desejar” a vacina, mesmo que isso seja contrário à sua parte raciocinante.

Já falámos disso acerca de Facebook. E voltaremos a falar do assunto.

 

Ipse dixit.