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O papel da Maçonaria na ascensão do Fascismo – Parte III

…e esta sim que é a última parte desta série.

Resumindo: nos primeiros dias de Junho de 1940, com a evacuação de Dunkerque, os Aliados já não precisam da mediação de Mussolini. Este percebe que arrisca perder em três frentes: naquela diplomática, onde já não é necessário; naquela bélica, por via da neutralidade; no que diz respeito ao Pacto de Aço pois o aliado alemão continua a arrasar pela Europa toda. Portanto, acha necessário actuar porque, como revela o Promemoria segretissimo 328, a Italia não pode continuar na neutralidade:

Sem se demitir do seu papel, sem se desqualificar, sem se reduzir ao nível de uma Suíça multiplicada por dez. […] Porque a Itália não poderá não entrar na guerra, é apenas uma questão de saber quando e como: é uma questão de adiar o mais possível, de forma compatível com a honra e a dignidade, a nossa entrada na guerra. […] Se a Itália mudasse de atitude e passasse armas e bagagem para os franco-ingleses, não evitaria uma guerra imediata com a Alemanha.

E em 1940 o Terceiro Reich acumulava vitórias uma atrás das outras. A hipótese duma guerra contra Berlim era sem dúvida mais assustadora do que um conflito com dois Países em plena crise como França e Grã-Bretanha. Assim, no dia 10 de Junho, é anunciada a entrada em guerra do País. A notícia foi recebida com entusiasmo por parte dos grupos industriais italianos, que viram o início do conflito como uma oportunidade para aumentar a produção e a venda de armas.

Não vamos tratar do desenvolvimento do conflito pois não é este o foco do presente artigo. Pelo contrário, vamos directamente para o dia 25 de Julho de 1943, data em que Mussolini foi destituído e preso. Poucos dias antes, em 21 de Julho, Mussolini encontrou Hitler em Feltre (região do Veneto) para anunciar que a Italia teria procurado uma saída do conflito. A reacção do Fuhrer foi avassaladora, ameaçando a imediata ocupação da Italia caso esta recusasse continuar os combates.

E é aqui que volta em cena a Maçonaria. Nos primeiros meses de 1943, um dos grandes nomes do Fascismo, Dino Grandi (maçom) contacta o Rei Vittorio Emanuele III (também maçom) para preparar a destituição de Mussolini. A ocasião apresenta-se após o encontro de Feltre, no Grande Concelho do Fascismo agendado para o dia 24 de Julho. A votação foi conclusiva: 19 votos a favor da destituição, 7 contrários, uma abstenção. E dos 19 votos favoráveis, 13 são da Maçonaria. É a queda de Mussolini.

Mas já cerca de dez dias antes da reunião do Grande Conselho do Fascismo, pessoas próximas do Marechal Pietro Badoglio (maçon) tinham organizado uma conspiração para declarar o Duce “louco”. E neste caso a fonte é um documento até pouco tempo atrás inédito preservado nos Arquivos Nacionais em Washington. O plano secreto deveria ter iniciado com o Professor Cesare Frugoni, conhecido clínico da época, médico pessoal de Mussolini e, obviamente, maçon: este deveria ter apresentado ao Rei (maçon) uma certidão de “irresponsabilidade mental” do ditador fascista “por causa de doença”. O plano tinha sido estabelecido no âmbito da Maçonaria italiana, a fim de promover a nomeação de Badoglio (outro maçon) como chefe do novo governo. O objectivo de Badoglio teria sido decretar “a abertura imediata de negociações de paz”.

O documento que demonstrava a conspiração foi entregue a Mussolini que, no entanto, considerou essas suspeitas como sendo o fruto de fantasia, limitando-se a passar o dossier ao chefe da polícia Carmine Senise. O qual, apesar de ser um polícia capaz, não prosseguiu a investigação pois ele próprio estava envolvido na conspiração palaciana. Após alguns meses, Carlo Del Re da OVRA (o serviço secreto do Fascismo) estava convencido de que a manobra estava prestes a ser desencadeada e em 19 de Julho de 1943 (dois dias antes da reunião em Feltre) enviou a Berlim a notícia das intrigas anti-Mussolini, solicitando a intervenção do Terceiro Reich.

Tarde demais e, com a queda de Mussolini, o Rei nomeia o Pietro Badoglio novo chefe do governo.

A morte de Mussolini

Última parte dedicada à morte de Mussolini, um episódio que ainda hoje está longe de ser esclarecido e que, mais uma vez, vê implicada a sombra da Maçonaria.

Há numerosos relatos e versões da morte de Benito Mussolini. Comecemos com a versão oficial.

A versão oficial

Às 7 horas da manhã do dia 28 de Abril, “Valerio” e “Guido” (nomes em códigos de “partigiani”, termo por aqui traduzidos como partisam/partisans) deixaram Milano para seguir até Bonzanigo, onde Mussolini encontrava-se preso.

Quando chegaram à casa da família De Maria, o local da prisão, exortaram Mussolini e a companheira Claretta Petacci a sair rapidamente de casa. Os dois foram obrigados a sentar-se nos bancos traseiros do carro Fiat 1100 e foram acompanhados até ao local previamente escolhido para a execução, não muito longe: um beco estreito, rua XXIV Maggio, numa posição muito abrigada em frente à Villa Belmonte em Giulino di Mezzegra. Aqui os dois são forçados a descer.

Dois partisans são enviados para bloquear a estrada em ambas as direcções, enquanto que Mussolini é avisado para encostar-se ao portão. “Valerio” empurra Mussolini para o portão e pronuncia a sentença: “Por ordem do Comando Geral do Corpo de Voluntários da Liberdade sou encarregado de fazer justiça ao povo italiano” e, voltando-se para Claretta que se agarrava a Mussolini: “Sai daí se não queres morrer também”. “Valerio” tenta prosseguir com a execução, mas a metralhadora encrava; pega numa pistola mas também esta não dispara. Finalmente encontra uma metralhadora que funciona e “Valerio” descarrega uma salva mortal de cinco tiros contra Mussolini. A Petacci, que se encontrava no caminho da metralhadora, também foi atingida e morta. Um golpe de misericórdia é então disparado ao coração de Mussolini com uma pistola. Balas de calibre 7,65, compatíveis com as da metralhadora francesa de “Valerio” foram mais tarde encontradas no local de execução. Eram 16:10 do dia 28 de Abril de 1945.

No livro “Em nome do povo italiano”, publicado postumamente, “Valerio” argumentou que as decisões tomadas no início da tarde de 28 de Abril eram equivalentes a uma sentença emitida por um organismo regularmente constituído nos termos do artigo 15º do documento CLNAI (Comité de Libertação Nacional Alta Italia). Nem todos concordaram com esta interpretação, uma vez que nesta ocasião faltou a presença de um magistrado e de um comissário de guerra: “Valério” foi portanto acusado de homicídio voluntário agravado e profanação de cadáver, acusações das quais foi mais tarde absolvido por um tribunal porque os factos tinham ocorrido durante uma acção de guerra partisan pela necessidade de lutar contra os alemães e os fascistas durante o período da ocupação inimiga e, como tal, não eram considerados puníveis.

A hipótese inglesa

Já em Dezembro de 1944 e em Janeiro de 1945 tinham tido lugar contactos secretos entre o Duce e emissários britânicos em Porto Ceresio, perto da fronteira suíça; além disso, o texto das interceptações telefónicas feitas pelos serviços secretos alemães em Salò (sede do governo fascista desde Outubro de 1943) sobre as conversas de Mussolini, sugere a existência de possíveis acordos secretos e uma troca de cartas entre o ditador italiano e o Primeiro Ministro britânico Winston Churchill, ainda que seja incerto definir o conteúdo de tal correspondência. A 27 de Abril de 1945, na altura da sua captura, Mussolini tinha consigo uma mala cheia de documentos, contendo, entre outras coisas, parte da sua correspondência com Churchill. No rescaldo imediato da guerra, Churchill e os serviços secretos britânicos diligenciariam no sentido de recuperar todas as cópias de tal correspondência.

O desaparecimento destes documentos particularmente secretos após a prisão de Mussolini, que ficou conhecida como a “correspondência Churchill-Mussolini”, estaria ligado a uma versão do assassinato do líder do Fascismo no livro de memórias do antigo comandante da divisão partidária formada pelas Brigadas Garibaldi “Giacomo”. Nesta publicação, o autor escreve que o assassinato de Mussolini, a 28 de Abril de 1945, aconteceu pouco depois das 11 da manhã, numa rua lateral em frente à casa dos De Maria, como parte de uma missão secreta dirigida por um agente britânico. O objectivo da missão teria sido impedir a divulgação do conteúdo da correspondência, recuperando-a e suprimindo Mussolini e Claretta Petacci, sendo esta última perfeitamente consciente da existência de tais relatórios.

De acordo com esta versão dos acontecimentos, “Giacomo” tinha sido contactado por um agente britânico no dia anterior em Milano às 16 horas e, para realizar a missão, tinha formado uma equipa de três outros partisans. O grupo teria sido informado da localização exacta dos prisioneiros por volta das oito horas da manhã do dia 28, graças a outro agente, chamado “Alpino”. Após um tiroteio para ultrapassar um bloqueio de estrada em localidade Argegno, onde um dos três partisans do “comando” teria perdido a vida, o esquadrão teria chegado até a casa dos De Maria e teria facilmente ultrapassado os guardas do casal. A execução foi levada a cabo com metralhadoras Sten. A correspondência Churchill-Mussolini não pôde ser recuperada, mas, após tirar algumas fotos dos cadáveres, o agente britânico teria concordado com o silêncio de “Giacomo” e dos dois partisans sobreviventes. Entretanto, em 1982, “Giacomo” encontrou o cônsul britânico em Milano e este lhe teria mostrado as fotografias tiradas na altura pelo agente secreto: “Giacomo” na altura assinou uma declaração que confirmava mais uma vez os acontecimentos.

Esta versão foi creditada por Peter Tompkins, escritor e antigo agente secreto dos EUA, e pelo historiador Luciano Garibaldi. Além disso, é apoiada pelas seguintes circunstâncias:

A “pequena casinha de montanha” de “Valério”

Segundo Tompkins, Luigi Longo, comandante-chefe de todas as brigadas Garibaldi, chegou ao local imediatamente após a dupla matança, planeou um falso tiroteio em Giulino di Mezzegra e a versão da matança da Petacci “por engano”, e depois vinculou ao segredo todos os partisans presentes. A este respeito, é importante ter em conta a reconstrução fornecida em 1993 por Urbano Lazzaro, o partisan “Bill”, vice-comissário político da coluna partisan responsável pela captura de Mussolini, na qual se afirma que a pessoa que apareceu em 28 de Abril de 1945, com o nome de batalha “Valerio” era Luigi Longo e não Walter Audisio, como vulgarmente se afirma.

Além dos pontos relatados antes, há mais um que vale a pena lembrar: em 1993, o historiador Alessandro Zanella, afirmou que o duplo homicídio ocorreu na manhã do dia 28 de Abril, dentro ou perto da casa de De Maria. Esta versão faz uso de um estudo produzido pelo Dr. Aldo Alessiani, médico judicial da magistratura de Roma, no qual atesta, com base no exame das fotografias tiradas das 11:00 às cerca das 14:00 do dia 29 de Abril sobre os corpos, que  Mussolini e a Petacci estavam mortos há cerca de trinta e seis horas, ou seja, muito antes das 16:00 do dia 28 de Abril de 1945.

Há muitas versões acerca da morte do Duce. Mas o que sabemos nós, além das versões contadas?

Sabemos que os furos das balas estavam no corpo de Mussolini mas nem todos estavam na roupa dele. O que confirma o testemunho da Mazzola, com um homem em camisola a lutar no pátio da casa dos De Maria.

Sabemos que houve mal-humor entre alguns partisans, tanto pela forma como Mussolini tinha sido morto, quanto pela ingerência britânica, quanto pelo facto dos documentos na posse do Duce não serem publicados. Por causa disso a já citada Gianna foi morta, assim como o Capitão “Neri” e um dos guardas de Mussolini na casa dos De Maria.

Sabemos que pouco tempo depois, Churchill veio para Italia para recuperar os documentos: em Saló também falou com o carpinteiro ao qual Mussolini tinha pedido para construir uma caixa estanque: a caixa, com cópias dos documentos, tinha sido foi depois imergida no Lago de Como, nas cujas margens surge Saló.

E há outro aspecto que deve ser considerado: a guerra estava praticamente acabada (ainda hoje em Italia festeja-se o 25 de Abril de 1945 como Dia da Libertação, três dias antes da morte de Mussolini), o mais lógico teria sido uma execução na praça pública, tal como foi feito no caso de muitas figuras fascistas, para celebrar a grande vitória partisan. Foi o caso das 16 altas patentes fascistas fuziladas em Saló, à beira do lago, sob o olhar de todos e com tanto de padre para o conforto espiritual.

A irmã de Mussolini publicou parte da correspondência com o irmão e numa das últimas cartas o Duce afirmou desejar um processo público, com a protecção do Rei, para demonstrar aspectos da história que antes não estava em condições de partilhar (é o caso das cartas com Churchill ou dos pedidos dos Aliados para que a Italia entrasse em guerra). Vice-versa, aquela falsa execução somaria, às escondidas, num beco lateral duma pequena aldeia, longe de qualquer testemunha, demonstra a pressa para evitar que Mussolini falasse.

Em 1945, já com a guerra terminada, o núncio apostólico de Pio XII em Londres, Mons. William Godfrey, visitou Winston Churchill e descreveu o encontro numa carta à sua família. As palavras do maçon Churchill não deixam dúvidas:

A Itália gozará de excelentes condições de paz e será prestada assistência concreta para a sua reconstrução. […]  A total liberdade política será a única coisa que faltará à Itália. A Santa Sé discordará em parte desta condição, que conduzirá a um estado permanente de discórdia e que causará fraqueza nos futuros governos italianos.

Não uma simples profecia mas um projecto apresentado por um dos maçons mais em vista, projecto realmente implementado ao longo das décadas. E não apenas em Italia. Ainda dúvidas acerca da utilidade da História?

 

Ipse dixit.

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Um agradecimento à obra de Marco Pizzuti: Biografia Non Autorizzata di Benito Mussolini