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Odessa: tudo segundo os planos

Mais um País “libertado”, mais um massacre planeado.

E as notícias no Ocidente são distorcidas, porque a dúvida não é uma opção permitida.

Pelo menos 38 ativistas anti-governativos foram mortos na Câmara do Trabalho de Odessa, em consequência de asfixia ou depois de ter saltado das janelas do edifício para escapara das chamas. Os que precipitavam e não morriam logo, eram pontapeados pelo grupo que tinha incendiado a Cãmara, os radicais pró-Kiev.

Esta não é uma notícia qualquer: é um comunicado do Ministro do Interior da Ucrânia.
Mas como relatou a imprensa ocidental este acontecimento?

O Diário de Notícias dedica um inteiro artigo ao Russo que são maus:

Os serviços de segurança da Ucrânia (SBU) acusaram hoje a Rússia de ter coordenado à distância a violência de sexta-feira em Odessa, onde 42 pessoas morreram num incêndio num edifício.
“As provocações em Odessa desenvolveram-se com uma ingerência externa e foram financiadas por dois ex-altos responsáveis” do regime de Viktor Ianukovich “escondidos” na Rússia, afirma um comunicado dos serviços de segurança ucranianos (SBU). Segundo o texto, “milícias provenientes do território” da Transdniestria, república separatista moldava próxima de Odessa, “participaram” nos atos de violência, que “foram coordenados por grupos de sabotagem a partir da Rússia”.
O SBU afirma que a operação foi financiada pelo ex-primeiro-vice-primeiro-ministro Sergui Arbuzov e pelo ex-ministro das finanças Oleksandr Klimenko, ambos parte do núcleo político-financeiro do regime de Ianukovich.

No Expresso temos a notícia duma “batalha campal”, do incêndio, mas não é especificado quem atacou quem. Bem mais precisa, pelo contrário, é a acusação contra Moscovo:

Uma batalha campal entre grupos pró-russos e pró-ucranianos lançou o caos em Odessa, a cidade portuária do Mar Negro. Um incêndio num edifício de um sindicato encurralou dezenas de pessoas. Muitas morreram vítimas das chamas, intoxicadas ou a tentar saltar das janelas. O número de mortos já ultrapassou as quatro dezenas e promete subir perante a falta de meios do Hospital. […] Em Odessa estão, alegadamente, agentes secretos russos e paramilitares enviados de várias repúblicas da Federação Russa. Moscovo já reagiu a estas acusações, dizendo que é o governo ucraniano, bem como os países que o apoiam, quem está a lançar o caos e a desordem, ao atacar violentamente quem se manifesta contra o governo de Kiev.

O Correio da Manhã, tristemente o mais lido em Portugal, nada parece perceber daquilo que se passa:

Um grupo de separatistas pró-russos atacou os ativistas antigovernamentais que protegiam o edifício sindical de Odessa, na Ucrânia, causando a morte a 39 pessoas depois atear fogo ao monumento, avança a imprensa internacional.   

Separatistas que atacam um monumento protegido por antigovernamentais? Mas em que planeta vivem estes? Depois, tanto para ser coerente até o fim, o diário inverte as partes, com os pró-russos que atacam (mas não fica bem claro quem atacam: quem são os antigovernamentais?): 

O incêndio foi causado por milícias pró-russas fortemente armadas que, depois de cercar e destruir o acampamento montado por ativistas antigovernamentais que defendiam o edifício, atiraram bombas artesanais para as janelas. Alguns ativistas barricaram-se dentro do monumento e acabaram por morrer.

Esta nem é contrainformação: esta é ignorância ao nível mais puro.
Mudamos de País. Eis a mesma notícia relatada pela Ansa, a agência de imprensa italiana:

Pelo menos 38 pessoas morreram num incêndio depois de confrontos entre nacionalistas pró-russos e ucranianos na cidade ucraniana de Odessa, informaram fontes oficiais. O Ministério do Interior ucraniano afirmou que “a margem dos confrontos houve um incêndio de origem criminosa” na Casa dos Sindicatos. “Trinta e oito pessoas morreram, 30 devido a asfixia e oito, porque eles pulam da janela”, acrescentou.

Pena que não foi isso que tinha dito o Ministro, pelo menos não completamente: a Ansa esqueceu-se de mencionar quais os responsáveis. O mesmo, ou até pior, se passa com La Repubblica, uma vez decididamente de Esquerda:

É de pelo menos 38 o número de mortos dos confrontos entre separatistas e legalistas em Odessa, cidade portuária ucraniana no Mar Negro “Um deles foi atingido por uma bala”, disse uma fonte à agência de notícias Interfax, “enquanto em relação aos outros não é conhecida a causa da morte”. A Câmara dos Sindicatos foi incendiada. As pessoas são mortas no incêndio. Os confrontos são violentos.

Quem consegue atingir o fundo é L’Unitá, o antigo diário de Gramsci. Está de greve mas interrompe a manifestação para repetir a história do incêndio, só que desta vez os autores são os separatistas. E anuncia também o abate de dois helicópteros pró-rússia, como se os pró-russos tivessem uma aviação…o artigo ficou assim ao longo de 36 horas, só foi emendado nos dias sucessivos (com “apagão” dos comentários furiosos também) e hoje é possível ler a versão corrigida, que fala de dois helicópteros de Kiev.
E este não era “um” mas “o” diário comunista…

É triste, mas até os mortos são utilizados para justificar uma escolha estúpida. Não que isso seja novidade, ora essa, mas não é difícil entender que quem organizou o golpe na Ucrânia é um idiota. Ou alguém que só quer a guerra. Provavelmente as duas coisas.

As mentes refinadas que planearam isso com meses de antecedência nem sequer um livro de história do oitavo ano leram. Ou leram e pensaram que desta vez teria sido diferente: a Rússia pagou um preço altíssimo durante a Segunda Guerra Mundial, bem maior do que qualquer outro País: 23 milhões de mortos. Jogo demasiado fácil para Putin.
Julia Kacinskaya , no Facebook:
Nós odiamos o fascismo, porque nascemos no País que perdeu mais de vinte milhões de pessoas na segunda guerra mundial, porque os nossos avós lutaram contra o fascismo para nós, para as nossas vidas e as vidas das outras gerações.

Marina V. Elsukova, na mesma página:

Os meus avós morreram na Segunda Guerra Mundial e a minha avó e a minha mãe sobreviveram ao cerco de Leningrado… o fascismo deve ser combatido sempre e em todos os lados.

Svetlana, mesma página:

Eu sou russa, nós não odiamos os ucranianos, nós odiamos o fascismo, porque não existe uma família russa que não tenha perdido familiares na Segunda Guerra Mundial (eu também perdi três irmãos do meu avô). Agora Pravy Sketor [Sector Direito, ndt] faz massacres de inocentes na Ucrânia, com o consentimento da União Europeia e da América.

Acontecimentos ainda demasiado recentes para não ser lembrados.

Além disso: o que fizeram os Estados Unidos quando a União Soviética instalou as ogivas nucleares em Cuba? Não foi J.F.Kennedy que decidiu ir até o fim da questão, arriscando a Terceira Guerra Mundial? A actual situação é a mesma, só com papeis invertidos.
Realmente alguém acredita que Moscovo aceite um membro da Nato com vizinho? Qual seria a reacção dos EUA se o México decidisse tornar-se filo-russo? Aceitaria com um sorriso nos lábios?
Não acredito que Washington deseje a guerra, não já pelo menos: no médio e longo prazo o discurso muda, uma guerra bem pode ser a única solução para tentar um “reset” e o nascimento dum Novo Século Americano. O que a Administração de Obama nestes dias faz é simplesmente seguir um roteiro, escrito há muito tempo: a conquista da Eurásia.

Já o blog tratou disso mas fique descansado o Leitor, nada de link, pois vou ré-propor parte do velho artigo Quirguistão e o Grande Tabuleiro (é de 2010!):

O Grande Tabuleiro

Zbigniew Brzezinski é o senhor ao lado.

Nascido em Varsóvia em 1928, foi National Security Advisor com o presidente Jimmy Carter; com Reagan foi presidente da President’s Chemical Warfare Commission enquanto com a administração Bush senior foi co-chairman da National Security Advisory Task Force. O seu apoio ao presidente Bush constituiu causa de ruptura entres os Democratas.

Para alguns é um neocon, dado os seus relacionamentos com Wolfowitz..Mas as suas posições acerca das duas guerras do golfo , como também o parcial apoio ao trabalho de Walt e Mearheimer (influência da lobby israelita na política estrangeira americana), podem fazer pensar de forma diferente.

Brzezinski é um teórico da expansão a Leste da Nato e foi um dos criadores da estratégia de ajuda aos movimentos religiosos do Afeganistão para combater a expansão soviética.

Zibì, podemos chama-lo assim, é uma mente complexa, dotado de apurada inteligência, óptimo estratega. Grande conhecedor de geo-politica. É uma pessoa que cuida dos interesses americanos no mundo e do domínio dos EUA sem os típicos delírios neocon.

Um dos melhores tratados de geo-politica da história moderna é o seu livro “The Grand Chessboard”, O Grande Tabuleiro.

Nele, Zibí teoriza que o controle da Eurásia é fundamental para o exercício da dominação global porque naquela zona estão concentradas:

  • o 75% dos recursos energéticos do mundo
  • o 75% da população mundial
  • os 2/3 das maiores economias do mundo
  • o 60% do Produto Interno Bruto mundial

É suficiente observar um mapa para perceber que quem controla a Eurásia controla o Vizinho Oriente, tem a África de perto e torna periferia Oceania e América.

Sempre segundo Zibí:

  • após o fim da Guerra Fria os EUA são a única super-potência
  • é possível desfrutar esta situação para exercer o domínio
  • é preciso, todavia, redimensionar a Rússia até o nível de média potência e antecipar um seu possível regresso como super-potência.

Caso contrário, a Rússia – dada a própria posição natural – estará favorita no controle da Eurásia e não os EUA.

E será fundamental adquirir posições de domínio em alguns Estados-chave, fundamentais pelas posições deles.

Um deles é a Georgia, os outros o Irão, a Coreia…(e também o Quirguistão, NDT)

A estratégia do cerco

Provavelmente foi a visão de Brzezinski que inspirou a estratégia do cerco da Rússia.

Esta táctica consiste em criar uma cintura de pequenos Estados não-colaboradores à volta da Rússia, de maneira que seja possível isolar os seus recursos e tornar complexo o acesso da riqueza aos mercados de destino.

Os pequenos Estados à volta da Rússia foram criados espontaneamente depois da queda da União Soviética.

O que era preciso eram só oportunas mudanças de regime em muitos daqueles pequenos Estados.

As revoluções coloridas

A revolução laranja na Ucrânia, a revolução azul na Bielorrússia, a revolução das rosas na Geórgia, são só alguns exemplos de revoluções “espontâneas” que provocaram mudanças em muitos pequenos Países ex-soviéticos.

Ouviram falar das salsichas grátis para os manifestantes laranjas na Ucrânia? Não é que naquele País haja assim tanto dinheiro para cuidar dos cidadãos com camiões de salsichas grátis na praça. E as bandeiras, e os balões, e os megafones…

A CIA tem uma longa tradição na área da subversão de regimes, da ajuda às oposições, da criação de redes stay behind, da agitação popular. Técnicas eficientes e consolidadas. Provavelmente utilizadas ao longo destes últimos anos nas pequenas repúblicas ex-soviéticas no quadro da estratégia de cerco.

Os mais curiosos podem também ler Visões do futuro: A Estrada da Pérsia – Parte I, Parte II, Parte III. Aí fala-se das técnicas utilizadas para, as mesmas que podemos encontrar na Ucrânia e não só.
Podemos (e devemos) ficar triste pelos mortos, todos eles sem distinção de cor: mas na verdade não há novidade nenhuma, tudo procede segundo so planos.
Ipse dixit.
Links: no texto