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A promessa da NATO

Então temos guerra. Como já afirmado: as motivações vêm de longe.

No passado dia 15 de Fevereiro, o alemão Der Spiegel publicou um artigo que poucos dias depois foi retomado e amplificado por Tyler Durden de Zero Hedge. Título: Is Vladimir Putin Right? (“Vladimir Putin está certo?”).

Encontrar alguém “sem culpas” na crise da Ucrânia não pode ser um objectivo sério, como demasiadas vezes acontece no meio duma fase tensa como a presente. Todavia, se a intenção for encontrar as razões do conflicto, os argumentos apresentados no artigo são incontornáveis.

Todo o discurso pode ser resumido neste mapa:

O que se está a passar é bastante claro: aos olhos da Rússia esta não é uma mera “questão de princípio” mas antes uma razão de sobrevivência.

Mas se até hoje o alargamento da NATO para Leste estava “proibido” apenas nalgumas trocas de palavras entre os responsáveis aquando da queda da União Soviética, agora as coisas mudam. Não houve apenas palavras, houve e há documentos.

Segundo o actual Presidente russo Vladimir Putin, a NATO “enganou-nos sem vergonha”:

Tinham prometido nos anos 90 que a NATO não se moveria um centímetro para Leste

No entanto, desde 1990 a organização atlântica aceitou 14 Países da Europa Oriental e do Sudeste e, objectivamente, o Kremlin não foi além de alguns protestos. É verdade que a NATO tinha prometido evitar uma expansão para Leste?

Como relata Zero Hedge:

Não faltam relatos de uma variedade de testemunhas acerca das discussões entre o Ocidente e Moscovo na sequência da queda do Muro de Berlim. Em 1990, um verdadeiro exército de políticos e altos funcionários de Moscovo, Washington, Paris, Londres, Bonn e Berlim Oriental reuniram-se para discussões sobre a reunificação alemã, sobre o desarmamento tanto da NATO como do Pacto de Varsóvia, e sobre uma nova carta para a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE), que se tornou a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) em 1995.

Por exemplo, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Roland Dumas, disse que foi feita uma promessa de que as tropas da NATO não avançariam para mais perto do território da ex-União Soviética. O antigo Secretário de Estado norte-americano James Baker negou-o, dizendo que tal promessa nunca foi feita. No entanto, vários diplomatas sob o comando de Baker contradisseram-no.

O antigo embaixador dos EUA em Moscovo, Jack Matlock, disse que foram dadas “garantias categóricas” à União Soviética de que a NATO não continuaria a expandir-se para leste.

Entretanto, o último líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev, disse numa ocasião que o Chanceler alemão Helmut Kohl tinha dado garantias de que a NATO “não avançaria um centímetro mais para leste”.

Mas os Romanos diziam verba volant, scripta manent, “as palavras voam, os escritos ficam”. Temos scripta? Temos. Continua Zero Hedge:

Felizmente, há muitos documentos disponíveis dos vários países que participaram nas conversações, incluindo memorandos de conversações, transcrições de negociações e relatórios. De acordo com esses documentos, os EUA, o Reino Unido e a Alemanha asseguraram ao Kremlin que uma adesão à NATO de países como Polónia, Hungria e República Checa estava fora de questão. Em Março de 1991, o Primeiro Ministro britânico John Major prometeu durante uma visita a Moscovo que “nada do género acontecerá”. […]

Um dos documentos foi encontrado nos Arquivos Nacionais do Reino Unido pelo Professor de Ciências Políticas da Universidade de Boston, Josh Shifrinson. Nele, funcionários norte-americanos, franceses, britânicos e alemães discutem o compromisso de não expandir a NATO para a Polónia e para além do rio Elba, em Março de 1991.

Pode-se ler quanto afirmado pelo Secretário de Estado Adjunto dos EUA para a Europa e Canadá, Raymond Seitz:

Deixámos claro à União Soviética que não pretendemos beneficiar da retirada das tropas soviéticas da Europa de Leste. […] A NATO não deve expandir-se para Leste, oficial ou não oficialmente.

Um funcionário britânico citado mencionou a existência de um “acordo geral” que considerava a adesão à NATO dos Países da Europa de Leste “inaceitável”.

Der Spiegel regista também uma iniciativa, em Janeiro de 1990, do Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão Hans-Dietrich Genscher, segundo o qual a NATO deveria emitir uma declaração para dizer que “Aconteça o que acontecer ao Pacto de Varsóvia, não haverá expansão do território da NATO para leste e para mais perto das fronteiras da União Soviética”.

Tanto Genscher quanto o homólogo americano James Baker apresentaram no início de Fevereiro do mesmo ano a ideia de que “Para nós, é uma certeza de que a NATO não se expandirá para Leste”. O norte-americano ofereceu “garantias de ferro de que a jurisdição ou as forças da NATO não se deslocariam para Leste”. Quando Gorbachev disse que a expansão da NATO era “inaceitável”, Baker respondeu: “Concordamos com isso”.

A mensagem que o Ocidente quis passar era clara: se Gorbachev desse o seu consentimento à reunificação alemã no seio da NATO, o Ocidente teria como objectivo estabelecer uma arquitectura de segurança ocidental que levasse em conta os interesses de Moscovo.

O Secretário-geral da NATO Jens Stoltenberg disse que a aliança atlântica “nunca prometeu não expandir-se, nunca houve tal promessa, nunca houve tal acordo nos bastidores, simplesmente não é verdade”. Ou mente ou não sabe o que diz.

Nada disso justifica uma guerra. Mas explica algo.

 

Ipse dixit.