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O Admirável Mundo Normal

Um artigo mesmo interessante, redigido numa forma quase “coloquial”. É algo que aconselho ler com calma, reflectindo, porque não é banal, de todo. Além da forma, o autor apresenta a substância: uma teoria que não é descabida e que bem pode enquadrar-se no âmbito do termo “evolução”. Uma evolução…”natural”, por assim dizer.

Publicado nas páginas de OffGuardian, foi traduzido por JF (que agradeço muito!) e é de autoria de C.J. Hopkins, escritor e comentarista cujos artigos já apareceram em CounterPunch, The Unz Review, Dissident Voice, ZeroHedge…

Boa leitura!

O Admirável Mundo Normal

A guerra contra o populismo finalmente acabou. Vá em frente, adivinhe quem a venceu. Vou-lhe dar uma dica. Não foram os Russos, nem os supremacistas brancos, nem os coletes amarelos, nem o Culto da Morte nazista de Jeremy Corbyn, ou o misógino Bernie Bros, ou os terroristas do MAGA, ou qualquer outra força “populista” real ou fictícia com quem o capitalismo global tem estado em guerra nos últimos quatro anos.

O quê? Você não sabia que o capitalismo global tem estado a travar uma Guerra contra o Populismo? Tudo bem, a maioria das pessoas não estava. Não foi anunciado oficialmente. Foi lançada no Verão de 2016, quando a Guerra ao Terror estava a terminar, como uma sequela da Guerra ao Terror, ou uma variação da Guerra ao Terror, ou uma continuação da Guerra ao Terror, ou… o que quer que seja, realmente já não tem importância, porque agora estamos lutando contra a Guerra da Morte, ou a Guerra contra os Sintomas Menores do Resfriado, dependendo da sua idade e estado geral de saúde.

É isso mesmo pessoal, mais uma vez, o capitalismo global (ou “o mundo”) está sendo atacado por um inimigo maligno. O Capitalismo Global simplesmente não consegue descansar. Desde o momento em que derrotou o comunismo e se tornou numa ideologia hegemónica global, tem surgido um inimigo maligno após o outro. Assim que comemorou a vitória na Guerra Fria começou a reestruturar e a privatizar tudo impiedosamente, depois foi violentamente atacado por “terroristas islâmicos” o que levou a invadir o Iraque e o Afeganistão, matando e torturando imensas pessoas, desestabilizado todo o Médio-Oriente, vigiando ilegalmente toda a gente, e… bem, você lembra-se da Guerra ao Terror.

Então, no momento em que a Guerra ao Terror parecia finalmente acabar, e os únicos terroristas que restavam eram os terroristas “auto-radicalizados” (muitos dos quais nem eram terroristas de verdade), parecia que o Capitalismo Global finalmente seria capaz de terminar de privatizar e escravizar tudo e todos em paz, você não sabia disso, mas eis fomos atacados novamente, desta vez pela conspiração global de “populistas” neo-fascistas apoiados pela Rússia que causaram o Brexit e elegeram Trump, e tentaram eleger Corbyn e Bernie Sanders, e afrouxaram os coletes amarelos na França, e que ameaçavam a “essência da Democracia Ocidental” com memes semeados no Facebook.

Infelizmente, ao contrário da Guerra ao Terror, a Guerra ao Populismo não foi assim tão bem. Depois de quatro anos de luta, o Capitalismo Global (ou a Resistência neoliberal) tinha… Ok, eles haviam exterminado Corbyn e Sanders, mas haviam feito rebentar a psicose do Russiagate, e esperavam mais quatro anos de Trump, e sabe Deus quantos Johnson’s no Reino Unido (que realmente havia deixado a União Europeia), e os coletes amarelos não estavam a desaparecer, basicamente, o “populismo” continuava em ascensão (se não fosse na realidade, pelo menos nos corações e nas mentes). Por tanto, assim que a Guerra ao Populismo substituiu (ou redefiniu) a Guerra ao Terror, a Guerra à Morte foi oficialmente lançada para substituir (ou redefinir) a Guerra ao Populismo… o que significa (você adivinhou), mais uma vez, é hora de lançar outro “admirável novo normal”.

A característica desse admirável novo normal é, a esta altura, inconfundivelmente claro… tão claro que a maioria das pessoas não pode vê-lo, porque suas mentes não estão preparadas para aceitá-lo e portanto, não o reconhecem, embora estejam a olhar bem para ele. Como a Dolores na série Westworld, “não se parece com nada” para eles. Mas para o resto de nós, parece bastante totalitário.

No período de aproximadamente 100 dias, todo o império capitalista global foi transformado num estado policial de facto. Os direitos constitucionais foram suspensos. A maioria de nós está em prisão domiciliária. A polícia cerca quem não coopera com as novas medidas de emergência. Eles retiram passageiros do transporte público, prendendo pessoas cujos documentos não estão em ordem, atormentando, espancando, intimidando e detendo arbitrariamente qualquer pessoa que eles considerem “um perigo para a saúde pública”. As autoridades ameaçam abertamente retirar as pessoas de suas casas e colocá-las em quarentena. Os polícias caçam avós em fuga. Estão invadindo as igrejas e sinagogas . Os cidadãos estão a ser forçados a usar pulseiras electrónicas. Famílias que saem para passear estão sendo ameaçadas por robôs e drones orwellianos. Tropas de contraterrorismo foram mobilizadas para lidar com aqueles que “infringem a lei”. Qualquer pessoa que as autoridades americanas considerem ter “espalhado intencionalmente o coronavírus” pode ser presa e acusada de ser um terrorista do coronavírus. As empresas de inteligência artificial estão trabalhando com os governos para implementar sistemas de registo e rastreio dos nossos contactos e movimentos. Conforme vem descrito num artigo recente no Foreign Policy:

“A analogia do contraterrorismo é útil porque mostra o rumo da política de pandemia. Imagine que um novo paciente com coronavírus seja detectado. Quando o teste for positivo, o governo poderá usar os dados do telemóvel para rastrear tudo e todos seja ele ou ela, que estiver na proximidade, talvez concentrando-se nas pessoas que estiveram em contacto por mais de alguns minutos. O sinal do seu telemóvel pode assim ser usado para decidir impor a quarentena. Deixe o seu apartamento e as autoridades saberão. Deixe o seu telemóvel para trás e eles vão ligar-lhe. Desligue a bateria e um carro da polícia estará à sua porta em alguns minutos…”

Eu poderia continuar, mas acho que você já entendeu, ou… bem, ou você entende ou não. E essa é a parte realmente aterradora da Guerra à Morte e o nosso “admirável novo normal”… não tanto o totalitarismo. (Quem presta atenção não fica terrivelmente chocado com a decisão do Capitalismo Global em implementar um estado policial global. A simulação da democracia é óptima e boa, até que as massas comecem a ficar indisciplinadas, o que requer serem lembradas de quem está no comando, que é aquilo que nos estão a fazer actualmente).

Mas a parte aterrorizante é como milhões de pessoas de imediato desligaram o seu sentido crítico, entraram na fila e começaram a marcar passo, a repetir a propaganda histérica e a denunciar os seus vizinhos à polícia por saírem para passear ou correr (gritando de forma sádica e abusiva contra eles) como a miúda que diz adeus aos judeus na Lista de Schindler, quando eles foram atirados ao chão e presos). Eles estão lá fora, neste momento, na Internet, milhões desses fascistas bem-intencionados, patrulhando por sinais do menor desvio da narrativa oficial do coronavírus, bombardeando todos com gráficos sem sentido, estatísticas descontextualizadas de mortes, raios-x de pulmões fibróticos, fotos de carrinhas funerárias com refrigeração, valas comuns e outros horrores sensacionalistas, destinados a conter o pensamento crítico e interromper toda e qualquer forma de dissidência.

Embora seja inegavelmente cobarde e doentio, esse tipo de comportamento também não é chocante. Infelizmente, quando você aterroriza bastante as pessoas, a maioria regride aos seus instintos animais. Não é uma questão de ética ou política. É puramente uma questão de auto-preservação. Quando você desfaz a estrutura normal da sociedade e coloca todos em “estado de emergência”… bem, é como o que acontece a uma tropa de chimpanzés quando o chimpanzé alfa morre ou é morto por um rival. Os outros chimpanzés correm gritando e fazendo caretas até ficar claro quem é o novo primata dominante, depois inclinam-se para demonstrar a sua submissão.

Os totalitaristas entendem isso. Sádicos e líderes de culto entendem isso. Quando as pessoas que você domina ficam indisciplinadas e começam a questionar o seu direito de dominá-las, você precisa criar um “estado de emergência” e fazer com que todos sintam muito medo, para que se voltem (ou retornem) para junto de si para se protegerem de qualquer mal ou inimigo que está lá fora, ameaçando o culto, ou a Pátria, ou o que quer que seja.

Então, depois de eles estarem novamente subjugados e deixarem de questionar seu direito de dominá-los, você poderá introduzir um novo conjunto de regras que todo a gente precisa de seguir para impedir que esse tipo de situações aconteça novamente. Isto é obviamente o que está a acontecer neste momento. Mas o que você provavelmente quer saber é… porquê que isso está a acontecer? E porquê que acontece neste preciso momento?

Sorte a sua, eu tenho uma teoria. Não, não envolve Bill Gates, Jared Kushner, a OMS, ou uma conspiração global de Judeus Chineses contaminando os nossos preciosos fluidos corporais com sua tecnologia 5G alienígena satânica. É um pouco menos emocionante e mais abstrato do que isso (embora alguns desses personagens provavelmente façam parte disso… tudo bem, provavelmente não os Judeus Chineses ou os Illuminati Satânicos-Alienígenas). Veja, eu tento concentrar-me mais em sistemas (como o capitalismo global) do que nos indivíduos. E nos modelos de poder, e não nas pessoas específicas no poder, em qualquer momento. Olhando para as coisas dessa maneira, este bloqueio global e o nosso admirável novo normal fazem todo sentido. Fique comigo agora… isto vai ficar meio inebriante.

O que estamos a experimentar é uma evolução adicional do modelo de poder pós-ideológico que surgiu quando o capitalismo global se tornou um sistema global-hegemónico após o colapso da União Soviética. Nesse sistema global hegemónico, a ideologia torna-se obsoleta. O sistema não tem inimigos externos e portanto, nenhum adversário ideológico. Os inimigos de um sistema hegemónico global, por definição, só podem ser internos. Toda a guerra se torna uma insurgência, uma rebelião eclodindo dentro do sistema, visto que já não há nenhuma lá fora . Como não há nada no exterior (e, portanto, nenhum adversário ideológico externo), o sistema global-hegemónico dispensa por completo a ideologia. A sua ideologia torna-se a “normalidade”. Qualquer desafio à “normalidade” passa a ser considerado uma “anormalidade”, um “desvio da norma” e deslegitimado automaticamente. O sistema não precisa argumentar com desvios e anormalidades (como foi forçado a argumentar com ideologias opostas para se legitimar). Ele simplesmente precisa eliminá-los. As ideologias opostas se tornam patologias… ameaças existenciais à saúde do sistema. Em outras palavras, o sistema global-hegemónico (ou seja, o capitalismo global) torna-se um corpo, o único corpo, sem oposição de fora, mas atacado por uma variedade de oponentes… terroristas, extremistas, populistas, quem quer que seja. Esses oponentes internos atacam o corpo global-hegemónico como uma doença, como um cancro, uma infecção ou um vírus. E o corpo global-hegemónico reage como qualquer outro corpo faria.

Este modelo começa a parecer familiar? Espero que sim, porque é isso que está acontecendo agora. O sistema (isto é, o capitalismo global, não um grupo de pessoas em uma sala que cria um esquema para vender vacinas) está reagindo aos últimos quatro anos de revolta populista de maneira previsível. O Capitalismo Global está atacando o vírus que está a atacar o seu corpo hegemónico. Não, não o coronavírus. Um vírus muito mais destrutivo e variado… resistente à hegemonia do capitalismo global e à sua ideologia pós-ideológica.

Se ainda ficou claro para si que este coronavírus não garante de forma alguma as medidas de emergência totalitárias que foram impostas à maior parte da humanidade, ficará claro nos próximos meses. Apesar dos melhores esforços das “autoridades de saúde” para contar virtualmente qualquer coisa como “uma morte de Covid-19”, os números vão contar esta história. Os “especialistas” já estão perfurando a memória, ou recalibrando ou contextualizando as suas projeções apocalípticas iniciais. A mídia está atenuando a histeria. O show ainda não acabou totalmente, mas você pode sentir isso gradualmente a chegar ao fim. De qualquer forma, sempre que acontecer, daqui a alguns dias, semanas ou meses, o Capitalismo Global reduzirá o totalitarismo e nos deixará sair, para que possamos voltar ao trabalho naquilo que resta da economia global… e vamos todos ser muito gratos! Haverá grandes celebrações nas ruas, tenores italianos cantando nas varandas, filas de coro com enfermeiras dançarinas! Os coletes amarelos vão desistir, os Putin-nazistas vão parar com os memes e os americanos vão eleger o Joe Biden como presidente! Ou, tudo bem, talvez não seja a última parte, mas o ponto é que será um admirável novo normal! As pessoas esquecerão toda essa treta do populismo e ficarão gratas por tudo o que os McJobs (trabalhos de baixos salários onde são requeridas poucas aptidões) que conseguirem arranjar para pagar os juros das suas dívidas, porque, ei… o capitalismo global não é assim tão mau comparado a viver em prisão domiciliária!

E, se assim não for, não há problema para o Capitalismo Global. Eles apenas terão que nos trancar novamente e continuar a trancar-nos indefinidamente, indefinidamente, até começarmos a pensar da maneira correcta. Quero dizer, não é como se fôssemos fazer algo a respeito… certo? Não acabamos de demonstrar isso? Claro, vamos reclamar e lamentar de novo, mas eles vão tirar aquelas fotos de valas comuns e camiões da morte, e os gráficos, e todas aquelas projeções assustadoras, e as chamadas tipo Blockwart [1] começarão a soar novamente, e…

[1] Nota: Blockwart era um cargo político inferior do Partido Nazi, responsável pela supervisão política de um bairro. O Blockwart era um funcionário esponsável por estabelecer a ligação entre as autoridades nazis e a população em geral.

Óptimo artigo, obrigado JF!

 

JF dixit!