Já no passado (em 2011 e em 2015) relatámos as primeiras experiências para modificar geneticamente os insectos e utiliza-los para combater doenças humanas (dengue) ou doenças dos cultivos. Não era ficção científica mas um activo campo de estudo.
Obviamente a coisa não escapou ao Ministério da Defesa dos Estados Unidos e hoje a [wiki title=”Defense Advanced Research Projects Agency”]DARPA[/wiki] (Defense Advanced Research Projects Agency) publica nas suas páginas online as directrizes do programa InsectAllies (Aliança dos Insectos):
O programa Insect Allies está a procura de contramedidas escaláveis, prontamente implementáveis e generalizáveis contra potenciais ameaças naturais e de engenharia ao suprimento de alimentos com os objectivos de preservar o sistema de cultivo dos EUA. A segurança nacional pode ser rapidamente ameaçada por ameaças naturais ao sistema de cultivo, incluindo patógenos, secas, inundações e geadas, mas especialmente por ameaças introduzidas por actores estatais ou não estatais. O Insect Allies procura mitigar o impacto dessas incursões aplicando terapias direccionadas a plantas maduras com efeitos que são expressos em escalas de tempo relevantes – ou seja, dentro de uma única estação de crescimento. Essa capacidade sem precedentes forneceria uma alternativa urgentemente necessária para os pesticidas, a criação seletiva, as queimadas e a quarentena, que muitas vezes são ineficazes contra as ameaças emergentes e não são adequadas para garantir plantas maduras.
Para desenvolver essas contra-medidas, as equipas de Insect Allies estão a introduzir um sistema natural e eficiente de entrega em duas etapas para transferir genes modificados para plantas: insectos vetores e vírus que estes transmitem. As três áreas técnicas do programa – manipulação viral, otimização dos insectos vectores e terapia genética selectiva em plantas maduras – juntam-se para apoiar o objectivo de modificar rapidamente as características da planta sem a necessidade de infraestruturas extensivas. […]
Portanto: os militares da DARPA estão a trabalhar para garantir a nossa segurança (e disso não tínhamos dúvida nenhuma…) no caso de que alguém possa lembrar-se de utilizar insectos modificados como arma biológica. E isso significa que a DARPA já lembrou-se de utilizar insectos modificados como arma biológica.
A DARPA obviamente nega, mas no passado mês de Outubro um grupo de cientistas europeus publicou um artigo na revista [wiki]Science[/wiki], cujo principal autor foi o Dr. Guy Reeves do Instituto [wiki title=”Sociedade Max Planck”]Max Planck[/wiki] de Biologia Evolutiva, Plön, Alemanha.
O documento observa que o programa InsectAllies da DARPA “tem como objectivo disseminar vírus infecciosos modificados, libertados para modificar os cromossomas das culturas directamente nos campos”. Esta técnica é conhecida como “herança horizontal”, em oposição ao método “vertical” que consiste em alterações geradas em laboratório nos cromossomas das espécies-alvo para criar variedades de plantas transgénicas. As alterações genéticas nas culturas seriam realizadas “espalhando-as com insectos”, ao ar livre.
Os cientistas apontam que a DARPA não apresentou razões convincentes para o uso de insectos como um meio não controlado para a disseminação de vírus sintéticos no meio ambiente. Além disso, afirmam que o programa InsectAllies poderia ser mais facilmente usado para a guerra bacteriológica do que para o uso agrícola. “É muito mais fácil matar ou esterilizar uma planta usando a edição genética do que torná-la resistente a herbicidas ou insectos”, segundo Guy Reeves.
O artigo da Science enfatiza que não há discussão científica, para não mencionar supervisão, sobre a segurança de tais métodos de modificação genética em campos abertos, ou mesmo se pode haver benefícios reais. O Departamento de Agricultura dos EUA rejeita categoricamente a ideia de ter realizado qualquer teste deste tipo sobre plantas ou insectos geneticamente modificados. “Como resultado, o programa pode ser amplamente percebido como um esforço para desenvolver agentes biológicos para fins hostis o que, se for verdade, constitui uma violação da [wiki]Convenção sobre as Armas Biológicas[/wiki]. É preciso notar que InsectAllies custou até agora 27 milhões de Dólares, dinheiro dos contribuintes norte-americanos como é óbvio.
Tecnologia instável
Embora os detalhes não estejam disponíveis, é mais do que certo que o projecto de edição genética de InsectAllies utilize o que é chamado de [wiki title=”Gene drive” base=”EN”]gene drive[/wiki], uma tecnologia de engenharia genética que pode propagar um conjunto particular de genes entre uma determinada população. O cientista que primeiro sugeriu o desenvolvimento de edição genética em combinação com o gene drive, o biólogo de Harvard Kevin Esvelt, alertou publicamente que esta tecnologia tem um alarmante potencial para dar errado. É uma técnica instável em que até os genes benignos podem tornar-se agressivos. E enfatiza: “Apenas alguns organismos modificados poderiam alterar irrevogavelmente um ecossistema”. As simulações de computador da Esvelt calculam que um gene modificado resultante “pode espalhar-se para 99% da população em apenas 10 gerações e persistir por mais de 200 gerações” (nota: estamos a falar de populações de insectos e plantas).
O principal pesquisador chinês da área, Jungiu Huang, constatou o fracasso neste sentido durante os testes de edição genética e disse à [wiki]Nature[/wiki]: “É por isso que parámos. Pensamos que ainda não seja tempo para isso”. E se até os chineses param…
Pelo que, tudo isso poderia ser um problema das gerações futuras, mas uma série de recentes reportagens dos media russos e ocidentais fizeram surgir umas dúvidas.
Tbilisi?
O dedo está apontado contra um laboratório de alta biosegurança financiado pelo Pentágono, perto do aeroporto de Tbilisi, na [wiki]Geórgia[/wiki], que fica ao lado da Rússia.
O laboratório, o [wiki title=”Richard Lugar”]Richard G. Lugar Center for Public Health Research[/wiki], é uma instalação de 350 milhões de Dólares (sempre dinheiro público, ora essa) e está construído de acordo com os chamados padrões Nível Bio-Segurança III, o que significa que pode lidar com praticamente tudo (excepção: um punhado dos mais perigosos agentes conhecidos, incluindo o antrax e a bactéria que causa a peste bubónica). No G. Lugar Center trabalham cientistas do Departamento de Pesquisa Médica e Material do Exército dos EUA.
No início deste ano, o ex-Ministro de Segurança do Estado da Geórgia, [wiki base=”EN”]Igor Giorgadze[/wiki], deu uma entrevista em Moscovo, onde afirmou ter provas de experimentos arriscados em que algumas pessoas morreram. São afirmações que poderiam ser tranquilamente parte da acção de propaganda russa, não é o caso de confiar muito nelas. Mas, verdadeiras ou falsas, relembram algo sério: se os EUA quisessem avançar com experiências deste tipo, teriam um número de travões legais reduzidos neste sentido: enquanto os tribunais da União Europeia determinaram que a modificação genética deve ser regulamentada, os Estados Unidos rejeitaram qualquer tipo de regulamentação.
Portanto: o DARPA está envolvido numa pesquisa de “uso duplo” ao desenvolver uma arma biológica sob a aparência dum progresso agrícola? Há alguém que pensa que isso, de facto, esteja a acontecer; e este “alguém” são cientistas que tornaram públicas as suas preocupações. Podemos pensar que ninguém arriscaria o que poderia ser uma alteração irrevogável do nosso ecossistema. Uma boa resposta poderia ser: quantas vezes é possível destruir a vida no nosso planeta com todas as armas atómicas prontas para serem utilizadas?
Ipse dixit.
Fontes: DARPA (1 e 2), Max Planck Gesellschaft: A step towards biological warfare with insects?, Science: Agricultural research, or a new bioweapon system?, New Eastern Look: US Gov Backs Dangerous New Genetic Manipulation Approach, Alphr: Controversial gene-editing tool CRISPR “could give rise to cancer”, worrying studies find, TASS: Russian Defense Ministry studies evidence US runs laboratory in Georgia, Coda: Does the US Have A Secret Germ Warfare Lab on Russia’s Doorstep?,