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A força do povo

Peço desculpa desde já: hoje não tenho paciência. Mesmo assim, gostaria de deixar um sinal positivo. Mas vamos com ordem.

Parte negativa: os lemmings

A verdade é que estou bastante desmoralizado. Após tantos anos de blog não deveria: quem assistiu à “pandemia” deveria já estar “vacinado” em relação à obtusidade humana. E, de facto, pensava ter visto tudo, com a excepção da guerra (aquela verdadeira, entendo), que nunca vivenciei. Mas não: custa-me cada vez mais sair de casa, falar com pessoas que não sabem e nem estão dispostas a aprender, convencidas de já terem percebido tudo porque “foi o telejornal que o disse”. Então vejo pessoas à minha volta que correm na direcção do precipício, como se dizia que fizessem os lemmings (e que era falso, como é óbvio: os lemmings são seres superiores).

Nos últimos dias nem perco tempo a discutir e concordo acerca de tudo: sim, Putin é o novo Hitler, é doido, quer reconstruir a União Soviética, coitadinhos dos ucranianos, Zelensky é um herói e merece o Nobel da Paz. Quando acrescento o Óscar vejo que os meus interlocutores ficam em dúvida, mas é só uma fracção de segundo, depois volta a estender-se a camada de obtusidade. Ao concordar obtenho a imediata aprovação e empatia de quem está na minha frente e poupo muito oxigénio que, caso contrário, ficaria desperdiçado: são só vantagens, para mim e para a atmosfera do planeta.

O sucesso da propaganda não é motivo de grande surpresa: estamos a falar de pessoas que já fizeram a fila para ser injectadas com uma vacina experimental depois de terem assinado um papel com o qual assumiram a completa responsabilidade por todas as eventuais consequências. Mais difícil roubar o rebuçado duma criança, que aos menos começa a chorar.

Até aqui a parte deprimente. Agora vem a parte positiva.

Parte positiva: a guerra jubilosa

Todavia, há algo que não bate certo. Explico.

Os ucranianos, coitadinhos, estão a sofrer? São os mesmos ucranianos que permitiram a existência dum governo com simpatias neonazis: estão a colher o que semearam.

Os soldados russos morrem na Ucrânia? São os mesmos soldados que em pátria permitem a existência dum regime autoritário: estão a colher o que semearam.

Nós? Aceitamos um sistema doentio baseado na exploração dos mais fracos, nos abusos, na corrupção, na violência: estamos a recolher o que semeámos.

Pensando bem, não entendo o que haja de errado nesta altura: está tudo a proceder segundo os planos. Ninguém mexeu um dedo ao longo dos anos ou meses para evitar esta situação: aliás, sempre fomos às urnas para confirmar tudo e eleger aquelas mesmas pessoas que provocaram a actual situação. Nós, os ucranianos, os russos: todos concordes.

Pensamos em nós: não me lembro de manifestações na rua para que a NATO não empurrasse a Rússia num canto. Não me lembro de marchas para que a guerra no Donbass acabasse. Não me lembro de recolhas de assinaturas para que a Europa não ficasse tão dependente do gás russo. Sempre aceitámos o regime filo-nazi de Kiev com tranquilidade.

Mesmo durante o Outono do ano passado, quando Washington começou a avisar acerca da invasão russa, nada aconteceu. Nada de nada: o povo continuou sereno, sem a mínima iniciativa para evitar a actual situação.

Uma atitude aparentemente estranha porque os acontecimentos ditavam que teria havido consequências no nosso estilo de vida. Nosso e dos nossos filhos. Provavelmente não consequências tão graves como aquelas que irão atingir os Países mais frágeis (que podemos continuar a ignorar), mas sempre consequências que determinarão mudanças no nosso estilo de vida, com famílias que irão cair abaixo do limiar da pobreza, com um aumento do desemprego.

Mas nada, nenhuma reacção. Isso só pode significar uma coisa: o que está a acontecer era exactamente o nosso desejo. Pessoal, é matemático: trata-se da fórmula acção = reacção, o que damos é o que recebemos. E todos, sem excepção, trabalhámos para chegar até aqui, tanto com as nossas escolhas quantos com as nossas não escolhas.

Dúvidas? Não acreditem em mim, o Leitor pense em si: alguma iniciativa, alguns actos para que os acontecimentos tomassem um rumo diferente? Nada? É o que digo: nada de nada.

Vejo a luz no fundo do túnel: o povo unido escolheu. Não um único povo mas todos os povos envolvidos. Aquela na Ucrânia é uma guerra jubilosa, o triunfo da vontade popular. A tristeza já passou: afinal é um dia bonito.

 

Ipse dixit.