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Guerra da Ucrânia: a vitória de Pirro

Diz P.Lopes:

Uma das coisas que aqui no blog sempre fomos unânimes foi em criticar o Império americano por entrar indiscriminadamente nos países dos outros.

Um das coisas que mais conseguem irritar-me ao longo dos últimos dias é a atitude da maioria da informação “alternativa”: a invasão russa já não é invasão, é o “desarme” da Ucrânia e das prepotência ocidental.

Infelizmente faz sentido: há por aqui uma forte componente emotiva pois, pela primeira vez, a Rússia está em condições de responder às provocações ocidentais (que existiram, é supérfluo discutir isso) directamente em território europeu. Pela primeira vez, parece que o movimento começado em 1990 com a expansão da NATO para Leste sofreu uma paragem. E, sempre pela primeira vez, os que estão habituados a contrariar o Império americano vêem alguém ripostar com sucesso. Ao mesmo tempo, o Ocidente tem “dificuldades” (com aspas) em responder perante a invasão russa.

Mas é assim mesmo? Pensando bem: o que há para festejar? Talvez possa valer a pena reflectir um pouco acerca do assunto.

A “ameaça” ucraniana

Acerca das armas da Ucrânia, já vimos quão fortes eram: o exército de Kiev foi varrido no prazo de horas. Para fazer uma comparação, as forças americanas tinham encontrado muita mais resistência na guerra de 2003 contra o Iraque, onde os combates demoraram vinte dias e o fim das operações foi declarado apenas um mês e meio depois do início. Mas não é esta a parte mais em destaque.

Bem mais interessante é a atitude ocidental perante a invasão, as tais “dificuldades” em responder. Verdade, estamos no meio dum sistema complexo onde qualquer sanção tem que ter em conta as inevitáveis consequências económicas: e estas podem não ser tão óbvias, sobretudo no médio e longo prazo. Resultado: não é tão simples assim gerir a “besta” do mercado. Mas é apenas isso?

Desde Outubro…

Os EUA estavam a alertar o mundo acerca da invasão russa desde o Outono de 2021. Isso significa que Washington e aqueles mentecaptos de Bruxelas tiveram o tempo todo para avaliar os possíveis cenários e preparar contra-medidas adequadas. Como explicar agora uma resposta tão frouxa?

Tentamos ver a coisa numa óptica um pouco diferente: temos a certeza de que esta guerra seja uma derrota para os Estados Unidos? Washington tem trabalhado sem parar nas últimas semanas para que Putin tomasse a decisão de atacar (as tais “provocações”), acerca disso todos concordamos: então como é possível agora festejar a resposta russa se esta era exactamente o desejo dos EUA?

É bastante claro que Washington não quer saber da Ucrânia: esta foi utilizada como “isco”. Os EUA tinham a perfeita nocção de como Moscovo teria actuado para defender a sua esfera de influência e nada fez para evita-lo porque implicitamente aceita este cenário e porque, além das declarações de fachada, esta guerra traz vantagens para todos. Com duas únicas excepções: os ucranianos (sacrificáveis) e a Europa.

O novo Hitler

Se do ponto de vista russo as vantagens são óbvias, não podemos esquecer aquele americano: Washington conseguiu “compactar” a frente ocidental, individuando ao mesmo tempo o novo Hitler contra o qual irá construir a narrativa das próximos anos. Porque os EUA sempre precisam duma figura “demoníaca” para dividir a opinião pública e justificar as suas escolhas, sabemos disso.

As esferas de influência

Esta guerra é um ponto de viragem não porque a Rússia consegui ripostar (algo abundantemente previsto, como vimos): é importante porque, ao fixar as respectivas zonas de influência, introduz um elemento de clareza que antes estava a diluir-se. Neste aspecto, Washington marcou com decisão o seu território e conseguiu afastar boa parte da Europa das tentações “orientais”.

A fenda fechada: Alemanha redimensionada

Não vamos cometer o erro de subestimar as vantagens obtidas pelo Império: havia uma possível fenda na Europa, agora esta fenda foi fechada. A aspiração alemã de tornar-se a principal referência política e económica europeia foi definitivamente enterrada: Washington obteve o voto de submissão com o fecho do North Stream 2, algo que, lembramos, tinha sido recusado antes da invasão e foi logo aceite após a invasão.

A elite que ganha

Com a guerra, Washington consegue ligar indissoluvelmente o destino da Europa ao seu, algo não tão implícito antes do conflicto. Atrás da resposta “frouxa”, uma parte da elite americana (aquela que mexe os cordéis que fazem funcionar Biden) tem razão para festejar, conseguindo obter exactamente o que queria. E, caso não tivesse ficado claro, trata-se daquela mesma elite que costuma reunir-se no World Economic Forum.

A lista e Putin

Derrotada fica a outra frente, aquela mais “europeista” (vertente Rothschild); a iniciativa diplomática de Macron nem foi considerada em Moscovo. E talvez não seria mal começar a perguntar-se por qual razão as sanções atingem vários oligarcas russos mas fora da lista fica uma pessoa cujo nome é Vladimir Putin*.

Vitória de Pirro

É uma expressão utilizada para se referir a uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis, como explica Wikipedia:

A expressão recebeu o nome do rei Pirro do Epiro, cujo exército havia sofrido perdas irreparáveis após derrotar os romanos na Batalha de Heracleia, em 280 a.C., e na Batalha de Ásculo, em 279 a.C., durante a Guerra Pírrica. Após a segunda batalha, Plutarco apresenta um relato feito por Dioniso de Halicarnasso:

Os exércitos se separaram; e, diz-se, Pirro teria respondido a um indivíduo que lhe demonstrou alegria pela vitória que “uma outra vitória como esta o arruinaria completamente”.

Meus senhores, tal como Pirro, uma outra “vitória” como a invasão da Ucrânia e estamos feitos. Ah, ia esquecer: bom fim de semana!

 

* update: segundo as últimas notícias, Vladimir Puitin foi inserido na lista das pessoas russas cujos bens no estrangeiro foram bloqueados. Pelo contrário, não foi alcançado o acordo sobre a retirada da Rússia do sistema Swift. Unanimidade sobre a exclusão do concurso musical Eurovision 2022.

 

Ipse dixit.

Imagem: Pirro invade a Ucrânia, fotografia por satélite.