Site icon

Geert Vanden Boscche, o veterinário

Dado que Rodrigo, tal como eu, gosta de ficar acordado até tarde, recebi a sua mensagem perto das duas da manhã.

Max, se me permite, veja esse vídeo: e se possível fale alguma coisa a respeito. É de suma importância!!!

Muito obrigado.

Sou eu que agradeço!

Estava quase para ir a deitar-me mas o vídeo foi uma boa desculpa para ficar acordado mais um pouco. Sinceramente, comecei a ver o vídeo de forma bem desconfiada, nem pensava em publica-lo: ao longo da vida de Informação Incorrecta foram enviados muitos vídeos “urgentes” que antecipavam o fim do mundo. E com as primeiras imagens, quando apareceu o apresentador Dell Bigtree, tinha a sensação de estar perante dum vendedor dum kit de panelas com fundo 100% cobre com uma esponja em oferta.

Depois começou a vídeo-entrervista com Geert Vanden Boscche e as coisas ficaram diferentes.

Vanden Boscche afirma ter trabalhado em programas de topo com empresas de todo no âmbito da vacinação: Fundação Bill and Melinda Gates, GSK, Novartis, Solvay e GAVI (Global Alliance for Vaccine and Immunisation). A especialização dele é o projecto da vacina e, além disso, Vanden Boscche é um convencido apoiantes das vacinação. Não parece haver dúvidas: sabe do que fala.

E isso, tendo em conta também a ampla eco que este a entrevista teve, convenceu-me a seguir o vídeo e a publica-lo. Mas… antes de passar uma hora na frente do vídeo, talvez seja melhor espreitar quanto encontrado depois.

Para já: eis o vídeo.

O que pensar? A verdade pura e simples é que não tenho conhecimentos suficientes para avaliar o conteúdo deste vídeo, nem para o bem nem para o mal. Então, como sempre nestes casos, talvez a coisa melhor seja procurar algo acerca de quem fala.

Vanden Bossche, como vimos, afirma ter trabalhado nas empresas de topo no mundo das vacinas. No entanto, tem apenas oito pesquisas publicadas, a última das quais em 1995, e nenhuma delas directamente relacionadas com as vacinas. Isso enquanto o entrevistador, Dr. Philip McMillian, é um especialista em dementia.

Mas o que interessa é o seguinte: Vanden Bossche é em primeiro lugar um veterinário. É possível encontrar a sua formação na página do curriculm vitae no blog dele. Tanto a licenciatura quanto o doutoramento, pós-doutoramento e master foram no âmbito da Medicina Veterinária. Só a partir de 2002 Vanden Bossche começou a aproximar-se das vacinas humanas. Não há mal nenhum em ser veterinário, aliás, para quem gosta de animais como é o meu caso trata-se duma das melhores profissões do mundo. Só que “veterinário” não rima com “especialista mundial em vacinas humanas”.

Vanden Bossche afirma ter fundado uma empresa dedicada às vacinas. O que é verdade: a Univac NV. Só que faliu em 2018. Também aqui: nada de mal. Mas agora temos um veterinário com uma empresa falida de vacinas humanas. Continuemos.

Trabalhou com a Bill and Melinda Gates Foundation? Sim, mas ao ler cuidadosamente o curriculum percebe-se que o trabalho de Vanden Bossche na pesquisa laboratorial foi sempre muito limitado. Se é que existiu…

Por exemplo: na Fundação dos Gates, entre 2008 e 2011, inicia a “gerir subsídios em plataformas e programas de vacinas relevantes para a Saúde Global (por exemplo, HIV-1, Malária, Tuberculose, Influenza, Pólio…); estabelecer parcerias internacionais de desenvolvimento de produtos sobre descoberta de vacinas e programas de imunização na Saúde Global (por exemplo, com a Academia, Indústria Biotecnológica, NIH, Welcome Trust, OMS)”. “Gerir subsídios” e “estabelecer parceiras” não é propriamente pesquisa laboratorial.

Na Solvay (2007 – 2008) “é responsável pelo desenvolvimento pré-clínico dos adjuvantes das vacinas contra a gripe, implementação a produção à escala comercial de métodos baseados em células e expansão da capacidade de produção de vacinas contra a gripe, de modo a cumprir os requisitos contratuais do DHSS (U.S. Department of Human Health Services)”. Adjuvantes? Expansão da produção? Nada de “genomas” ou coisas assim? Ok.

Antes, entre 2006 e 2007, na Novartis “supervisiona o desenvolvimento pré-clínico da vacina combinada de RSV-Influenza sazonal para idosos e adultos de alto risco, molda o âmbito e a estratégia das tecnologias dos adjuvantes e de administração de vacinas, incluindo a gestão da carteira de adjuvantes, o fornecimento de oportunidades e o estabelecimento de uma equipa interna interdisciplinar […] para a avaliação de oportunidades extramurais relevantes em termos de vacinas”. Adjuvantes, outra vez. E oportunidades extramurais. Ou seja: vendas. Ok.

Em 2017, no Centro Alemão de Investigação de Infecções no Hospital Universitário de Colónia, é “Chefe do Gabinete de Desenvolvimento de Vacinas” onde coordena e gere “uma carteira de projectos de investigação de vacinas translacionais conduzidos em universidades alemãs e centros de investigação” e é “responsável pelo alinhamento estratégico da investigação da infecção translacional”. Mais uma vez: Vanden Bossche “gere”, não pesquisa.

E aqui está o problema: nada disso é investigação. No máximo podemos afirmar que Vanden Bossche é um veterinário que trabalhou na gestão logística e comercial das vacinas e que entende algo de adjuvantes. Pouco para ser definido como um dos máximos especialistas mundiais no caso da Covid-19.

Ainda em 2019, Vanden Bossche trabalhava na VaReCo (não perguntem, não encontrei nada) e prestava “aconselhamento científico a empresas de biotecnologia e saúde animal, bem como a organizações sem fins lucrativos (por exemplo, GAVI, PATH, Fundação Bill & Melinda Gates, GALVmed, NIH, OMS, Academia) sobre intervenções de saúde, assuntos relacionados com imunologia, vacinas e adjuvantes e nutracêuticos, testemunha especializada em litígios relacionados com vacinas”. Esquecemos aquela “saúde animal” (como disse: Vanden Bossche é basicamente um veterinário): mas “testemunha especializada em litígios relacionados com vacinas”?!?

Finalmente, em 2018 começa o trabalho como investigador: “Desenha e desenvolve vacinas baseadas em células NK induzindo respostas imunitárias universais e amplamente protectoras a agentes patogénicos infecciosos e outros agentes imunitários subversivos não infecciosos (em colaboração com a Academia e a Indústria)”.

Ou seja: temos um levíssimo conflito de interesses, pois Vanden Bossche quer entrar em competição com as vacinas actualmente presentes no mercado com um produto baseado nas células exterminadoras naturais ou células NK (do inglês Natural Killer Cell), um tipo de linfócitos citotóxicos do sistema imunitário.

Na internet é possível encontrar mais material. OffGuardian, por exemplo, levanta sérias dúvidas. E há respostas negativas de carácter científico acerca das afirmações contidas na entrevista. Podemos ignorar estas últimas partindo do princípio de que quem defende as vacinas tentará sempre acusar de incompetência quem pensar de forma diferente. Mas Vanden Bossche continua a ser um veterinário que conhece os adjuvantes e pouco mais.

 

Ipse dixit.