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Índia: o estranho caso da Covid que desaparece

Imaginem um País enorme, com um número de cidadãos enorme. Imaginem condições de higiene precárias, doenças endémicas. Muita pobreza. Imaginem que neste País chegue a Covid-19: as medidas de confinamento são uma utopia, a vacinação nem consegue alcançar 1% da população. Lógico pensar que num País assim a situação está fora de controle e o número de mortos deve ser esmagador. Se neste País houver mais de um bilião de habitantes, podemos prever milhões de mortos? Faz todo o sentido. Afinal é duma pandemia que estamos a falar, não duma gripe qualquer, justo?

Não, não é justo. Este País existe, chama-se Índia e agora é apresento como uma “anomalia”. A Covid-19 está em queda brutal, assim como as infecções e as mortes. Que já foram poucas: 1.380.004.385 habitantes, 156.861 óbitos num ano. Vacinas? Um sonho. Lockdown? Sim, experimentem…

Fonte: BBC

 

E os cientistas não entendem. Explica o diário Il Corriere della Sera:

A tendência pandémica na Índia continua a ser um puzzle que surpreende e intriga os cientistas. O número de casos de Coronavírus desceu, tal como o número de mortes, sem necessidade de vacinação em massa […].

Os novos casos tinham atingido um pico de mais de 97.000 por dia em Setembro e desde então caíram para menos de dez mil nos primeiros dias de Fevereiro, estão agora um pouco a subir (13.000 em 23 de Fevereiro e 17.000 em 24 como relatado por Worldometers). As mortes por Coronavírus tinham sido de 1.283 em 15 de Setembro, caíram abaixo de cem por dia desde 13 de Fevereiro e saltaram para 144 em 24. Como é possível tal redução, especialmente se tivermos em conta que apenas 0.8% dos mil milhões e quase 400 milhões de habitantes receberam a primeira dose de vacina?

Ehhhh, um mistério, sem dúvida.

As explicações que os peritos dão são diferentes. Uma é que o número total de pessoas infectadas desde o início da pandemia tenha sido muito superior aos 11 milhões de casos oficiais, provavelmente entre 300 e 400 milhões. Isto pode significar que nas cidades maiores e mais densamente povoadas o vírus correu rapidamente ao ponto de alcançar uma certa imunidade em massa (ou de rebanho). Diz-se que mais de 50% dos habitantes de Deli já foram infectados, de acordo com um inquérito baseado em testes serológicos, e estão portanto um pouco imunizados. A proporção em Bombaim (Bombaim) é referida como sendo próxima de 60%, em Pune acima de 80%. Em Calcutá (Calcutá) já ultrapassava os 25% em Setembro último.

Aparentemente uma explicação possível mas… Mas que não concorda com as outras explicações fornecidas até agora. Por exemplo: e os mortos?

Reparem nestes números:

Se os casos na Índia não tivessem sido 11 milhões mas 20 ou 30 vezes mais, o número de óbitos não deveria ser proporcional?mente mais elevado? E que dizer do efeito rebanho? O que é explicado é que tal efeito só pode ser alcançado com uma imunização elevada, de 70% ou mais. Em Deli fala-se de 50% de infectados (“fala-se” pois os dados oficiais são inferiores). Depois podemos falar da duração da imunização, acerca da qual nada oficialmente é sabido. Nem vale a pena mencionar as vacinas: 0.8% numa população de quase 1 bilião e 400 mil habitantes é nada.

E voltando ao efeito rebanho, eis um óptimo exemplo de jornalismo sem sentido ao serviço da vacina. Continua o Corriere:

Isto não significa de forma alguma que a Índia tenha alcançado a imunidade do rebanho: indica certamente que esta imunidade pode ser alcançada e quando e onde isto acontecer a expansão do vírus colapsa.

Tradução: a Índia não alcançou a imunidade de rebanho, ora essa; no entanto alcançou a imunidade de rebanho porque só assim explica-se a queda de infecções e mortes que acontece na Índia.

Mas alguém não concorda. Bhramar Mukherjee, professor de bioestatística e epidemiologia na Universidade de Michigan (EUA):

Ainda não temos explicações das causas. Mas sabemos que a Índia como nação está longe da imunidade do rebanho.

Portanto; nada de imunidade de rebanho na Índia. Poucos testes? Não, nem isso: em proporção, a índia testou mais do que o Brasil.

Outra possibilidade: será que um grande número de pessoas infectadas não tem quaisquer sintomas ou tem uma infecção muito ligeira? Partha Mukhopadhyay, um membro sénior do Centro de Investigação Política de Deli:

Se tivéssemos tido um grande número de casos muito ligeiros ou assintomáticos, talvez já tivéssemos atingido um limiar de imunidade do rebanho. Se é esse o caso, ainda temos de explicar porque é que tantos casos indianos foram ligeiros.

Como relata a BBC:

Os cientistas atribuíram também as baixas mortes a uma população jovem, imunidade protectora, uma vasta população rural com ligações negligenciáveis com as cidades, genética, higiene deficiente e amplas proteínas protectoras dos pulmões.

Sim, leram bem: entre as razões é listada também a “higiene deficiente”. Mais sujidade assusta o vírus. Álcool-gel? Não brinquemos: lama e poluição é a receita.

Apesar de não perceberem o que se passa no País, os profissionais de saúde continuam a espalhar o pânico. O Dr. V Subramanian, especialista em doenças infecciosas do Hospital Apollo durante um evento organizado pela Neuberg Diagnostics, empresa indiana que casualmente produz meios diagnósticos:

Países como o Reino Unido, os EUA, o Brasil e na Europa, que estão três-quatro meses à frente da Índia em termos da pandemia, viram a sua segunda vaga. Também virá à Índia, mas será mais suave e, espera-se, mais rápido do que a primeira vaga, pois apenas 6% da população está acima dos 60.

“Estão três-quatro meses à frente da Índia em termos da pandemia”. O primeiro caso de Covid-19 na Índia foi relatado em 30 de Janeiro de 2020. O primeiro caso na Europa (em Italia) foi em 21 de Fevereiro de 2020, no Brasil foi em 25 do mesmo mês. Pelo que: as excelentes condições higiénicas e o poderoso sistema de saúde indiano conseguiram atrasar a “pandemia”. Faz todo o sentido.

 

Ipse dixit.

Imagem: a Índia está naturalmente protegida contra as infecções virais.