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Eliminar os extremos, convergir na normalidade

Durante as últimas semanas, inteiras multidões de génios, aqueles que simplesmente não conseguem entender nada daquilo que se passa, têm-se deleitado com a censura que os meios de comunicação social infligiram ao ex-Presidente Trump e, mais no geral, a todos aqueles que não estavam contra ele ou, simplesmente, tentavam raciocinar duma forma autónoma. A censura era coisa boa e justa porque atingia indivíduos perigosos, tendencialmente fascistas (sim, ainda há quem utilize termos como este). E não adiantava explicar que a tentativa não era defender Trump enquanto santo ou herói mas sim defender alguns conceitos democráticos basilares, como  a liberdade de expressão. Ou, no caso norte-americano, opor-se à normalização dos oligarcas de Silicon Valley que controlam o discurso político global nas plataformas sociais da internet.

Tudo inútil. Aqueles que se opunham ao controlo autoritário destes novos monstros digitais, aqueles que lutavam contra a institucionalização da censura do discurso público, todos eles eram obrigatoriamente “fascistas”, “racistas” e outras coisas que acabam em “-istas”.

Antifa, Esquerda…

O que se passa agora é que, tendo atingido o objectivo, os poderes começaram a purgar as contas das redes sociais do “outro lado” também, dos “antifascistas”: organizações socialistas alvos de Facebook, contas associadas ao Antifa suspensas no Twitter. Os úteis idiotas já não prestam e podem ser descartados.

O World Socialist Website relata que Facebook purgou as páginas e as contas de Esquerda contra a guerra, incluindo contas de membros proeminentes do Socialist Equality Party (“Partido Socialista para a Igualdade”), movimento político global com sede também nos Estados Unidos e filiado ao Comité Internacional da Quarta Internacional. Facebook também desactivou a página do Comité Rank-and-File dos condutores de autocarros de Londres, criado com o apoio do Partido para a Igualdade Socialista do Reino Unido para organizar protestos contra as insuficientes medidas anti-Covid.

Tudo aconteceu de uma forma suja porque, enquanto tentavam recorrer da eliminação das contas, os banidos receberam uma mensagem de erro que rezava “Não podemos rever a decisão de desactivar a sua conta”. Ámen. E bem vindos no mundo real.

O New York Post informa que Twitter suspendeu várias contas com ligações ao movimento Antifa (que tem mais de 71.000 seguidores) enquanto também o espaço de TheBaseBK, a conta do centro anarquista em Brooklyn, está offline. Em Italia, a app do Manifesto (oficialmente uma publicação comunista) foi removida de Google Play, sem aviso.

Estas medidas chegam após a maciça purga dos textos pró-Trump actuada depois da “revolta” do Capitólio, purga que foi apoiada por muitos liberais. É uma censura que surpreende apenas aqueles que não compreenderam nada sobre a situação. Mesmo que ZomBiden se tinha frequentemente gabado de ser o autor do Patriot Act, mesmo agora que manifestou a intenção de aprovar novas leis contra o terrorismo doméstico (o que irá aumentar exponencialmente o controlo sobre os cidadãos), estas mentes excelsas não conseguem ver além da cor partidária. Não é novidade, com certeza: mas neste altura deveria ser evidente aos olhos de todos o que se está a passar. Mas não, a cegueira partidária continua.

Menos social, mais “normalidade”

Paralelamente, avança a guerra entre social media: o objectivo é reduzir os canais de comunicação ou obriga-los a dobrar-se perante a nova “normalidade”.

Marc Ginsberg, antigo embaixador dos EUA em Marrocos, apresentou uma queixa contra a Alphabet Inc, proprietária de Google, num tribunal da Califórnia para forçar o gigante de Internet a retirar a app Telegram da sua loja Google Play. Segundo Ginsberg, Telegram, especialmente após o assassinato de George Floyd, facilitou a propagação de “violência, extremismo e anti-semitismo”. Ginsberg, democrata e consultor da Rand Corporation, é o fundador do movimento Coalition for a Safer Web, que pode contar, entre outros, com Dan Shefet (especialista da UNESCO, consultor do Conselho da Europa), Michael Steele (ex-Governador do Maryland, republicano mas apoiante de Biden, do Aspen Institute), Lester Crown (filantropo, Council on Foreign Relations), Shelby Coffey III (ex-CNN e ABC, agora Council on Foreign Relations): portanto, uma organização politicamente transversal que reúne democratas e republicanos, agora unidos contra Telegram que, segundo as acusações, foi utilizado para ameaçar, encorajar e coordenar a violência racista.

Antes tinha sido Parler, o social estadunidense com uma significativa base de utilizadores apoiantes de Donald Trump; agora é Telegram, o social open source com mais de 500 milhões de utilizadores por mês em todo o mundo.

A realidade é bastante simples: estamos num caminho de censura maciça contra tudo o que não se enquadra no poder. Os Congressistas democratas Anna Eshoo e Tom Malinowski pediram oficialmente que os administradores de Facebook, Twitter e Youtube censurem conteúdos que reforcem “os preconceitos políticos existentes, particularmente os que se enraízam na raiva, ansiedade e medo” e que favoreçam “a poluição das mentes americanas”. Note-se que estas fórmulas são um cheque em branco, que não dizem nada de específico e colocam qualquer página política de internet na mira. Os “progressistas” (na verdade um grupo particularmente conservador) entendem cortar os radicalismos para que tudo possa confluir numa suave e incolor “normalidade”.

É bastante claro que endossar a censura de alguém significa endossar potencialmente a nossa própria censura também: quem tenciona questionar o poder e as suas formas deve opor-se a qualquer “normalização”, mesmo que isto possa parecer prejudicial numa primeira fase. Apoiar a censura contra os adversários políticos não é apenas obtuso, é um autêntico suicídio, porque os gestores do “pensamento único” precisam do consentimento público para prosseguirem o trabalho de selecção das ideias: o totalitarismo ganha desde que o poder seja capaz de manter a ilusão de liberdade e democracia. Não é uma questão de Esquerda ou de Direita: o totalitarismo ganha ao censurar os nossos adversários porque sabe que amanhã será a nossa vez. Tão difícil entender isso?

 

Ipse dixit.