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Racismo, anti-racismo, rãs e bois

Não há apenas o fascismo dos anti-fascistas, mas também há o racismo dos anti-racistas. Sabemos o que aconteceu em Paris durante o jogo entre a equipa do Paris Saint-Germain (PSG) e os turcos do Basaksehir. Resumindo: por volta do quarto de hora do primeiro tempo, o jogador francês Kimpembe comete uma falta, o banco turco protesta pedindo um cartão amarelo, em particular muito agitado fica Achille Webo, o adjunto do treinador. O “quarto homem” (o quarto árbitro em campo), que é romeno como toda a equipa de arbitragem e que entre outras tarefas tem aquela de manter os bancos adversários calmos e separados, dirige-se ao árbitro, o compatriota Hategan, para assinalar o comportamento impróprio do banco turco. O árbitro pergunta em romeno quem é o principal culpado. “É aquele negru“, responde o quarto homem.

Minha Senhora Santíssima das Sete Dores e dos Quatro Remédios! Negru?!?!

Webo parece ter sido mordido por uma tarântula, começa a gritar Why say negro! Why say negro! Why say negro! (Porque dizes negro!”) e depois You can’t say negro (“Não podes dizer negro!”). O árbitro tenta explicar que negru em romeno não tem conotação depreciativa: e tem razão, pois negru em romeno é apenas o nome da cor, não tem nada a ver com nigger ou coisas assim. O banco do Basaksehir é ocupado por uma maioria de jogadores brancos, pelo que a expressão do quarto homem deve ser avaliada como se entre um grupo de cabeludos ele tivesse apontado o único careca.

Mas nada, começa o tumulto com os jogadores turcos que, seguidos pelos do PSG, deixam o estádio em protesto (evitando desta forma disputar um jogo que teriam perdido). O caso torna-se político e internacional: o Presidente turco Recep Tayyip Erdoğan sente-se em dever de dizer a sua, condenando “o episódio de racismo”. Erdoğan não tem problemas em atirar para a cadeia centenas de opositores políticos ou curdos, mas ao ouvir negru o seu coração desfaz-se em pequenas lágrimas de dor que vão compor um terço de sofrimento.

As duas equipas retiram-se do campo de jogo sem o consentimento do árbitro. Porque estes são tempos em que para respeitar as ideologias (não todas, claro, só as escolhidas) é preciso negar a evidência. Estás no meio dum jogo, alguém do banco ultrapassa os limites, nem podes ver o número da camisola (não tem, é um adjunto!) e não te lembras do nome dele: o que fazes? Simples: podes dizer “aquele careca”, “aquele com bigodes”, “aquele baixinho” ou, no caso dum jogador de cor mais escura, “aquele com o tom da pele que não posso nomear porque recuso discriminar as minorias étnicas só por via de factores genéticos que não podem constituir barreiras entre os seres humanos. A propósito: Black Live Matters”. Não é difícil, com um pouco de treino chega-se lá.

Tudo isso porque o futebol assumiu dimensões tão inflacionadas, tanto económicas como tecnológicas, que tudo, mesmo a coisa mais inocente, pode ser explorada do ponto de vista ideológico. E porque na nossa sociedade a hipocrisia foi eleita como norma.

Há alguns dias uma futebolista espanhola recusou juntar-se ao minuto de silêncio em honra de Maradona. Teoricamente um gesto correcto, corajoso, porque Maradona fora do campo não deve ser trazido como exemplo. Na realidade um gesto estúpido porque ideológico: o futebol limitava-se a homenagear o seu melhor intérprete de sempre, nada mais. A ideologia deveria permanecer fora do campo de jogo: no campo apenas joga-se, caso contrário já não é futebol (e não é, infelizmente).

O futebol, ao contrário do rugby, do voleibol, do hóquei e de outros desportos “menores”, inchou como a rã de Esopo e, como toda a nossa sociedade, vai chegar ao mesmo fim.

Um salto até o outro lado do Canal da Mancha. O avançado de Leicester City, Jamie Vardy, marca o golo do 2 -1 ao minuto 90 contra a equipa do Sheffield United; exaltado, festeja, corre e atropela a bandeira do canto. Infelizmente para ele, não é a normal bandeira amarelada: esta é a bandeira arco-íris do movimento LGBT. Horror!

O gesto não passou despercebido ao árbitro, que mostrou o cartão amarelo ao jogador. Mas isso é nada: imaginem o que aconteceu nas redes sociais! Acham que alguém perguntou “Mas que raio fazia a bandeira do Movimento LGBT+ no relvado?”. Porque afinal é um jogo de futebol, não deveria haver ideologia no relvado. Não, ninguém perguntou algo do género porque na nossa sociedade “politicamente correcta” há a ideologia “politicamente correcta” que deve ser partilhada e aplaudida pelos adeptos, todos e sem excepções (chama-se esta “liberdade de expressão”), mesmo impingida numa manifestação que de ideológico nada deveria ter.

E não adianta explicar que Vardy tinha marcado um golo significativo contra os grandes rivais desportivos, num jogo que o Leicester ganhou após duas derrotas consecutivas, e que o atleta tentou voltar a hastear a bandeira esmagada. Por exemplo, Twitter:

Posso estar a ler demais sobre o assunto, mas Vardy nunca fez isto a uma bandeira de canto normal. Assim que é uma bandeira que apoia o orgulho gay, ele destrói-a.
Envia uma mensagem horrível. Fico furioso.

Não é verdade: não é nada difícil encontrar em internet o mesmo Vardy que esmaga bandeiras de canto “normais” porque este é um gesto de frustração ou de libertação fruto da tensão acumulada durante o jogo. Não é complicado entender isso. Mas não, “Vardy é homofóbico” e ponto final.

 

Bónus: A Rã e o Boi (Esopo, séc. VII – VI a.C.)

Uma vez uma rã viu um boi num prado. Apreendida com inveja pela sua imponência, a rã começou a inchar a sua pele enrugada. Perguntou então aos seus filhos se ela se tinha tornado maior do que o boi. Responderam que não. Imediatamente ela começou a inchar novamente com maior esforço e de novo perguntou quem era maior.
Eles responderam: – O boi.
Decepcionada, ela queria inchar cada vez mais, mas explodiu e morreu.

 

Ipse dixit!