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O vulcão esquecido da Nigéria

Enquanto os media alternativos de meio mundo atiram para a atmosfera excruciantes dores por causa da Venezuela, outras tragédias são alegremente ignoradas, mesmo que o assunto esteja relacionado com um outro País que vive mergulhado no petróleo, mesmo que a situação do ponto de vista económico e social seja até bem pior. Mas afinal a Nigéria é ignorada por qual razão? Talvez por não ficar na América do Sul mas na África ou, mais simplesmente, por ser ainda mais pobres da Venezuela. Fica a dúvida e a curiosidade, porque se na Venezuela o terror das belas almas é que os poços de petróleo possam ficar nas mãos das companhias petrolíferas do costume, na Nigéria as reservas já estão nas mãos das ditas cujas, pelo que uma maior atenção ao caso nem seriam tão mal assim.

As eleições

Mas vamos aos factos: mais de 190 milhões de pessoas estão sentadas à beira da cratera de um vulcão, que pode explodir em qualquer altura. E este vulcão é a Nigéria, um gigante africano em contínua fibrilação por razões étnicas, sociais, económicas e religiosas: País onde neste fim de semana foi votado para as eleições presidenciais e para o Parlamento.

Os terroristas islâmicos Boko Haram, previamente inspirados pela filosofia do defunto Isis, “baptizaram” as eleições com uns quantos jihadistas que desencadearam o inferno em Geidam, no Estado de Yobo, no nordeste do País. Bombas e Kalashnikov impediriam que muitos eleitores pudessem ir às urnas. Centenas fugiram, abandonando precipitadamente a cidade e procurando abrigo na zona rural. Mesma situação de tensão com tiros e caos em Maiduguri (Estado de Borno), a “capital” de Boko Haram: nos ataques morreu um soldado e três outros ficaram feridos. Relatos não confirmados também falam de sessenta mortos em confrontos na passada Quinta-feira no noroeste, em Danjinga (Estado de Zamfara) e de outras quatro pessoas mortas no sul, no Estado de Rivers.

De acordo com a BBC britânica, os boletins de voto já estão a ser escrutinados mas é demasiado cedo para ter as primeiras notícias confiáveis. O actual Presidente Buhari parece ser o favorito, o que não é propriamente uma boa notícia consideradas as condições nas quais se encontra o País. Lembramos que era suposto votar há uma semana, mas tudo foi adiado por causa do “mau tempo”, os primeiros relatos de fraude, problemas na registração dos candidatos e o medo de ataques kamikaze.

Resumindo: um caos. Tanto para ter uma ideia: há nada menos que 73 candidatos presidenciais, embora os favoritos sejam o já citado Buhari e o antigo Vice-Presidente Atiku Abubakar.

Petróleo e Sharia

A Nigéria vive uma grave crise económica e um desemprego muito elevado (23%), especialmente para os jovens, apesar de estar mergulhada num mar de petróleo. Mas a Nigéria não é apenas ouro negro (do qual é o primeiro exportador africano): os recursos minerais incluem também carvão e estanho, os principais produtos agrícolas são óleo de palma, coco, cítricos, milho, mandioca, inhame e cana-de-açúcar. O PIB (Produto Interno Bruto) é o mais alto no Continente Negro, mas metade da população tem que contentar-se com cerca de cinquenta Dólares por mês, além de não ter conexões eléctricas. Mas pior do que a falta de luz é sem dúvida o estado de guerra civil permanente, determinado pela divisão do País em duas zonas: a norte da linha imaginária há os habitantes muçulmanos, a sul a população é animista e cristã.

Nos últimos anos, aconteceu de tudo um pouco: assassinatos aleatórios, sequestros, assaltos a igrejas (mas também mesquitas), violência gratuita. Na base Boko Haram, a sangrenta formação fundamentalista que está a virar a Nigéria de cabeça para baixo e que até hoje tinha sido subestimada pelas agências de inteligência e diplomacia ocidentais. Um erro com consequências nefastas, porque foi negligenciado o facto de que a Nigéria, neste momento, é um dos Países africanos com maior risco de explodir (ou implodir, tanto faz). E as perspectivas não são animadoras: de acordo com os estudos demográficos, a Nigéria, nesse ritmo, deverá ter 800 milhões de habitantes no final do século (agora são 200 milhões). Quem vai alimentá-los?

Desde o seu reaparecimento, os guerrilheiros do Boko Haram, antes ligados a Al-Qaeda, hoje herdeiros espirituais do defunto “Califado” islâmico, aumentaram o raio de acção. O objectivo é impor a Sharia, a lei islâmica, que considera o código penal ultrapassado e usa meios mais rápidos como apedrejamento para adúlteras e mãos cortadas para ladrões.

A dúvida é: como é que um movimento como este consegue vingar? E aqui temos que voltar ao lado político da coisa: a classe gerente da Nigéria está podre, a corrupção domina incontrolada. Lógico o sucesso dum movimento que promete “limpeza”. Somamos a complicada situação étnica: a Nigéria é uma quebra-cabeça de raças, etnias, frequentes os choques entre as várias tribos. A força destes factores não pode ser subestimada: hoje, os velhos ódios tribais e étnicos sobrepuseram-se aos problemas económicos para a exploração dos recursos minerais e do petróleo bruto. Muçulmanos no norte e cristãos no sul espreitam uns para os outros, sempre prontos para desencadear batalhas que poderiam transformar-se numa autêntica guerra de religião, com resultados devastadores para toda a África Central.

A situação é muito séria porque Boko Haram é mais forte hoje: os seus líderes foram doutrinados e treinados no Afeganistão, na Argélia e na Somália. E não parece ter problemas de dinheiro: entre os que patrocinam Boko Haram há políticos locais, especificamente o governador de Kano, Ibrahim Shekaraue e o governador de Bauchi, Alhaji Isa Yuguda, ambos em conflito com o governo central. Depois, além da rede terrorista, há também as ONGs islâmicas que patrocinam, principalmente a Al-Muntada al-Ilsami Trust com sede em Londres (mas originária de Dubai) e a Sociedade Mundial Islâmica da Arábia Saudita: não é difícil imaginar quem fica atrás destas siglas, pois não?

Boko Haram, o Isis em versão nigeriana. Mais uma vez, notar a presença da Toyota, que nesta altura pode ser legitimamente considerada como sponsor oficial do terrorismo islâmico.

Divide et petroleum

Dúvida: mas qual o fim? Por qual razão desestabilizar o País? A razão é, mais uma vez, o petróleo. Hoje a Nigéria é de facto uma propriedade da Shell (mas não faltam Chevron, Exxon Mobile, Total, Texaco…), que exporta o crude local primariamente para Estados Unidos, Índia, Brasil, Espanha, França e Holanda: mas o que poderia acontecer se o País conseguisse uma verdadeira independência política? Por exemplo, poderia nacionalizar a industria petrolífera e pôr em risco as actividades das companhias ocidentais. As forças externas que financiam a campanha de violência de Boko Haram estão empenhadas em evitar este cenário: explorar a tensão entre os dois maiores grupos religiosos da Nigéria é o objectivo, porque uma Nigéria dividida e em guerra corresponde aos interesses dos Estados Unidos.

Para a África, Zbigniew Brzezinski (o principal assessor de Barack Obama e também principal teórico da política externa dos EUA) recomendava o chamado conceito de “micro-nacionalidades”, o que significa que as fronteiras nacionais estabelecidas no século XIX devem ser deixadas de lado em favor de uma conjunto mais amplos de entidades tribais, cada uma tão pequena que não poderia resistir a uma multinacional de tamanho médio. Boko Haram, atrás da bandeira do Islão, está a fracturar a Nigéria segundo o desenho de Brzezinski, que ainda é o plano da política americana para a África. Pelo menos naquela parte de África onde houver petróleo e que é ignorada pelo resto do planeta.

 

Ipse dixit.

Fontes: Remo Contro, Gli Occhi della Guerra, Global Research