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Poluição Parte III: os navios

Antes de mais a boa notícia: [wiki]Arnold Schwarzenegger[/wiki] visitou o COP24 no segundo dia dos trabalhos. Isso é muito importante.

Depois temos as declarações de alguns convidados ilustres. Em 3 de Dezembro de 2018, [wiki]David Attenborough[/wiki], Ordem de Mérito, Ordem dos Companheiros de Honra, Real Ordem Vitoriana e Excelentíssima Ordem do Império Britânico disse aos delegados da conferência:

Neste momento, estamos a enfrentar um desastre de escala global causado pelo homem, a nossa maior ameaça em milhares de anos: a mudança climática. Se não agirmos, o colapso da nossa civilização e a extinção de grande parte do mundo natural está no horizonte.

E já que estamos aqui é bom relembrar outra frase célebre do simpático David, desta vez acerca de Donald Trump:

Temos algum controle ou influência sobre as eleições americanas? Claro que não. Poderíamos atirar nele, não é uma má ideia.

Em 4 de Dezembro de 2018 é a vez de [wiki base=”EN”]Greta Thunberg[/wiki], activista da mudança climática nos últimos 15 anos:

O que esperamos conseguir é perceber que estamos diante de uma ameaça existencial. Esta é a maior crise que a humanidade já enfrentou. Antes temos que entender isso, depois travar as emissões o mais depressa possível e tentar salvar o que podemos salvar.

No mesmo dia eis o 14º [wiki title=”Tenzin Gyatso”]Dalai Lama[/wiki]:

É uma questão que afecta toda a humanidade, e este é o único lugar vivo. É a nossa única casa Temos que tomar uma acção séria para proteger o nosso meio ambiente.

Curioso que falar de COP24 é como tratar dos Illuminati: quase não há notícia nos órgãos de comunicação. Nos principais diários de Italia, Portugal ou Brasil a conferência não merece a primeira página e fica despachada com poucas linhas antes do desporto. É que a ler as declarações dos convidados estamos à beira do fim da Humanidade…

E agora vamos falar de coisas sérias. O nosso sistema é concebido para ser um grande e “livre” mercado: hoje isso significa que o mercado é o planeta todo, porque as distâncias são ou anuladas ou fortemente reduzidas. Na época da globalização escolhe-se um produto online, este é produzido quem sabe onde e depois é transferido até o comprador que mora quem sabe onde. O problema é que para ligar estes dois “quem sabe onde” é precisa energia sob forma de combustível. Já vimos o papel dos aviões, mas para atravessar os mares o meio de excelência é o navio: é desta forma que viaja a maioria das mercadorias. Tudo isso não é uma novidade: há milénio que o homem utiliza as vias de água. Só que antes utilizava a sua própria força ou o vento para mexer-se, agora utiliza os combustíveis. E os combustíveis poluem.

Os navios

Não vamos falar dos desastres ambientais provocados por naufrágios ou colisões: óbvio demais e acontecimentos pontuais. Vamos falar do normal funcionamento dum navio. O impacto deste meio de transporte no meio ambiente inclui, por exemplo, as emissões de dióxido de carbono: entre 4% e 5% do total global. Pouco? Fiquem descansados: a [wiki]Organização Marítima Internacional[/wiki] (OMI) acredita que aumentará até 72% em 2020 se nenhuma acção for tomada contra este problema.

Mas não há apenas o dióxido de carbono: tomara que o problema fosse só esse, porque na verdade os navios poluem de várias formas.

Água de lastro

Navios de cruzeiro, grandes petroleiros e navios de carga usam uma grande quantidade de [wiki title=”Água de lastro”]água de lastro[/wiki], que é frequentemente “pescada” em zonas costeiras onde anteriormente outros navios a tinham despejado. Há portanto um círculo vicioso que tem como protagonista água que geralmente contêm uma grande variedade de materiais biológicos, tais como plantas, animais, vírus e bactérias. Esses materiais transportam espécies não-nativas para lugares onde não seriam encontradas, causando danos muito sérios ao ecossistema aquático.

Poluição sonora

A poluição sonora causada por navios e outras actividades humanas tem aumentado ao longo da história recente. De facto, o ruído produzido por algumas embarcações podem percorrer longas distâncias: as espécies marinhas que dependem dos sons para orientar-se (a chamada [wiki title=”Ecolocalização”]ecolocalização[/wiki]) mas também para comunicar e comer podem ficar danificadas por esses sons.

Impacto dos navios na vida dos animais

Os mamíferos marinhos, como baleias e peixes-boi, têm boas probabilidades de atingidos por navios, sofrendo ferimentos graves que até podem causar a morte. De acordo com um estudo de 2007, mesmo que um navio viaje a uma velocidade de apenas 15 nós, há 79% de chance de haver uma colisão com uma baleia (dependendo das zonas, como é óbvio).

Um exemplo notável do impacto que as colisões entre navios e animais marinhos podem ter é proporcionado pela baleia do Atlântico Norte, um animal em risco de extinção, da qual restam apenas entre 300 e 400 exemplares. O maior perigo para este mamífero é representado pelos choques com os navios: entre 1970 e 1999, 35.5% dos óbitos registrados foram atribuídos a esse tipo de acontecimento.

Gás de escape

Os gases de escape dos navios são uma fonte importante de poluição do ar, com uma contaminação que varia de 18% a 30% de óxido nítrico e 9% de óxido de enxofre. Desde 2010, mais de 40% da poluição atmosférica presente em terra provém dos navios. Repetimos: quarenta por cento.

O enxofre no ar dá origem às chuvas ácidas, o que prejudica as culturas e os edifícios; se inalado, pode causar problemas respiratórios e aumentar o risco de ataques cardíacos. O combustível utilizado nos navios petroleiros e naqueles que transportam contentores contém muito enxofre, porque é de escassa qualidade mas contem os custos; a consequência é que emite cerca de 50 vezes mais enxofre do que um camião por tonelada de carga transportada.

Além da utilizar carburantes de escassa qualidade, os motores Diesel de muitos navios queimam óleo combustível com elevado teor de enxofre, o que emana grandes quantidades de dióxido de enxofre, óxidos de azoto e partículas em suspensão, às quais devem ser adicionados o monóxido de carbono, o dióxido de carbono e os hidrocarbonetos. Todas emissões cancerígenas. A [wiki title=”Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos”]Environmental Protection Agency[/wiki] reconhece que as emissões dos motores diesel marítimos contribuem não apenas para manter baixa a qualidade do ar, mas também para provocar outros efeitos negativos como neblina, chuva ácida, eutrofização e nitração. A própria EPA estima que os motores diesel dos navios de grande porte respondem por cerca de 1.6% das emissões móveis de óxido de nitrogénio e 2.8% das emissões de poeira fina móvel nos Estados Unidos da América.

Resíduos sólidos

Os resíduos sólidos produzidos por um navio incluem latas de vidro, papel, cartão, plástico, alumínio e metal. Os resíduos sólidos que entram no oceano podem ser transportados para as costas e podem ameaçar organismos marinhos e humanos, comunidades que vivem no litoral e até indústrias que usam a água do mar. Os navios de cruzeiro lidam com esse lixo com tratamentos especiais, incluindo a reciclagem. No entanto, 75% são incinerados a bordo e a cinza é geralmente dispersa no mar. Em média, cada passageiro de um navio de cruzeiro gera cerca de 907 gramas de resíduos sólidos por dia, mas em navios maiores numa semana podem ser alcançados cerca de 8.130 kg.

Água dos porões

Muitas vezes num navio acontece que o óleo sai dos motores e das máquinas ou dos porões, a parte inferior do casco. O petróleo, a gasolina e os subprodutos da decomposição do óleo biológico são prejudiciais para os peixes e a fauna em geral. Normalmente, um grande navio de cruzeiro produz 8 toneladas de água oleosa por cada 24 horas de actividade. Para garantir a estabilidade do navio e eliminar condições potencialmente perigosas resultantes da inalação desses odores, as águas dos porões devem ser periodicamente descarregadas e bombeadas. No entanto, antes que esses ambientes possam ser limpos e a água descarregada, o óleo acumulado deve ser extraído e reutilizado, incinerado e / ou descarregado no porto. Se um separador, que normalmente é usado para extrair o óleo, estiver com defeito, o óleo será descarregado no mar, onde danifica o meio ambiente: por essa razão, a lei proíbe as descargas no mar, mas é frequentemente violada. Não são raras as notícia de navios apanhados a “limpar” o interior e a descarregar os resíduos no mar.

Os navios de cruzeiro

O maior problema são os petroleiros? Sim e não. Sim se consideramos os acidentes que comportam derrames de combustível no mar. Não se consideramos o normal funcionamento dum navio.

Um dos principais tratados internacionais estipulados para combater o problema da poluição naval é a [wiki]Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar[/wiki], que também inclui a proteção das espécies marinhas. É apenas um entre os tratados acerca do assunto, mas tal como os outros são inadequados. No geral, estes tratados tendem a enfatizar as características técnicas das medidas de segurança e de controle da poluição sem ir até as raízes do problema: a ausência de incentivos para respeitar as normas, a falta de aplicabilidade destas medidas ou simplesmente o desejo de acumular lucro.

O problema é que os navios de cruzeiro destacam-se pela negativa: estão isentos de muitas dessas regulamentações.

Os navios de cruzeiro descarregam 255.000 galões (965 m³) de águas residuais e outros 30.000 galões (114 metros cúbicos) de água com fezes todos os dias, para um total de 285.000 galões (1.079 m³) de verdadeiro esgoto. Estes navios de prazer descarregam as águas de lavatórios, chuveiros, cozinhas, lavanderias e de todas as outras actividades de limpeza. Estas águas contêm grandes quantidades de poluentes, como detergentes, óleos, gorduras, metais, compostos orgânicos, hidrocarbonetos, restos de comida ou bactérias. Estima-se que entre 110 e 320 litros por pessoa e por dia sejam produzidos a bordo: um navio de cruzeiro com 3.000 pessoas produz entre 330.000 e 960.000 litros desta água residual por dia.

Apesar dos esforços feitos por algumas empresas, a poluição causada pelos navios de cruzeiro continua a ser enorme. Se as companhias [wiki]Hapag-Lloyd[/wiki] e [wiki title=”TUI AG”]TUI[/wiki], graças à instalação de catalisadores para óxidos de nitrogénio, deram um passo pequeno mas importante para ter navios menos poluentes, os líderes da indústria oferecem muito pouco para mostrar que estão preocupados com o meio ambiente e a saúde das pessoas. Falamos aqui de [wiki title=”Costa Crociere”]Costa[/wiki], [wiki title=”Mediterranean Shipping Company”]MSC[/wiki] e [wiki title=”Royal Caribbean International”]Royal Caribbean[/wiki] .

Um navio de cruzeiro de porte médio queima até 150 toneladas de combustível por dia, emitindo um número de partículas comparáveis ​​a um milhão de carros e, mais uma vez, é bom lembrar que as emissões dos motores diesel utilizados nos navios de cruzeiro são classificadas como cancerígenas pela Organização Mundial de Saúde. Quanto cancerígenas? A bordo dum navio de cruzeiro podem ser registrados níveis de partículas ultrafinas (particulado) até 200 vezes superiores aos presentes no ar limpo.

Apesar de declarar que cada vez mais navios de cruzeiro são limpos e ecológicos, a atenção do sector em relação ao meio ambiente permanece baixa. A falta de intervenção das grandes companhias (tais como Costa, MSC e Royal Caribbean) para melhorar o desempenho ambiental dos seus negócios coloca os seus próprios clientes, os moradores das cidades portuárias e o clima em risco.

Aviões, navios e desinformação

Nestes três artigos vimos o papel preponderante da poluição gerada por industrias e aquecimento, transporte aéreo, transporte marítimo. Não foram consideradas a poluição rodoviária (todos o carros poluem, sempre, inclusive os eléctricos) e aquela da industria de produção (idem) porque estas já são os temas centrais da conferência COP24. É verdade que COP24 insiste teimosa e estupidamente no assunto CO2 como se o dióxido de carbono fosse o maior de todos os problemas; e sabemos também quais as razões desta atitude (que nada têm a ver com o meio ambiente). Mas a esperança é que, ao lutar contra o bicho papão carbónico, sejam também tomados em considerações os outros poluentes.

Esta é apenas isso: uma esperança, não uma certeza, porque já antes soluções encontradas contra a poluição demonstraram ser contraproducentes. É o caso da gasolina “verde” e dos conversores catalíticos (vulgarmente: os catalisadores) que têm o efeito oposto ao declarado. Mas isso faz parte de algo mais amplo, algo que será enfrentado no último capítulo: a desinformação voluntariamente criada e espalhada acerca deste assunto.

 

Ipse dixit.

Fontes: COP24, GreenReport, GreenPlanner, Sublandia, Nabu, Wikipedia (versão italiana) e ligações para documentos a partir de ligações desta última página, Cruise Law News