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As coisas que este cão sabe… – Parte VII

– Então, escreves:
– Espera, vou ver se os esparguetes estão prontos.
– Mas quanta massa come este gajo?
– Eh?
– Não, nada…estão prontos?
– Não, faltam dois minutos.
– Muito bem, então escreves: Mas eu digo e pergunto, com toda a minha força canina…
– “…canina”
– …afinal quem são estes?
– “Estes” quem?
– Os culpados, entendo.
– Ah, justo.


– Quem fica atrás, nos bastidores, escondido na penumbra como um bando de gatos que apenas tencionam satisfazer a natural sede de sangue?
– Ó Leo, são gatos, não vampiros…
– É a mesma coisa. Quem é? Eh? Porque uma coisa tem que ficar clara:
– “…clara:”
– Vocês, os bípedes, ficaram convencidos de que os políticos são pessoas potentes. Bípedes, como vocês, mas muito mais potentes. Então eu digo:
– “…digo:”
– Não, absolutamente não!
– “…não!”.
– Tens que pôr o ponto de exclamação que esta frase é importante.
– Já está.
– O poder deles é uma pequeno teatro local: têm poder em Paris, em Londres, em Madrid…
– Em Lisboa?
– Sim, mais ou menos…podem gozar de privilégios, e gozam, não há dúvidas. Alguns deles podem até ficar muito ricos. Mas tudo isso não é poder. Sabe, ó Leitor, o que significa verdadeiro poder?
– Que significa?
– Cala-te, tu não és Leitor. Imaginem um homem, apenas um homem, que decida arruinar um inteiro País. Um simples bípede que decide, dum dia para outro, mandar às urtigas um Estado, feito de outros bípedes. Um homem que possa dizer ao governo: “Governo, muda as tuas regras, paga menos as pessoas, privatiza a saúde, a electricidade, a água, os bancos, os comboios, porque se não obedeces ficas arruinado”. Imaginem um grupo de homens que decide não proibir um produto tóxico, que atinge milhões de cidadãos, e se um governo não obedecer então há multas, multas absurdamente elevadas. Imaginem um grupo de homens que cria regras para que as pessoas possam ser exploradas em troca duma miséria de ordenado e que obriga Ministros e media a afirmar que tais regras são boas e justas. Este é poder, este é o verdadeiro poder!
Não esquecer o ponto de exclamação.
– Já está.
– Muito bem.
– Mas Leo, tudo isso não será um pouco exagerado? Que dizer, faz lembrar os filmes de James Bond, com a Spectre…
– Tudo tenho que explicar, tudo mesmo…ora bem, escreves: ponto A
– Eh?
– Não E, mas A
– E ou A?
– Esqueces. Ponto 1: o homem que arruinou a Inglaterra era um especulador cujo nome é George Soros. Os especuladores são homens particularmente ricos que podem fazer diminuir o valor duma moeda até a bancarrota. Injectam no mercado rios daquela moeda e esta acaba por não valer nada.
– Ah, a inflação!
– Isso mesmo. Ponto 2: os homens que podem dizer ao governo para vender os bens públicos são os industriais e banqueiros locais os quais fazem parte dum grupo de negócios internacional, os que emprestam o Euro aos Estados, por exemplo, depois dizem “Uhi aquele Estado como está endividado!”; então eis o pânico e para emprestar o Euro são precisos juros cada vez maiores sobre a dívida e a economia mergulha. E quando a economia está de rastos, são os mesmos que gritam “É preciso privatizar, é preciso vender, o Estado é demasiado gordo, tem de emagrecer”. Então o Estado vende e quem achas que compra os bens e os serviços privatizados?
– Os Chineses?
– Mas não, são sempre eles, as mesmas pessoas. E compram com preços de saldo porque o Estado precisa de dinheiro e depressa também. Ponto 3: os homens que podem obrigar um Estado a não proibir um produto tóxico são aqueles da Organização Mundial do Comércio de Genebra. Fazem regras que são mais potentes do que as nossas leis, são amigos só dos negócios e um Estado não pode opor-se às decisões deles. Ponto 4: depois há os bípedes que podem fazer empobrecer milhões de outros bípedes, os que podem explorar inteiros Países em troca de duas moedas. São os bípedes que trabalham nos grandes bancos criminais, como Goldman Sachs, Bank of America, Morgan Stanley, JPMorgan Chase, Credit Suisse, UBS, e outros ainda.
– Ah, os bancos…
– Olho Max: estes não são os mesmos bancos que podes encontrar à esquina, não trabalham com as contas dos normais cidadãos. Estes são criminais da Primeira Liga, com truques tão sujos que conseguiram vender papel como se fosse dinheiro.
– Ahah, e quem foi tão estúpido de comprar este papel?
– Tu. O teu banco comprou aquele papel com o teu dinheiro. Só que depois o teu banco faliu, então o Estado teve que intervir para salvar o pouco que ainda era possível salvar. E com o dinheiro de quem actuou o Estado se já não pode imprimir a própria moeda? Com a dívida Max, com a Má Dívida. És tu que pagas esta dívida. Pagas isso com os impostos, com o desemprego das empresas que já não conseguem obter empréstimo dos bancos e por isso fecham. Mas cuidado!
– O quê? Que aconteceu agora?
– Nem todas as empresas estão em apuros por causa disso. As grandes empresas não têm problemas aliás, beneficiam desta situação. Porque as primeiras a fechar são as pequenas e médias empresas, então as que sobrarem, as grandes empresas, ocupam o espaço deixado livre. Renault, Siemens, Boeing, Microsoft, Electrolux, General Electric, Procter And Gamble, Alcoa, Caterpillar, Volkswagen, Luxottica, Tod´s…estas são as empresas que não sofrem com a actual situação, pelo contrário. Querem pagar pouco os trabalhadores para poder competir com as empresas asiáticas. E num mundo de desempregados, quem ditar as regras são as empresas.
– Ehi, Leo, espera um segundo. O filho da mercearia da rua aqui, o Nuno, trabalha numa empresa de serralharia, fazem portões, são uns 40, ganha pouco mais de 500 Euros por mês. E ainda bem que trabalha…
– Sim, exacto Max, ainda bem que trabalha. Mas estas são pequenas empresas. São importantes, sem dúvida, pois a maioria dos trabalhadores é empregue neste tipo de empresas, pequenas e médias. Mas sabes uma coisa? Não contam nada, não decidem nada, não podem nada. Antes chega a crise económica que, não esquecer, não é um fenómeno natural mas provocado. Com a crise diminui a riqueza dos consumidores, baixam as vendas das lojas, das pequenas e médias empresas. Depois chega a obrigação de pagar menos os trabalhadores, porque as empresas e as lojas já não vendem, porque a riqueza é escassa, porque “é preciso apertar o cinto”, porque “antes viveram acima das possibilidades”, etc. etc.
– Sim mas assim as lojas e as pequenas empresas conseguem vender ainda menos. Se o trabalhador não ganhar , então não gasta, não é?
– Então? Qual o problema? Mas Max, tu achas que as grandes empresas estão interessadas em vender os produtos aos bípedes de Portugal? Ou de Italia, da França? Os mercados são outros: são a China, a Índia, o Japão, a América. Aí querem competir com bons preços, não aqui. Depois há pequenos donos de empresas que nem percebem e acham que pagar menos o trabalhador é um bem para a empresa. Nem percebem que assim serão obrigados a fechar. Míseros ordenados significa miseráveis vendas. Mas espera, pois falta ainda um ponto.
– Ahe?
– Pois falta. Ponto 5: os que fazem apostas com os orçamentos dos Estados e provocam a ruína de empresas, trabalhadores, governos e, sobretudo, Egg Pounds.
– Eh? Não serão os Hedge Funds?
– Sim, é isso, é que eu com o Inglês…boh, afinal sou africano, não é?
– Sim, de origem. Mas nasceste aqui, és um cão portuguesinho.
– Bom, não vamos falar agora dos Eggs Pounds porque caso contrário a tua massa fica uma porcaria…
– Minha nossa, os esparguetes!
– …mas são organizações de investidores muito, muito potentes, que podem fazer o que mais lhes apetecer, com rios de dinheiro, tipo 40 vezes a riqueza dos Estados Unidos e não é uma maneira de dizer, é mesmo assim,…
– Olha só, ficaram cola…
– …não há um governo que possa regulamenta-los, e fazem parte daqueles que depois gritam “Uhi, como estão endividados” e começa aquele desastre do qual já falei…
– …cola, autêntica cola…
– …agora tenta perceber: todos estes grupos não são necessariamente amigos uns dos outros, aliás, muitas vezes estão em luta entre eles, só que ao serviço deles há políticos, jornalistas, professores universitários que ensinam aquelas teorias económicas que tanto jeito dão…
– …e agora quem come esta coisa aqui?
– …e que ninguém pode combater porque são como o Evangelho. São uma rede potente, pois este é o verdadeiro poder. Ficam reunidos uma ou duas vezes por ano, em clubes privados e…mas estás a ouvir-me?
– …eh? Sim, sim claro…olha Leo, queres comer um pouco de esparguetes acabadinhos de fazer?
– Atordoado…

Ipse dixit.

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