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O eterno Far West: e duas respostas.

Escrevi um artigo sobre as armas e levei na cabeça.

Ainda bem: este blog não divulga a “verdade absoluta”, apenas pontos de vista, que podem estar errados.

Para responder deveria utilizar o espaço para os comentários, mas infelizmente, perante textos compridos, Google diz algo do tipo “Request Too Large“, apaga quanto escrito, frustra o autor que responde com um mini-comentário queixando-se do Google, o qual entretanto publica na mesma o texto comprido.

Uma lógica de funcionamento esquisita, de facto.

Para evitar problemas, vou responder aqui.

Anónimo.

Em primeiro lugar: a coisa que menos gostei não foram as razões contra quanto referido no meu artigo, mas o facto de pensar (ou deixar passar a ideia) de que este blog seja de Esquerda e, sobretudo, da Esquerda mais radical, tipo Comunista.

Disso não estava à espera.

Desde o primeiro dia deixei bem claro que Informação Incorrecta não defende nenhuma ideologia.
Esta não é uma “técnica” para atrair mais leitores; não é uma posição de cómodo; não é a tentativa para disfarçar as minha ideias; não é um “tique” snob. Simplesmente, é a minha real posição.

Passo os dias a pôr em evidência os erros do Capitalismo (ou, para ser mais preciso, deste Capitalismo-Parasitário, pois é necessário distinguir). Mas também é muito simples encontrar artigos que desmontam por completo qualquer teoria Comunista: a minha posição acerca do Caso Battisti e outros artigos acho serem bastante explícitos.

Mas é verdade que não quero cair no erro oposto: “Esta ideia foi de Lenine? Então não pode ser minha”. Mas que mentalidade é esta? Assim como recuso as ideologias, igualmente recuso a maneira de pensar das mesmas: não tenho “barreiras” pre-confeccionadas e não recuso uma ideia só por ter sido divulgada por este ou outro pensador, Comunista ou Capitalista que seja.

Dito isso, vamos ao que interessa.

Segundo quanto o Anónimo afirma, na Suíça, cada sujeito tem uma caçadeira em casa, a criminalidade é muito baixa. O que é verdade.
Parece, portanto, que a difusão das armas trava o crime.

Vamos ver os Estados Unidos: a Segunda Emenda permite que cada cidadão possa ter a própria arma para defender-se. E a criminalidade? Dispara.

O que significa isso? Que 200 milhões de armas nas mãos dos cidadãos não são suficientes? Qual o número mínimo para travar o crime? 400 milhões? 900 milhões? 1 bilião de armas no território pode ser um número suficiente? Porque nos Estados Unidos a equação “1 arma para todos” não funciona, como na Suíça?

Eu acho que o verdadeiro problema não é a posse das armas, mas o cérebro de quem fica com a arma. Dito de outra forma: é o sentido cívico de quem leva a arma consigo que determina a perigosidade da mesma arma.

Conheço muito bem a Suíça, pois tive ocasião de visita-la inúmeras vezes e tenho parentes que ali trabalham.
Se uma pessoa estacionar o carro numa zona não permitida, tempo 20 segundos aparece um polícia que, com maneiras pouco simpáticas (mas justas) obriga-te a desaparecer.
Mas mesmo antes da chegada do polícia, as outras pessoas, os Suíços, não deixam de olhar-te como um criminal.

Eis a diferença.

A criminalidade na Suíça não é baixa por causa da difusão das armas; é baixa porque:
1. existe um sentido cívico muito forte
2. a taxa de pobreza é muito baixa

“Esta casa não chama a polícia”. No comment…

Eis encontrado outro ponto fundamental. Se não existirem as condições para que o crime seja perpetrado, o crime não é perpetrado e ponto final.

Vice-versa, permitir a difusão indiscriminada das armas num País com fortes tensões sociais (uma ampla faixa da população desempregada, com problemas até de sobrevivência) significa incentivar o crime.
Eis, na minha perspectiva, o problema das armas nos Estados Unidos. Daqui as minhas críticas.

Na verdade, mesmo se as armas fossem dadas de borla com os pacotes de batatas fritas, a criminalidade não desapareceria. Pois se a arma na posse do lojista pode ser um problema para o assaltante, a fome é mais forte do que o medo.

Até quando os Estados Unidos não resolverem os próprios problemas económicos, o crime não será travado. Que haja armas ou que não haja.

Demonstração: a Rússia. Um País onde as armas são rigidamente controladas mas com um indicador de pobreza elevado, tem de facto grandes problemas de criminalidade.

Na tabela abaixo é possível observar a taxa de homicídios em vários Países: número de homicídios por cada 100.000 habitantes.

Se a distribuição indiscriminada das armas funcionasse para travar o crime, os Estados Unidos deveriam aparecer nos últimos lugares da tabela. Mas assim não é: ocupam o 24º lugar.
Reparem: os EUA ocupam uma posição mais alta de qualquer outro País da União Europeia (não da Europa), onde a posse das armas é regulamentada. Mas também da Suíça.

Por isso, é possível constatar outra realidade: apesar de algumas excepções, na parte alta da classificação encontramos Países com fortes problemas económicos, tensões sociais ou ligados à droga; na parte baixa, Países com menos problemas económicos e menos ligados ao tráfico de droga.

Aliás: parece claro que ter mais ou menos armas na posse dos cidadão não influencia em nada o resultado final.

Assim sendo, eu prefiro que as armas sejam menos difundidas. Porquê? Porque as armas são basicamente instrumentos de morte.
Verdade, podem ser encaradas como instrumentos de defesa também. Mas para encontrar a história duma criança que mata a mãe com um tiro na cabeça, temos que ler os diários dos Estados Unidos, pois na Europa não há.

E isso significará bem alguma coisa, ou não?

Lenine, por acaso, disse o mesmo? Tá bom, pode ser que ao longo da sua vida o revolucionário acabasse por fazer afirmações até inteligentes. Mas isso não é culpa minha.

NunoSav.

Eis um ponto interessante: o simples facto de proibir uma coisa faz com que esta coisa desapareça?

Não, nunca funcionou: ver “Lei Seca” nos Estados Unidos da década dos anos ´20. Aliás, a melhor forma para criar um mercado negro e controlar (em alta) o preço dum bem é sem dúvida a proibição do mesmo bem.
É o caso da droga. E sabemos também que não são apenas os criminosos que obtêm lucro com a droga (Bancos e droga).

Mas eu nunca disse que as armas deveriam ser proibidas. O que eu defendo é uma coisa mais simples: regulamentação.

Uma pessoa quer uma arma? Bem, então deve demonstrar ter as capacidades psico-físicas para poder deter em segurança uma pistola ou uma caçadeira.

Não é uma ideia de outro mundo: o mesmo acontece com a carta de condução e ninguém grita ao escândalo. Acho que ninguém pode pôr em dúvida que para conduzir um carro são precisos alguns requisitos: é por isso que as crianças de 5 anos não podem conduzir.

Acho que com as armas deveria acontecer o mesmo. Maior idade, não ter perturbações mentais, não ter antecedentes criminais. Se uma pessoa respeitar estes requisitos, então pode comprar uma arma e declara-la (assim como acontece com qualquer carro). Ponto final.

No filme de Michael Moore (Bowling for Columbine), o autor abre uma conta no banco e recebe uma caçadeira como prenda. Sem problemas. Michael Moore tem os requisitos para ter uma arma? Tem problemas psiquiátricos, por exemplo? Não interessa, tome lá a caçadeira.

Não é preciso ter atitudes mínimas para ter uma arma? Então, por favor, alguém explique porque as mesmas atitudes são precisas para conduzir, pois desta forma deixam de ter sentido.

Nos Estados Unidos é proibido conduzir bêbedos, há a prisão por isso. Mas é perfeitamente normal entrar numa loja de alcoólicos com uma arma.

E se após uns copitos os ânimos ficarem exaltados e uma bala acabar na cabeça de alguém?
Um desentendimento que poderia ter acabado com uma até saudável troca de socos, pode assim acabar com a morte. Eh, acontece, foi azar.

Não, não foi azar. Foi o facto das leis permitirem atitudes arriscadas.

Na Europa não há crianças que entram armadas nas escolas. Na América há, e não são poucas: algumas instituições instalaram metal-detector.
Podem tentar convencer-me que é melhor assim: lamento, eu prefiro a Europa.

Da mesma forma, é inútil encher as cadeias de pessoas. A melhor forma para controlar o crime e reduzir a população prisional é criar as condições para que haja menos crimes: reduzir a pobreza.

E se o leitor pensa que quem fala é uma pessoa que deseja garantir os direitos dos criminosos a qualquer custo, está redondamente enganado: eu até sou favorável à pena de morte para determinados casos (um assunto complexo), mas não como forma para combater o crime, pois já está amplamente demonstrado que não resulta.

E aqui paro, pois esta resposta está a tomar dimensões “bíblicas”…

Nota: aproveito para agradecer Anónimo, Nuno Sav e qualquer leitor que exprima opiniões neste blogue. Que nasceu também (se não sobretudo) como ocasião para o debate, como neste caso!

Ipse dixit.

Gráfico: NationMaster