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Ucrânia: afinal havia Plano B

Enquanto a Embaixada russa de Ottawa divulga comunicados delirantes, por aqui a propaganda explica que a invasão russa fracassou, que Moscovo não tem plano B, que os generais não sabem o que fazer e que Putin está encurralado. Como já afirmado: difícil ter uma ideia do que realmente está a passar-se na Ucrânia.

Então uma coisa boa é ler o que escreve uma pessoa que declaradamente odeia Vladimir Putin, possivelmente um ex militar das forças dos EUA, alguém que trate de assuntos bélicos. Por exemplo: Bill Roggio, director do diário online FDD’s Long War (originariamente uma publicação dedicada à explicação da Guerra ao Terror) e membro da lobby hebraica Foundation for Defense of Democracies, um think tank sediado em Washington.

Bill Roggio escreveu o artigo “Putin não é louco e a invasão russa não está a falhar. As ilusões do Ocidente sobre esta guerra – e a sua incapacidade de compreender o inimigo – irão impedi-lo de salvar a Ucrânia“. Incrivelmente, o britânico Daily Mail publicou o artigo que, ainda mais incrivelmente, é possível encontrar online.

Vamos ler.


O pio desejo tomou vantagem na batalha para moldar as percepções ocidentais da guerra na Ucrânia.

A simpatia pelos defensores de Kiev, em menor número e sem armas, levou ao exagero dos contratempos russos, à má compreensão da estratégia russa e mesmo a afirmações infundadas de psicanalistas amadores segundo os quais Putin perdeu o juízo.

Uma análise mais sóbria mostra que a Rússia pode ter estado à procura de um golpe decisivo, mas sempre teve planos bem estruturados para ataques subsequentes se os seus movimentos iniciais se revelassem insuficientes.

O mundo subestimou Putin antes e esses erros levaram, em parte, a esta tragédia na Ucrânia. Temos de estar lúcidos agora que a guerra está em curso. No entanto, até os profissionais do Pentágono deixam a simpatia toldar o seu julgamento.

Apenas dois dias após a invasão russa da Ucrânia, o Departamento de Defesa dos EUA foi o mais rápido a afirmar que o fracasso em tomar Kiev nos primeiros dias da guerra foi um grande revés. Os briefers do Departamento da Defesa implicavam que a ofensiva russa estava atrasada ou que até falhou porque a capital não tinha caído. Mas os líderes americanos deveriam ter aprendido a refrear as suas esperanças após a catastrófica retirada do Afeganistão.

Mais uma vez, os funcionários americanos e ocidentais estão a cair na armadilha de não compreender o inimigo e os seus objectivos.

Um olhar sobre a ofensiva militar russa mostra que havia um plano para uma invasão em grande escala, que a Rússia está agora a executar. Presumivelmente, Putin acreditava que o governo ucraniano entraria em colapso assim que as tropas russas atravessassem a fronteira e fossem empurradas para Kiev, e a operação fracassou porque o governo ucraniano continuava em funções.

Putin esperava certamente uma vitória rápida, mas claramente não contava com apenas com esta como único plano para o sucesso. Em vez disso, os militares russos estavam preparados para tomar o País pela força se um rápido ataque de decapitação tivesse falhado. Este tipo de plano deve ser familiar aos americanos que se lembram da invasão do Iraque em 2003.

Nas primeiras horas da guerra, a Força Aérea dos EUA lançou a sua campanha de “choque e terror” numa tentativa de matar Saddam Hussein e outros líderes-chave e derrubar o governo. Saddam sobreviveu, mas os militares americanos estavam totalmente preparados para continuar com um assalto terrestre.

Um olhar sobre a ofensiva militar russa mostra que havia um plano para uma invasão em grande escala, que a Rússia está agora a executar.

A guerra convencional e mecanizada é um esforço que consome tempo e recursos e uma operação deste âmbito não foi montada no prazo de dias. A ofensiva russa está a ter lugar em quatro frentes distintas. Numa quinta frente, no leste da Ucrânia, que Putin declarou independente na semana passada, as forças russas estão a bloquear as tropas ucranianas que seriam necessárias noutros locais.

A maior parte das forças russas está a avançar para sul, da Bielorrússia para Kiev. As forças avançadas russas, incluindo tropas aerotransportadas, móveis e de reconhecimento, têm estado envolvidas com tropas ucranianas fora de Kiev desde o início da guerra. Uma enorme coluna de tropas russas, estimada em mais de 40 milhas de comprimento, está apenas a 20 milhas a norte de Kiev e é provável que se esteja a reunir-se para cercar a capital. Se as forças russas pudessem tomar Kiev e empurrar para sul para unir forças na frente da Crimeia, dividindo assim a Ucrânia em duas, seria um rude golpe para o governo Zelensky.

O que importa mais do que um punhado de contratempos é que as forças russas avançaram 70 milhas sobre terrenos disputados em menos de uma semana e estão na periferia da capital.

A cidade ucraniana de Chernihiv ficou devastada pelas forças russas. Isto não é um sinal de uma ofensiva desorganizada, mal montada e falhada.

O impulso para sul, da Bielorrússia para Kiev, é apoiado por outra coluna russa, lançada do leste, nas proximidades de Kursk. Se esta coluna conseguir ligar-se às tropas russas perto de Kiev, irá envolver as forças ucranianas na maior parte das províncias de Chernihiv e Sumy, privando o exército ucraniano de soldados e material de guerra muito necessários noutros locais e dividindo o governo a duas províncias do norte.

Mais a leste, as forças russas lançaram uma ampla ofensiva contra Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, que se encontra agora sob cerco.

No sul, forças russas, apoiadas por ataques anfíbios do Mar de Azov, derramaram-se na Ucrânia a partir da Crimeia. Nesta frente, as forças russas ramificaram-se ao longo de dois eixos principais, um a noroeste ao longo do rio Pivdennyi Buh e outro a nordeste ao longo da costa e em direcção ao interior da região de Donbass, que a Rússia declarou independente pouco antes da invasão.

Se as colunas russas em ambas as frentes sul pudessem ligar-se a forças mais a norte, cortariam o reforço a muitas tropas ucranianas: uma das duas colunas já avançou cerca de 160 milhas. Os generais russos têm frequentemente optado por contornar cidades e vilas com forte oposição e isolá-las para lidar com elas mais tarde.

Há relatos de que as forças russas aumentaram os ataques contra civis, particularmente em Kharkiv. Neste momento, os ataques de artilharia e de foguetes têm sido limitados, talvez para enviar uma mensagem aos cidadãos como um aviso do que possa vir.

Putin parece querer levar a Ucrânia intacta, mas não hesitará em aumentar o nível de brutalidade, se necessário. A natureza sistemática do assalto russo está em desacordo com a especulação de que Putin tenha perdido o controlo dos seus sentidos. Ninguém sabe ao certo, mas as acções de Putin parecem ser as de um adversário frio e calculista. Dispensar a sua decisão de invadir a Ucrânia como uma forma de loucura é efectivamente uma desculpa para ignorar as prováveis motivações e acções futuras de Putin. […]

Hoje, Putin calculou que tomar a Ucrânia pela força é do seu interesse e do interesse da Rússia. Sem dúvida que antecipou que o Ocidente iria impor sanções diplomáticas e económicas, que os líderes americanos e europeus ameaçaram de antemão.

Putin pode ter calculado mal a resistência ucraniana e a intensidade da oposição do Ocidente, mas isso não significa que seja louco, ou que não tenha considerado as possibilidades e optado por invadir independentemente.

Resta saber se o plano de Putin terá sucesso ou falhará, mas o que é claro é que havia um plano de invasão da Ucrânia em vigor, e esse plano tem sido executado desde o primeiro dia.

As tropas ucranianas estão a travar uma luta corajosa, enfrentando longas probabilidades e condições difíceis. A Rússia detém a maioria, se não todas, das vantagens. Pode e tem atacado a Ucrânia a partir de três direcções diferentes. Os militares russos detêm uma vantagem decisiva em forças humana, bem como em superioridade aérea, naval e de armamento. Têm vastos recursos a que recorrer. Enquanto a Ucrânia tem o apoio de grande parte da comunidade internacional, que está a fornecer armas, a Ucrânia luta sozinha.

Acreditar que o assalto da Rússia esteja a correr mal pode fazer-nos sentir melhor, mas está em desacordo com os factos. Não podemos ajudar a Ucrânia se não pudermos ser honestos acerca da sua situação difícil.


Pessoalmente estou convencido de que a guerra esteja a correr extactamente como previsto (além do cenário dum possível queda inicial do governo ucraniano). A acção do exército de Moscovo parece muito racional, como era esperável: após ter avançado rapidamente no terreno para eliminar boa parte das forças ucranianas e pôr sob pressão Kiev, agora é a vez da conquista das várias cidades. Não há necessidade de recorrer a armas nucleares tácticas, como sugerido aqui no Ocidente: este é o jogo do gato e do rato.

Trocas entre capitais

Considerado que Washington esclareceu desde logo que não teria enviado tropas, Moscovo ficou sem pressa. Acredito que em ambas as capitais esteja já claro desde o princípio qual será o resultado destas invasão. As dúvidas ficam para as ovelhas que costumam nutrir-se das notícias da comunicação social, num constantemente alimentado crescendo de preocupação. Em Washington e Moscovo não trabalham com “palpites”, títulos com letras grandes ou fotografias da pequena Petra que chora, mas com dados e informações trocadas via canais não oficiais também, por isso sabem quanto esta guerra poderá durar e quais objectivos serão alcançado dum lado e do outro.

Notícias para ovelhas

A resposta histérica anti-guerra de grupos dos cidadão faz parte dum movimento de pressão dirigidos contra nós, não contra a guerra e ainda menos contra Putin. Tem dois objectivos: serve para recolher as hostes civis em volta dum ideal que é apresentado como sendo deles; serve para criar um ambiente muito hostil para aqueles que não partilham a mesma visão ocidental, obrigando-los a reduzir ou abdicar das suas externações em público. Ao mesmo tempo, os que participam nas acções demonstrativas bebem da fonte aberta pelo regime e da qual surgem notícias escolhidas com atenção, unidireccionais e que têm a tarefa de minimizar o espaço dedicado às dúvidas, estripando a necessidade de reflectir sobre os acontecimentos. São claramente todas aplicações práticas da propaganda.

Do “outro lado” acontece o mesmo. A censura que por aqui trouxe o fecho de emissoras quais Russian Today ou Sputnik, lá provocou o fecho de emissoras ocidentais. Pensar que uma das duas partes possa ter um desempenho moralmente superior significa viver num planeta todo nosso, um mundo no qual no céu há porcos feitos de maçapão que correm sorridentes ao longo de imensos arco-íris de açúcar fiado.

Operação especial? Não: guerra.

Esta é guerra, outras considerações são apenas reflexos de esperanças, juntamente com a recusa na admissão que afinal Leste e Oeste nunca foram tão diferentes. Porque uma guerra poder santa, sagrada, até apoiada por Deus ou pela maior fé política do planeta, mas o resumo é sempre o mesmo: carrega-se, mira-se, dispara-se, mata-se.

Esta é a condição para a qual foram atirados dezenas de milhares de jovens russos e ucranianos após os esforços e a bênção dos vários Putin, Biden, Zelinsky, Ursula, NATO. Todos eles, sem exclusão nenhuma. Tentamos não esquecer, por exemplo, da formação de Vladimir Putin no World Economic Forum. O resto? O resto já foi.

 

Ipse dixit.

Imagem: Max Pixel CC0 Public Domain