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A casa? “Um disparate ecológico, económico e social”

Oito meses após o lançamento da consulta Habiter la ville de demain (“Viver na cidade de amanhã”) para repensar o desenvolvimento depois da “pandemia” Covid, a Ministra da Habitação francesa, Emmanuelle Wargon, espera ver emergir uma habitação colectiva que reavive a “intensidade feliz”, ao mesmo tempo descreve as casas individuais como “um disparate ecológico, económico e social”.

E isso apesar do modo de vida ideal para os franceses continue a ser a casa unifamiliar. Não se trata do resultado dum novo inquérito mas da afirmação da própria Ministra da Habitação. Pena que, segundo ela, este modelo da casa “já não é sustentável”.

Como relata o diário La Tribune, no seu discurso no final da consulta sobre “Viver na cidade de amanhã”, proferido a 14 de Outubro, Emmanuelle Wargon explica que a aspiração de possuir uma casa permanece elevada mas, ao mesmo tempo, este modelo de casa não apenas “já não é sustentável” como conduz a “um beco sem saída”. É “um funcionamento urbano cada vez mais dependente do automóvel individual”, “um modelo que está atrás de nós” e mesmo “um disparate ecológico, económico e social”.

Do lado oposto, segundo a Ministra, há a “intensidade feliz”, ou seja, bairros onde a nova habitação colectiva se encaixa com “serviços de qualidade, tecnologia digital, proximidade de locais de trabalho, lojas e espaços públicos que oferecem espaço para respirar e gerar laços sociais”. A Ministra também quer lançar “uma grande campanha de sensibilização” para demonstrar o “interesse ecológico” de uma cidade menos espalhada e, em última análise, para fazer com que as pessoas queiram voltar a viver nas cidades. Mas em habitações colectivas.

Com certezas os “conspriacionistas” conseguem ver nisso a tentativa para implementar os preceitos do Great Reset: ataque contra a propriedade privada, cidadãos das periferias para os condomínios no centro da cidade e mais ainda. Mas nada disso: a simpática (e hebraica) Emmanuelle, do partido da Esquerda progressista Territoires de progrès, defensora das plantas geneticamente modificadas, antiga lobista (mas o título oficial era “”Directora de Comunicação e Assuntos Públicos”) do Grupo Danone, nomeada Secretária de Estado da Ecologia em 16 de Outubro de 2018 quando ancora fazia parte da Danone, defende o fim das casas unifamiliares para o nosso bem e, em última análise, para o bem do planeta.

Porque ter uma casa unifamiliar é mau. Aliás: mesmo a ideia de ter um casa é algo fortemente negativo que provoca desastres, como explicava The Economist de Janeiro de 2020 no iluminante artigo Home ownership is the West’s biggest economic-policy mistake (“A propriedade da casa é o maior erro político-económico do Ocidente”):

Mas igualmente perniciosa é a arrepiante disfunção que a habitação criou ao longo de décadas: cidades vibrantes sem espaço para crescer; proprietários de casas envelhecidas sentados em casas meio vazias que estão ansiosos por proteger a sua vista; e uma geração de jovens que não pode facilmente arrendar ou comprar e pensam que o capitalismo os decepcionou. Como o nosso relatório especial desta semana explica, grande parte da culpa reside nas deformadas políticas de habitação que datam da segunda guerra mundial e que estão entrelaçadas com a paixão pela posse da casa própria. Isso causou um dos mais graves e duradouros fracassos económicos do mundo rico. Uma nova arquitectura é urgentemente necessária.

Na raiz desse fracasso está a falta de habitação, especialmente em cidades prósperas onde os empregos são abundantes. Por todo o lado, desde Sydney [Austrália, ndt] a Sydenham [Reino Unido, ndt], regulamentos pouco claros protegem uma existentes elite de proprietários e impedem a construção dos arranha-céus e dos apartamentos que a economia moderna exige. As rendas elevadas e os consequentes preços elevados das casas tornam difícil para os trabalhadores mudarem-se para onde se encontram os empregos mais produtivos e têm abrandado o crescimento.

Os custos totais da habitação na América representam 11% do PIB, contra 8% na década de 1970. Se apenas três grandes cidades – New York, San Francisco e São José – flexibilizassem as suas regras, o PIB dos EUA poderia ser 4% mais elevado: uma enorme vantagem. […]

Poder-se-ia pensar que o medo e a inveja sobre a habitação fazem parte da condição humana. De facto, a patologia da propriedade tem as suas raízes numa mudança na política pública nos anos ’50, no sentido de promover a propriedade da casa própria. Desde então, os governos têm utilizado subsídios, benefícios fiscais e vendas de habitação pública para encorajar a ocupação dos proprietários em detrimento do arrendamento. Os políticos de direita têm visto a propriedade imobiliária como uma forma de ganhar votos, encorajando a cidadania responsável. Os da esquerda vêem a habitação como um canal para a redistribuição e para incitar as famílias mais pobres a construir riqueza.

Estes argumentos são sobrestimados. É difícil mostrar se a propriedade faz melhores cidadãos. Se ignorarmos a alavancagem, é geralmente melhor possuir acções do que possuir casas.

Nada de casa unifamilar, nada de casa de propriedade… faz sentido? Plenamente, como explica Papa Francisco: é necessário construir uma “nova justiça social a partir do pressuposto de que a tradição cristã nunca reconheceu o direito à propriedade privada como absoluto e intocável” e sempre sublinhou a sua “função social”:

O direito à propriedade é um direito natural secundário derivado do direito que todos têm, nascido do destino universal dos bens criados”.

Segundo o Papa, “no há justiça social que possa ser baseada na desigualdade, o que implica a concentração da riqueza”, diz ele que lidera a instituição religiosa mais rica do planeta. Mas isso agora não interessa, vamos atualizar: nada de casa unifamilar, nada de casa de propriedade, nada de propriedade mesmo. Onde é que já ouvimos isso?

 

Ipse dixit.