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O Relatório Stern

Na indiferença geral acabou o EUMed de Atenas, a reunião de Ministros de Croácia, Chipre, Eslovénia, Espanha, França, Grécia, Italia, Malta e Portugal que uma vez por ano costumam reunir-se algures supostamente para fazer algo.

Durante esta reunião, eis o alarme lançado pelo Primeiro Ministro italiano, Mario Draghi, e partilhado pelo outros Ministros presentes: os Países que assinaram o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas estão a “ficar aquém” das suas promessas e sem uma mudança súbita de política as consequências “seriam catastróficas”. Terrível. Mais em pormenor:

Com o acordo de Paris, comprometemo-nos a conter o aquecimento global abaixo de 1.5 graus dos níveis pré-industriais. […] Estamos a ficar aquém desta promessa. Se continuarmos com as políticas actuais, alcançaremos quase 3 graus de aquecimento global até ao final do século, com consequências catastróficas.

Observemos com curiosidade: “níveis pré-industriais”. Bastante vago. Significa em relação ao período caldo vivido pelos Romanos ou ao período frio que caracterizou a Pequena Era Glacial entre 1500 e 1800? E sobretudo: por qual razão 1.5 graus?

A resposta fica num documento de excepcional importância e muitas vezes subestimado: as 700 páginas do Stern Review on the Economics of Climate Change, o relatório encomendado por Tony Blair e pelo então Ministro das Finanças Gordon Brown ao economista e fanático ecologista Nicholas Stern em 2006.

Stern diz que a verdadeira forma de evitar o “catastrófico” aquecimento global e iniciar uma radical descarbonização é reduzir o consumo dos povos industrializados ocidentais aos níveis de consumo pré-industrial. Por outras palavras, fazer com que a eletricidade, o gás, a gasolina e o petróleo para aquecimento das pessoas custe dois terços dos seus rendimentos. Concretamente: alguém que ganha 1.000 Euros por mês deve gastar 700 Euros em electricidade, gás e combustíveis, de modo a ser obrigado a poupar e não desperdiçar energia ao emitir toneladas de CO2. Muito simples.

Gastar dois terços dos rendimentos em energia: um exagero? Nem por isso: façam duas contas e vejam que afinal não estamos tão longe disso porque é preciso calcular as facturas de gás e electricidade (com os recentes aumentos que em alguns Países do Velho Continente chegam ao 40%), gasóleo e gasolina rodoviários, mais todos os custos indirectos presentes nos artigos adquiridos no dia-a-dia, custos “invisíveis” mas que têm efeito nas carteiras. Stern, portanto, planeia friamente o recuo das populações ocidentais para os níveis de pobreza do Terceiro Mundo. Para a população britânica, por exemplo, recomenda o regresso ao consumo da Segunda Guerra Mundial, a era do racionamento e dos cartões alimentares; naqueles dias, a electricidade e o combustível eram racionados, os alimentos eram também racionados e disponíveis só com cartões alimentares que prescreviam o número de gramas de margarina ou banha de porco que cada pessoa poderia ter. Escusado será dizer que Stern, um fanático ideológico, sugere o vegetarianismo como regime geral e a abolição da criação de gado.

Inútil dizer que o relatório foi alvo de ferozes críticas.

Num artigo do Daily Telegraph no mesmo ano, Ruth Lea, Directora do think tank Centre for Policy Studies, questiona o consenso científico sobre as alterações climáticas no qual se baseia Stern. No artigo com o significativo título de “Mais umas desculpa para taxas mais altas“, Lea afirma:

As autoridades em matéria de ciência climática dizem que o sistema climático é demasiado complexo para que reduções modestas dum dos milhares de factores envolvidos na mudança climática (ou seja, emissões de carbono) tenham um efeito previsível em magnitude, ou mesmo direcção.

Realçando como as projecções económicas a longo prazo feitas no relatório têm poucos sentido, pois já as previsões económicas para apenas dois ou três anos à frente estão normalmente erradas, Lea prossegue descrevendo o problema de tirar conclusões da combinação de modelos científicos e económicos “monumentalmente complexos” e duvida que a cooperação internacional sobre as alterações climáticas, tal como defendida no documento, seja realmente possível.

Logo após a publicação do relatório de Stern, o antigo Chanceler do Tesouro Nigel Lawson deu uma palestra (ficheiro PDF em inglês) criticando brevemente o documento e alertando para o que chamou de “eco-fundamentalismo”, crítica repetida em 2008 perante o comité do TTesouro da Câmara dos Comuns.

Até o escritor ambientalista Bjørn Lomborg criticou o relatório Stern (num artigo do Wall Street Journal que entretanto desapareceu; um resumo pode ser encontrado em Open Edition):

O argumento central do Sr. Stern de que o preço da inacção seria extraordinário e o custo da acção modesto […] cai por terra quando se lê realmente o livro de 700 páginas. Apesar de utilizar muitas boas referências, Stern Review on the Economics of Climate Change é selectivo e a sua conclusão falha. Os seus argumentos de medo têm sido sensacionalizados, o que, em última análise, só irá provavelmente piorar o mundo.

Interessante também o comentário do escrito científico Ronald Bailey que descreve o “carácter destrutivo” das propostas políticas de Stern:

É certamente razoável argumentar que se se quiser ajudar as gerações futuras a lidar com as alterações climáticas, as melhores políticas seriam as que encorajassem o crescimento económico. Isto dotaria as gerações futuras da riqueza e tecnologias superiores que poderiam ser utilizadas para lidar com o que quer que lhes venha a acontecer, incluindo as alterações climáticas. […] Assim, apressar o processo de mudança dos combustíveis à base de carbono através do aumento dos custos energéticos significa que a humanidade terá de adiar a compra de outras coisas boas, tais como água limpa, melhor saneamento, mais e melhores alimentos, e mais educação.

Apesar das muitas críticas, Nicholas Stern ainda é uma mais importantes figuras no âmbito do Aquecimento Global tanto que em Maio deste ano o actual Primeiro Ministro do Reino Unido, Boris Johnson, encomendou-lhe um relatório de preparação tendo em vista a reunião do G7. Nisso, Stern continua com os dogmas de sempre, como explica numa entrevista ao Project Syndicate:

Os Países do G7 devem acelerar a descarbonização das suas economias, eliminando gradualmente os combustíveis fósseis e substituindo-os por emissões zero nos sectores de energia, transporte, indústria e agricultura. […] Por exemplo, o G7 poderia assumir o compromisso de garantir que 80% da sua eletricidade seja gerada por fontes de emissão zero até 2030. Poderiam adotar padrões líquidos zero para todos os novos edifícios a partir de 2024, e estabelecer uma meta de instalar 100 estações públicas de carga de veículos elétricos para cada 100 mil pessoas até 2023. Estes países também deveriam investir muito mais para proteger e restaurar a natureza na terra e no mar, assim como na agricultura produtiva e sustentável.

Ninguém pode pôr em dúvida o dever de “restaurar a natureza na terra e no mar” e o mesmo se passa com uma “agricultura produtiva e sustentável”. Mas há algo que não bate certo neste discurso de Stern: não é normal que um economista fique satisfeito com a queda das emissões de dióxido de carbono registrada por causa da “pandemia” de Covid 19, porque deveria saber que isso tem tido custos enormes em termos de desemprego, falência de empresas, dificuldades no abastecimento.

Mas é mesmo este o ponto: enquanto apontamos o dedo aos fanáticos religiosos de outras realidades, por aqui há fanáticos que são elevados ao status de “sábios” e cujas receitas são implementadas como uma nova fé. Estes fanáticos, inocentes ou interessados que sejam, e os governos ocidentais que os seguem fixaram objectivos não validados cientificamente e decidiram que “assim tem que ser”, apesar do que isso significará para nós e sobretudo para as gerações futuras.

Não há intenção de submeter tais políticas ao voto e isso é incrível porque estamos a falar do futuro de todos. Não temos o direito de opinar sobre isso, podemos apenas aceitar as decisões tomadas.

“Estamos empenhados em limitar o aquecimento global abaixo de 1.5 graus dos níveis pré-industriais” diz Draghi e os outros Ministros aplaudem. Não, não estamos empenhados: eu nunca me empenhei porque ninguém alguma vez me perguntou algo. Não concordo em fazer recuar os Países para os níveis pré-industriais. Não quero que uma pessoa seja obrigada a gastar dois terços do seu rendimento apenas para satisfazer as suas necessidades energéticas. Não concordo que seja posta em causa a recuperação económica. Não quero que o futuro climatérico seja escrito por economistas premiados pelos bancos, frequentador do World Economic Forum, com um irmão no Banco Mundial e outro na Xerox. E antes de tomar um decisão quero provas acima de qualquer suspeita de que a CO2 seja a responsável pelo Aquecimento Global. É pedir muito?

 

Ipse dixit.

O relatório Stern pode ser encontrado em versão integral (em idioma inglês) neste link (ficheiro PDF) enquanto um resumo (demasiado sintetizado) é disponível neste link.