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As Quatro Viragens dos EUA

Neil Howe é um académico americano que trabalhou na teoria cíclico-geracional da história americana. Howe tem boa experiência: tem trabalhado em, Washington como consultor público sobre o envelhecimento global, a política fiscal de longo prazo e a migração. Foi também conselheiro do famigerado Grupo Blackstone e associado sénior do Center for Strategic and International Studies (só alguns nomes: Madeleine Albright, Henry Kissinger, Zbigniew Brzezinski…). As teorias de Howe influenciaram políticos como Newt Gingrich e Al Gore, assim como Steve Bannon, que leu antecipadamente a ascensão de Donald Trump com base no trabalho do estudioso.

Num vídeo de 14 minutos, Howe descreve a teoria geracional avançada no seu clássico de 1997, The Fourth Turning (“A Quarta Viragem”), co-escrito com o autor William Strauss.

No vídeo, Neil Howe diz que “estamos a viver numa época tumultuosa da história americana”:

A crise financeira de 2008 e todas as suas dificuldades foi o catalisador que nos catapultou para esta era de incerteza. Marcou o início de uma geração de convulsões seculares que continuarão a decorrer durante a próxima década ou assim. Esta é a teoria geracional que expus em The Fourth Turning, o livro que co-escrevi com William Strauss em 1997. […] The Fourth Turning explica a ascensão de uma figura como o Presidente Trump. No discurso do Dia da Inauguração, pintou um quadro sombrio de ‘carnificina americana’, de ‘fábricas enferrujadas espalhadas como lápides pela paisagem da nossa nação’ com ‘mães e crianças presas na pobreza nas nossas cidades’. […]

Olhando para o estrangeiro, não é claro se a América se voltará para dentro e cairá presa no nativismo ou manterá o seu papel de quase setenta anos como líder do mundo livre. Outros países estão a tornar-se insulares de forma semelhante. A Grã-Bretanha votou para deixar a União Europeia. Os resmungos ecoam por toda a Europa, desde a França até aos Países Baixos.

Em muitos aspectos, esta era de incerteza segue a ordem natural das coisas. Tal como as quatro estações da natureza, os ciclos da história seguem um ritmo ou padrão natural. Durante os últimos cinco séculos, a sociedade anglo-americana entrou numa nova era, um novo ponto de viragem, de duas em duas décadas mais ou menos. No início de cada ponto de viragem, as pessoas mudam a forma como se sentem, como sentem a cultura, a nação e o futuro. Os pontos de viragem vêm em ciclos de quatro. Cada ciclo cobre a duração de uma longa vida humana, cerca de oitenta a cem anos, ou uma unidade de tempo a que os antigos chamavam um saeculum.

A Primeira Viragem: euforia

A seguir, Howe descreve as quatro viragens:

Esta é uma era em que as instituições são fortes e o individualismo é fraco. A sociedade está confiante sobre onde quer ir colectivamente, mesmo que aqueles que estão fora do centro maioritário se sintam asfixiados pela conformidade.

A mais recente “Primeira Viragem” americana foi a euforia após a Segunda Guerra Mundial, que começou em 1946 e terminou com o assassinato de John Kennedy em 1963, um indicador chave do ciclo de vida dos americanos mais velhos de hoje.

A Segunda Viragem: despertar

Este é um momento em que as instituições estão a ser atacadas em nome da autonomia pessoal e espiritual. Assim como a sociedade está a atingir o seu auge de progresso público, as pessoas cansam-se subitamente da disciplina social e querem recuperar um sentido de autenticidade pessoal. Os jovens activistas e espiritualistas olham para trás, para a euforia anterior como uma era de pobreza cultural.

O mais recente despertar da América foi a Revolução da Consciência, que abrangeu os campus e os tumultos no interior da cidade em meados da década de 1960 até às revoltas fiscais do início da década de 1980.

A Terceira Viragem: destruição

O estado de espírito desta era é, em muitos aspectos, o oposto de um estado de euforia. As instituições são fracas e desconfiadas, enquanto o individualismo é forte e próspero. Períodos altos seguem crises, que ensinam a lição de que a sociedade deve fundir-se e construir. As quedas seguem os avivamentos, que ensinam a lição de que a sociedade deve atomizar e desfrutar.

A mais recente Terceira Viragem da América foi o Long Boom e as Culture Wars, que começaram no início da década de 1980 e provavelmente terminaram em 2008. A era iniciou-se com o individualismo triunfante do Morning in America [“Manhã na América”, uma metáfora para a renovação utilizada na campanha eleitoral de Ronald Reagan, ndt] e avançou para uma desconfiança generalizada em relação às instituições e aos líderes e na divisão do consenso nacional em campos de ‘valores’ em competição.

A Quarta Viragem: crise

E, finalmente, eis a Quarta e última Viragem:

Esta é uma era em que a vida institucional americana é demolida e reconstruída a partir do zero, sempre em resposta a uma ameaça percebida à própria sobrevivência da nação. A autoridade cívica renasce, a expressão cultural encontra um objectivo comum e as pessoas começam a localizar-se como membros de um grupo maior.

Em qualquer caso, as Quartas Viragens tornaram-se novos “momentos fundadores” na história da América, refrescando e redefinindo a identidade nacional. Actualmente, este período começou em 2008, com a crise financeira global e o aprofundamento da Guerra ao Terror, e estender-se-á até cerca de 2030. Se o passado é um prelúdio do que está para vir, como argumentamos, consideremos que a anterior Quarta Viragem começou com o colapso da Bolsa de Valores de 1929 e culminou com a Segunda Guerra Mundial.

Tal como uma Segunda Viragem dá forma ao nosso mundo interior (de valores, cultura e religião), uma Quarta Viragem dá forma ao nosso mundo exterior (de política, economia e império).

Para ser claro, o caminho pela frente para a América será difícil. Mas consolo-me com a ideia de que a história está a voltar e que o passado nos oferece orientação sobre o que podemos esperar no futuro. Tal como as quatro estações da natureza, os ciclos da história seguem um ritmo ou padrão natural.

Não se enganem. O Inverno está a chegar. Quão suave ou duro será é só um palpite, mas a progressão básica é tão natural como contar os dias, semanas, e meses até à Primavera.

Afinal, a teoria cíclico-geracional de Howe parece o percurso típico de todas as sociedades: olhando para trás, no grande livro da História, podemos observar estas fases atingirem várias civilizações, provavelmente a maioria delas. Não é algo típico dos Estados Unidos, é a viagem clássica das potências, pequenas ou grandes que sejam. A diferença reside na duração: entre a fase da “euforia” e a fase final da “crise” os Romanos, por exemplo, sobreviveram 400 anos se considerarmos apenas a fase imperial, quase 1.000 anos ao tomarmos em conta toda a história de Roma antiga. E as fases da potência de Roma, com ascensão e consequente queda, encontram muitos paralelos espalhados pelo planeta todos.

Todavia, o “império” dos EUA entrou na fase crítica com uma rapidez impressionante: poucas décadas, um nada na escala temporal humana. O que faz deste “império” o perfeito filho do nosso tempo, acostumado a queimar as etapas.

Lógico o desejo dum regresso à fase da “euforia”, duma nova Primavera tal como pintada por Howe. Mas a História conta algo diferente: uma vez começada a queda, dificilmente volta-se ao antigo esplendor. O padrão é um forte redimensionamento (na melhor das hipóteses), sobretudo quando os planos traçados por outros prevêem a adopção global dum sistema incapaz de identificar-se no “Sonho Americano”. A crise enfrentada agora nos EUA (e que segundo Howe ainda não atingiu a fase pior) é caracterizada por uma roptura ao nível social (a questão dos imigrantes e das minorias étnicas), pelo cancelamento dos valores que fizeram grande o País (família, religião), por um ataque ao sistema económico-financeiro (a questão da Dívida Pública, o papel do Dólar qual moeda-padrão, o próximo fim dos Petrodólares em nome do “ambiente”). Tudo conduzido por uma classe política local que está na primeira linha para a desintegração dos EUA.

Vamos sentir saudade? Nem por isso. Mas antes de festejar, espreitem qual será o futuro…

 

Ipse dixit.