Site icon

O petróleo acaba hoje às 10:34. E agora?

Shai Agassi, fundador de Better Place, empresa americano-israelita que investia em estações de recarga para veículos eléctricos, nomeado como um dos cem pensadores mais influentes do mundo pela revista Foreign Policy, assim falava nas páginas online do Parlamento Europeu no ano de 2010:

A Europa funcionará sem petróleo em menos de 10 anos, entre 2015 e 2020. É inevitável. No entanto, não vamos mudar por causa do aquecimento global, mas apenas porque o petróleo se vai tornar demasiado caro. De dez Dólares por barril há alguns anos, o petróleo subiu agora para 100 Dólares e, se a China não parar de produzir carros ao ritmo actual, subirá dentro de alguns anos para 230 Dólares por barril.

Praticamente: um génio. Não acaso, Better Place entrou em falência em 2013. Mas a questão do petróleo é séria. Como seria um mundo sem ouro negro?

Antes de continuar, volto a esclarecer parta evitar mal entendidos: o petróleo é feio, cheira mal, polui, tem custos enormes (muitos dos quais ocultos e indirectos, como as guerras para a posse dos campos de extracção). E, apesar do seu preço não estar directamente relacionado com o real valor dos prejuízos provocados (no qual caso deveria custar centenas de Dólares ao litro), é caro. Ninguém pode seriamente apoiar um futuro baseado no petróleo, a não ser as companhias petrolíferas. É urgente encontrar uma alternativa que, infelizmente, não pode ser aquela proporcionada unicamente pelas fontes de energia “verde” (que de verde tem pouco).

Mas isso é o amanhã. Como seria o mundo sem petróleo hoje?

Imagine o Leitor acordar uma manhã, sintonizar as notícias e descobrir que a última gota de petróleo já foi extraída. Basta, não há mais: esgotou. A procura dos Países para novos depósitos não deram frutos: a humanidade perdeu a sua maior fonte de energia.

Não é um cenário verosímil: o petróleo na verdade não acabaria dum dia para outro. No entanto, se a teoria do pico de produção estiver correcta (e ainda faltam provas definitivas), o petróleo poderia tornar-se cada vez mais difícil de extrair, até impossível ou economicamente não viável: de facto, mais cedo ou mais tarde, ficaríamos sem petróleo.

Por isso: aconteceu hoje. E agora? Calma pessoal, calma: a boa notícia é que isso não significaria o fim da raça humana. E há outra boa notícia: a poluição baixaria imensamente. Único pormenor desagradável: o resto ficaria pior do que podemos imaginar. Vamos ver apenas alguns dos principais acontecimentos possíveis. Prontos?


1 dia sem petróleo

Portanto: a partir de hoje nada de petróleo. A primeira consequência é que as estações de serviço são invadidas e os últimos litros de gasolina ou gasóleo são vendidos a um preço exorbitante. Esta é uma das razões pelas quais os governos nas primeiras horas tentam esconder a notícia, sem sucesso.

O petróleo ainda em viagem nos petroleiros é requisitado pelos vários Países para criar reservas de “interesse nacional”. A situação é crítica já hoje: aviões, comboios e navios começam a ficar bloqueados. O comercio de petróleo, obviamente, é impedido.

Isto é um efeito de arrastamento. Milhares de pessoas envolvidas no processamento do crude temem pelo lugar de trabalho, e com razão. Já circulam vozes de despedimentos, apesar das empresas por enquanto negarem. E alguém pergunta: e o plástico? Pois, o plástico… em breve deixará de poder ser produzido.

Informação Incorrecta continua online e acha que esta história do petróleo é uma conspiração.

5 dias sem petróleo

Já passaram cinco dias e a situação continua a piorar. Com a falta de petróleo falta também a electricidade, os apagões tornam-se cada vez mais frequentes.

Começam os problemas alimentares: a comida já não pode ser transportada. É claro que são as grandes cidades que mais sofrem, porque as cidades do campo podem sobreviver do cultivo. Se durante os tempos “normais” a fruta era descartada por pequenas imperfeições, agora é mantida até se tornar não comestível.

Muitos animais domésticos, habituados a serem alimentados, morrem de fome.

Entretanto a situação dos apagões piora de hora em hora: ao longo das décadas a nossa dependência do petróleo tinha-se tornado total, são poucas as empresas que ainda extraem carvão e ainda menos as centrais capazes de queima-lo. Como resultado, 40% das fábricas, que dependem da energia, são forçadas a fechar.

O pânico irrompe e as pessoas começam a ignorar as leis. As mercadorias são protegidas por guardas armados, que devem manter os primeiros atacantes à distância. Os psicólogos prevêem um aumento de saques, roubos e violência: é a natureza do homem. Os Estados respondem com limitações dos direitos civis e recolheres obrigatórios. Há os primeiros militares nas ruas. Primeiros exemplos de mercados negros que abrangem vários sectores também.

Informação Incorrecta continua online porque Max instalou um painel solar comprado no Aliexpress. Max continua a fornecer provas de que tudo não passa duma conspiração: os grandes suspeitos são as multinacionais.

30 dias sem petróleo

Apenas os serviços essenciais como os bombeiros (que têm um excesso de trabalho) são garantidos. Os Estados fizeram bem em criar reservas de petróleo restante, pois este deve agora ser utilizado exclusivamente para as emergências. E uma das “emergência” é atacar Países com reservas maiores: há confrontos violentos entre Estados de pequenas e até média dimensões, apesar de todas as operações ficarem comprometidas pela falta de combustível e também pelo caos interno.

A maior parte dos governos declararam a emergência nacional. Os governos criaram também reservas de alimentos? Alguns sim e esta é outra razão para confrontos. O pânico continua a espalhar-se. Os comboios só são utilizados para transportar alimentos, mas mesmo nas expectativas mais cor-de-rosa, o petróleo das reservas não irá durar mais de onze meses.

Entretanto, além do medo, muitos cidadãos provam um senso de revolta porque há vozes de que a situação não é igual para todos: há indivíduos, os mais ricos, que continuam com um estilo de vida quase idêntico ao “antes”.

É necessária uma solução alternativa, que pode ser encontrada nos campos de soja (pode ser convertida em gasóleo), e nos campos de milho (pode ser convertido em etanol). Problema: favorecer o cultivo de alimentos para dar comida às pessoas ou converter tudo para o uso como combustível?

Informação Incorrecta funciona como antes e muitos Leitores armazenam a energia eléctrica disponível só para poderem ligar-se e ler o que Max escreve. E Max amaldiçoa as multinacionais e os hebraicos.

5 meses sem petróleo

Percebe-se que o milho não pode ser utilizado como combustível de forma tão simples, porque continua a ser a principal forma de abastecimento alimentar. As pessoas querem antes de mais comida. Na realidade, os alimentos são agora insuficientes para alimentar a população: a dieta tem que incluir muito arroz e cereais.

A soja também é uma aposta: não é infinita e é largamente insuficiente para satisfazer a procura no mundo.

Nas casas, as pessoas estão a lutar para manter os seus carros a funcionar, mesmo que apenas por alguns quilómetros, por exemplo utilizando metanol. Outros preferem investir as suas doses de biocombustível para alimentar os geradores portáteis. Alguns já desistiram pois há áreas onde o biocombustível nem consegue chegar.

Nas ruas, lentamente o lixo deixa de ser recolhido. Nos últimos meses ainda era pois a higiene é um factor determinante para evitar o surgimento de epidemias. Mas o petróleo das reservas começa a ser pouco e também aqueles serviços antes considerados essenciais são agora cortados.

Mas o problema mais grave é no campo médico: na ausência de plástico, os médicos não usam luvas e as infecções são mais frequentes. O plástico era bem presente nos hospitais, muitas vezes como embalagem para medicamentos. Agora falta não apenas o plástico mas também os medicamentos não prioritários (os salva-vidas). Os pequenos acidentes domésticos conduzem frequentemente a explosões que já não podem ser contidas.

Os Países como a Arábia Saudita que mais apostavam na extracção e na exportação do ouro negro já sofreram um colapso económico devastador, com grave desordem social também. Outros planeiam a construção de centrais de carvão ou nucleares.

Quando chega o Inverno, boa parte das populações migra para lugares mais temperados, uma vez que não têm forma de aquecer as casas.

Informação Incorrecta continua online: Max não emigra, também porque tentou enfiar soja directamente no depósito e o carro parou de funcionar.

1 ano sem petróleo

A fome matou até agora perto de 20 milhões de pessoas: são esperados mais óbitos no imediato também devido à violência.

Os animais não domésticos estão a aumentar em número porque as auto-estradas já não são um “matadouro” para eles. Por outro lado, agora os animais já podem ser criados em quantidade limitada: nada de rações alimentares. O foco principal está na agricultura e a carne é um luxo que a maioria nem pode permitir-se.

E as reservas de gasolina? Por esta altura acabaram. Difundem-se as comunidades focadas na auto-suficiência.

Informação Incorrecta foi eleito “Melhor Blog do Ano”, também porque é a única página internet que ainda funciona. Só é pena que os Leitores diminuíram drasticamente: Max teve que expulsar todos os que contrariavam a ideia dele acerca duma conspiração das multinacionais juntamente com os hebraicos, os comunistas e os fascistas.

10 anos sem petróleo

O lixo eléctrico tornou-se um recurso. Com uma tonelada de smartphones, por exemplo, é possível obter 275 gramas de ouro, 135 quilos de cobre e 2 quilos e meio de prata. Não é mal. Também outros tipos de lixo, como restos de automóveis, aviões e navios das velhas gerações são reciclados.

No entanto, começa a estar disponível de forma maciça uma fonte de energia diferente: as algas. As algas podem produzir mais bio-combustível do que qualquer outra fonte, na ordem dos 38 mil milhões de litros por ano. Não é muito, antes do fim do petróleo era o consumo anual de um único País de médias dimensões. Mas com o racionamento ao menos os serviços de base voltaram a funcionar e a comida começa a alcançar todas as áreas necessitadas. Além disso, as algas são renováveis e requerem muito pouco fertilizante.

As novas centrais de carvão e nucleares não conseguem sozinhas dar conta do recado mas permitem um certo alívio. Alguns centos urbanos são completamente abandonados, outros surgem nas redondezas das novas centrais que oferecem não apenas electricidade mas trabalho também. Entretanto os hábitos mudaram: agora sai-se da cidade só por necessidade, é comum o uso da bicicleta nos percursos breves. Nas longas distâncias utilizam-se os meios movidos com biocombustíveis ou com vapor.

Infelizmente há um novo perigo: os satélites, que estão a cair porque não podem ser mantidos em órbita.

Max fecha as janelas para proteger-se dos satélites. Ao mesmo tempo começou a criação de algas na banheira. Max cheira mal mas pelo menos pode fazer 36 metros com o carro ligado. Os Leitores festejam o evento.

40 anos sem petróleo

As poucas fontes de energia “verde” deixaram de funcionar há muito. Chegámos agora a uma mistura de tempo passado e tempo moderno: enquanto nasce o primeiro avião biodiesel, algumas casas são transformadas em estufas e cada espaço livre torna-se útil para o cultivo. Mas nos últimos anos as coisas começaram a mudar: a mistura entre nuclear, carvão, biocombustíveis e novas fontes de energia (como as algas) possibilitou o regresso a uma “quase” normalidade.

Reapareceram as primeiras grandes lojas embora a economia foi radicalmente alterada e o conceito de auto-subsistência continua a ser mantido em conta.

Ainda se vêem carros na estrada, mas são poucos e feitos de materiais leves como a fibra de carbono, por isso são muito caros. Foi conseguido alcançar um equilíbrio entre exploração de vegetais para comida e produção de biocombustíveis. O sonho dos carros eléctricos foi-se: necessitam de lítio, que vem de longe e de facto tornou-se demasiado caro: além disso dariam cabo da electricidade produzida, que ainda fica muito aquém dos níveis pré-crise. O biocombustível ou o carvão são bem mais baratos.

Ao mesmo tempo, foram encontradas alternativas para quase todo o tipo de plástico. O problema é que a produção não pode atingir a velocidade dantes: as alternativas são maioritariamente naturais, cujas extracção e transporte são caros.

Só é pena que continuem as pandemias de coronavírus: a Covid-68 eliminou quase uma inteira geração, inclusive o Max…


Até aqui algumas ideias. Prever um futuro deste tipo não é nada simples, pois nunca paramos para imaginar um mundo sem petróleo. Na verdade, as variáveis são imensas: estamos a falar duma inteira sociedade que, de repente, veria desaparecer a sua fonte energética primária sem ter uma alternativa já pronta e viável.

Um dos assunto que este artigo ignorou, voluntariamente, foi a queda dos actuais poderes (políticos e económicos), aqueles que baseiam a sua força não apenas na exploração directa do petróleo mas também em todos os aspectos relacionados. Historicamente, a perda duma fundamental fonte de riqueza/bem estar implica a queda dos regimes económicos e políticos também.

Aqui, para simplificar, foi imaginada uma certa continuidade neste aspecto, mas o cenário plausível seria a deriva das lideranças e o surgimento de novos modelos de sociedade (ou, em qualquer caso, de modelos com significativas diferenças), provavelmente com um prazo superior aos 40 anos antes que um só modelo possa emergir e suplantar os outros. Mas é claro que num caso destes ficaria aberto um número de cenários quase sem limites.

Outras ideias?

 

Ipse dixit.