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Caso Lula: faltam as provas!

Parece haver bastante confusão em relação ao caso Lula. Não é a primeira vez que leio “falta a prova, falta demonstrar que, etc.”. Mas a Justiça não funciona assim. E ainda bem, caso contrário as prisões estariam vazias.

Para condenar uma pessoa não é necessário que haja uma “prova” directa, como uma confissão ou a flagrância do crime: podem ser suficientes os indícios.

Um indício é um facto a partir de cuja presença é possível inferir outro facto. Especificamente, os indícios são factos indirectamente significativos, dos quais se podem extrair conclusões lógicas sobre um facto principal de forma lógica.

Enquanto a prova é uma evidência inconvertível, o indício ou pista é diferente: o indício é uma presunção, ou seja, um raciocínio do qual algo importante pode ser deduzido para efeitos de determinação da culpa (ou inocência) do acusado.

Dito de outra forma, o indício permite que se prove a existência do facto através de uma relação constituída quer por leis científicas quer por uma regra de experiência. O indício é uma espécie de prova indirecta que consiste em provar um facto incerto a partir de um determinado facto.

Vamos fazer um exemplo.

O Eduardo é encontrado morto em casa, morto por um disparo. Coitadinho. Krowler, um vizinho, relata às autoridades que viu Sérgio sair da casa da vítima cinco minutos depois de ouvir a disparo. Esta circunstância pode ser considerada como indício da culpa de Sérgio, mas não como prova, uma vez que Sérgio não foi visto no acto de cometer o assassinato, mas simplesmente ao sair do local do crime.

Claro que este é um caso simples, onde a ligação entre Sérgio e o assassinato de Eduardo parece ser bastante óbvia (mas não “provada”). Existem situações em que a ligação não é tão óbvia, em que o implante acusatório apoia numa série de indícios sobre os quais é construído um teorema.

Neste caso, o teorema acusatório deverá esta baseado em indícios:

Em relação ao caso Lula, portanto, a ausência de provas não é significativa: a jurisprudência admite uma condenação baseada nos indícios. A casa de Katabaia ou como raio se chama não era legalmente de propriedade de Lula? Isso nada significa: poderia não estar em nome de Lula mas este poderia utiliza-la e dispor dela como se fosse a sua. Neste caso seria uma propriedade “de facto”.

Mas há um pormenor que não podemos esquecer em toda esta história de Lula. Tenho observado que as iras do defensores de Lula apontam todas contra Sérgio Moro, o juiz que conduziu as investigações e que foi quem construiu o teorema acusatório. Todavia, pelo que eu sei, as decisões dele foram maioritariamente confirmadas desde o Tribunal Regional Federal da 4ª Região até ao Supremo Tribunal Federal. Ou seja: o teorema acusatório foi reconhecido como válido em várias instâncias. E a recente “anulação” não é devida ao derrube do teorema, mas a uma questão técnica (de jurisdição, se bem entendi).

Este é um “pormenor” muito importante porque num processo baseado apenas em indícios o papel dos juízes é absolutamente fundamental: é muito simples condenar alguém quando encontrado com na mão a pistola fumegante, é muito mais complexo quando não tivermos provas. Neste caso é fundamental a experiência dos juízes. Pelo que, ao declarar Lula é inocente, temos que admitir que todos os tribunais de vários graus estavam errados ou corruptos. É possível? Sim, é: o Leitor é que sabe.

Resumindo: tudo isso significa que não podemos basear a nossa opinião apenas no facto do ex-Presidente ser ou não dono legal da casa de Ipatamabaia ou como raio se chama. Dizer “Falta a prova provada” nada significa: é perfeitamente possível (e legal) ter uma condenação mesmo com falta total de provas. E não sou eu que digo isso, é a Lei.

 

Ipse dixit.