A ideia não é enaltecer a Rússia mas assumir que não há diferenças entre regimes e que todos somos vítimas das respectivas propagandas.
Na Rússia do ditador Vladimir Putin, o julgamento contra Alexey Navalny realiza-se de forma aberta, com tanto de jornalistas e câmaras fotográficas: falamos do Navalny, o “inimigo número um” de Putin, que até está autorizado a actualizar o blogue dele.
No muito mais europeu País de Espanha, por outro lado, atiram para a prisão um rapper, Pablo Hasel, pelo conteúdo dos seus tweets e das letras das suas canções.
Na democraticíssima Grã-Bretanha, entretanto, Julian Assange e o seu julgamento, o seu estado de saúde, até o seu rosto não são conhecidos. E de blog nem se fala.
Ao mesmo tempo, o Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Segurança, Josep Borrell, encontra-se em Moscovo numa visita oficial, onde tem um encontro com o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov.
Ontem à noite (na TVI), a televisão portuguesa oferece uma curta reportagem na qual era possível observar Borrell que pedia a libertação de Alexey Navalny e uma “investigação transparente” sobre as causas do alegado envenenamento no passado mês de Agosto. Lavrov respondeu laconicamente que “a Europa não é de confiança”. Um resposta de quem não tem argumentos, como é óbvio. E, dado que a Rússia é má, não tem argumentos e só pode responder com uma ofenensa.
Só que, na realidade, Lavrov falou muito mais e foi apenas a edição efectuada pela televisão portuguesa que reduziu tudo àquele “a Europa não é de confiança”. Entre as outras afirmações, Lavrov disse o seguinte:
Os líderes da independência catalã estão presos por organizarem um referendo, uma decisão que a justiça espanhola não revogou apesar dos tribunais da Alemanha e da Bélgica terem decidido contra. […] A Espanha defendeu o seu sistema judicial e pediu para não duvidar das suas decisões. É o que queremos que o Ocidente faça em termos de reciprocidade.
Um pouco diferente, não é? Procurem na internet: no Youtube, por exemplo, pois vídeos não faltam.
Pela sua parte, a Ministra dos Negócios Estrangeiros espanhola Arancha González Laya, em resposta às palavras do seu homólogo russo, negou que os líderes independentistas catalães sejam “presos políticos”. São só “presos”, o que muda tudo…
Além das edições efectuadas pelos órgãos de informação: quantas reportagens viram acerca de Alexey Navalny? Quantas acerca dos presos da Catalunha? Sabiam do rapper Pablo Hasel? Conseguem explicar estas disparidades e as impróprias edições das notícias sem recorrer ao termo “propaganda”?
Como definir um Estado que prende um rapper pelo conteúdo das suas canções? Eu entenderia e até apoiaria a decisão se Hasél fosse preso pelo facto de fazer rap, sendo este um tipo de música que detesto. Mas condenar o conteúdo das letras é apenas um infame acto de censura e sintoma de medo. Pelo que: viva Pablo Hasél, viva o ra… ok, não exageremos.
Ipse dixit.