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5G: danos no DNA?

A tecnologia 5G é prejudicial? Não sei. Já a 4G era acusada de ser letal e ainda aqui estamos: provavelmente o problema não é a 4 ou a 5G mas o excesso de frequências às quais estamos expostos, algo que no longo prazo pode provocar problemas.

“Pode” porque encontrar uma prova definitiva é praticamente impossível e não admira: quando surgiu o fibrocimento (comercialmente conhecido como Eternit) este parecia ter propriedades milagrosas pois era resistente ao fogo, impermeável, isolante, até conseguia reduzir a poluição acústica. Desde 1911 tinha sido um sucesso em todo o mundo. Isso até descobrir que tanto a produção quanto a utilização eram cancerígenas, nos anos ’90 do século passado. Oitenta anos a utilizar um material altamente prejudicial, até conseguir reunir as provas científicas suficientes para declarar o fibrocimento perigoso. E, mesmo assim, nos Estados Unidos e na Rússia ainda hoje é lícito produzir e utilizar o material que outras realidades (União Europeia, China, Brasil, Austrália, Argentina, etc.) declararam fora de lei.

Voltamos ao 5G: o debate está aberto mas nada até agora parece constituir um sério travão à sua implementação. Algo pode mudar?

A investigadora Fiorella Belpoggi, Directora do Centro de Investigação do Cancro do Instituto Ramazzini de Bologna (Italia), está convencida de que sim, há algo a mexer-se. Por cima da mesa dois estudos, um do americano National Toxicology Program e um do Istituto Ramazzini:

Aqui estão as provas comprovadas da toxicidade das radiofrequências que causam a quebra do ADN em animais (ratos e ratazanas) sujeitos a radiofrequências na experiência do National Toxicology Program, tão criticada juntamente com a nossa realizada no Istituto Ramazzini. Não somos nem visionários, nem alarmistas, nem difusores de receios injustificados à procura duma visibilidade efémera, como alguém disse no Parlamento, mas fazemos o nosso trabalho com seriedade e honestidade: espalhamos a verdade.

As declarações da cientista, empenhada em denunciar os graves riscos do 5G e do electrosmog mesmo no Parlamento italiano, vêm com a publicação do estudo em revisão interpares sobre “Avaliação da genotoxicidade da radiação de radiofrequência dos telemóveis em ratos e ratazanas em resultado da exposição subcrónica“.

O que afirma o documento?

O National Toxicology Program testou duas modulações da radiação de radiofrequência comum (RFR) emitida pelos telemóveis num ensaio de 2 anos sobre o cancro dos roedores que incluiu avaliações intermédias de animais adicionais para os parâmetros de genotoxicidade. Hsd. masculino e feminino: Os ratos Sprague Dawley SD e B6C3F1 / N foram expostos, a partir do quinto dia de gestação ou do 35º dia pós-natal, respectivamente, à divisão do código de acesso múltiplo (CDMA) ou ao sistema de modulação móvel global (GSM) durante 18 horas por dia, com intervalos de 10 minutos, em câmaras de reverberação com taxas de absorção específicas (SAR) de 1.5, 3 ou 6 W/kg (900 MHz) ou 2.5, 5 ou 10 W/kg (1900 MHz).

Após 19  ou 14 semanas de exposição, os animais foram examinados para testes de genotoxicidade associados à RFR, utilizando duas medições diferentes. Utilizando o teste do cometa alcalino (pH> 13), os danos foram avaliados no DNA em células de três regiões cerebrais, células hepáticas e leucócitos do sangue periférico; utilizando o teste do micronúcleo, foram avaliados danos cromossómicos em eritrócitos do sangue periférico imaturos e maduros. Os resultados dos testes do cometa mostraram aumentos significativos dos danos no DNA no córtex frontal de ratos machos (ambas as modulações), leucócitos de ratos fêmeas (apenas CDMA) e hipocampo de ratos machos (apenas CDMA).

Foram observados e julgados como equívocos aumentos no DNA em muitos outros tecidos dos ratos. Não foram observados aumentos significativos de eritrócitos micronucleados. Em conclusão, estes resultados sugerem que a exposição à RFR está associada a um aumento dos danos no DNA. Os danos cromossómicos foram avaliados em eritrócitos do sangue periférico imaturos e maduros.

O debate em Italia entrou numa fase crítica após a publicação do documento do Instituto Superior de Sanidade Radiazioni a radiofrequenze e tumori: síntesi delle evidenze scientífiche, estudo que deixa não poucas dúvidas. Eis as conclusões, com em negrito algumas partes significativas:

A investigação realizada nas últimas décadas abordou muitos aspectos dos possíveis efeitos adversos da exposição a níveis de radiofrequência inferiores às normas de prevenção dos efeitos estabelecidos, com base em mecanismos de interacção conhecidos. Foi alcançada uma maior clareza quanto à ausência de certos efeitos adversos para a saúde, suspeitos de resultar da exposição, embora algumas questões ainda não tenham obtido uma resposta satisfatória e exijam uma investigação científica mais aprofundada. Por exemplo, no que respeita ao risco de tumores cerebrais em relação à exposição às radiofrequências dos telemóveis, os dados disponíveis até à data sugerem que a utilização comum de telemóveis não está associada a um risco acrescido de qualquer tipo de tumor cerebral. Subsiste alguma incerteza quanto às consequências de uma utilização muito intensiva, em especial de telemóveis de primeira e segunda geração com elevado poder de emissão. Tendo em conta a ausência de aumentos da tendência temporal das taxas de incidência e os resultados negativos dos estudos, mesmo pequenos aumentos do risco parecem improváveis, mas não podem ser excluídos. Além disso, os estudos realizados até agora não foram capazes de analisar os efeitos a longo prazo da utilização de telemóveis nas crianças e uma possível vulnerabilidade acrescida a estes efeitos durante a infância. Estas questões não resolvidas exigem uma investigação científica através de estudos prospectivos e um acompanhamento contínuo das tendências temporais na incidência de tumores cerebrais. Do ponto de vista das implicações regulamentares, na opinião da OMS e de muitos painéis internacionais de peritos, as actuais provas científicas, embora não permitam excluir completamente a possibilidade de efeitos a longo prazo da exposição prolongada a baixos níveis de radiofrequência, não justificam alterações substanciais à actual abordagem das normas internacionais em matéria de prevenção dos riscos para a saúde.

Obviamente, as reacções perante um tal documento cheio de “se” e de “mas” não foram benévolas. Fiorella Belpoggi:

As provas de que a radiação de radiofrequência (RFR) é prejudicial para os organismos vivos são claras. Estudos epidemiológicos e provas experimentais recentes mostraram a correlação entre as RFR e alguns tipos raros de cancro de células nervosas em animais de laboratório, do mesmo tipo observados em estudos epidemiológicos; além disso, foram encontrados danos no DNA, células e sistemas de órgãos, bem como em seres humanos, numa grande variedade de plantas e animais. Os dados foram todos publicados nas principais revistas especializadas em mais de 10.000 artigos. A exclusão da avaliação de muitas destas importantes conclusões do relatório é grave e recorda um pensamento: “mentir por omissão”.

Ao lado da Directora do Centro de Investigação do Instituto Ramazzini surgem várias organizações entre as quais o International Society of Doctors for the Environment (ISDE) que não poupa críticas no Esposizione a radiofrequenze e cancro: considerazioni sul rapporto ISTISAN 19/11 (“Exposição a radiofrequências e cancro: considerações sobre o relatório ISTISAN de 19/11”):

E assim conclui:

Tendo como base os dados disponíveis na literatura científica sobre os efeitos da exposição crónica à radiofrequência, é necessário lembrar que a “possível” (de acordo com a classificação da IARCCI [Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro, ndt]) relação com o cancro (especialmente gliomas e neurinomas) é certamente temível, mas não é a única nem a mais relevante de um ponto de vista epidemiológico.

Ou seja: não há só os tumores. Além das “zonas cinzentas” não suficientemente investigadas (é o caso da relação entre utilização de telemóveis e crianças), os estudos disponíveis parecem demontsrar (o condicional é obrigatório, mais uma vez) que as radiofrequências podem ser responsáveis por um leque de patologias muito mais abrangente. É quanto afirmado no estudo do National Toxicology Program com os danos no DNA.

Infelizmente, esta incerteza continuará a persistir: nos próximos anos veremos novos estudos pontualmente desmentidos por contra-estudos. Todas as grandes multinacionais estão a investir rios de dinheiro na tecnologia 5G e já se fala da implementação da Inteligência Artificial na próxima rede 6G, ” trazendo uma onda significativa de inovação nas comunicações pessoais. Inteligência artificial e aprendizado de máquina podem trazer serviços e experiências de comunicação sem precedentes para os usuários” como reza Wikipedia.

É difícil apresentar provas definitivas no debate acerca do 5G, mas provavelmente estamos em condições de responder à seguinte pergunta: achamos que alguns possíveis tumores ou danos ao DNA podem travar a marcha do chamado “progresso” no qual as multinacionais da comunicação tanto investiram, considerando que o valor das acções 5G podem crescer até 35% nos próximos tempos?

 

Ipse dixit.