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KTDI, para o nosso bem, tal como sempre

Há poucos dias (em 26 de Março passado) o Fórum Económico Mundial publicou o caderno de encargos e um novo sítio Web do projecto denominado KTDI (Known Travel Digital Identity, “Identidade Digital de Viagem Conhecida”). Não é uma novidade absoluta mas um plano que circula já há uns tempos (pelo menos quatro anos) e que vê empenhados nomes como Google, Visa, US Department of Homeland Security entre outros (mais abaixo a lista completa).

Tendo o carimbo de empresas e instituições tão conceituadas e notoriamente envolvidas no bem estar dos povos, é claro desde logo que o KTDI deve ser uma coisa bem simpática e da qual sentimos a falta.

De facto, o KTDI é uma visão de “vigilância conceptual” para monitorizar e controlar os viajantes. O KTDI utilizaria a tecnologia blockchain para conectar o viajante, através de uma aplicação num dispositivo móvel, aos seguintes dados:

Qualquer estadia num hotel, compra ou outra transacção tornar-se-ia como uma espécie de passagem de fronteira virtual, permanentemente carimbada no passaporte como parte de um “passe de viagem” digital sujeito a controlo após pedido das autoridades.

Todos estes dados destinam-se a ser utilizados para discriminar os viajantes cujos perfis de identidade pré-criminais são classificados como “de alto risco” ou “de baixo risco”.

O acesso a um historial mais completo de viagens e registos de transacções é um objectivo de longa data das agências governamentais de vigilância. De acordo com as normas estabelecidas pela ICAO (Organização da Aviação Civil Internacional), é reservado um espaço no chip RFID em cada passaporte electrónico para os dados do histórico de viagens. Mas isto foi entendido, até hoje, exclusivamente para os dados de passagem de fronteira ou dados de entrada/saída, e não para os registos de estadias em hotéis ou para transacções. E, de facto, poucos Países registaram o histórico das viagens nos chips dos passaportes, provavelmente devido ao espaço limitado disponível no mesmo chip.

Na apresentação na conferência no Hotel Electronic Distribution Network Association (HEDNA), representantes da Accenture (principal contratante do Fórum Económico Mundial para o projecto KTDI) e da Marriott gabaram-se de como, com base nos dados do KTDI, um indivíduo poderia ser seleccionado na multidão para ser colocado na lista negra através do reconhecimento facial automático, “sem o parar ou controlar a câmara”. Assim, um procedimento automático, gerido por logaritmos, pode ser utilizado para a vigilância em massa continuada e não consensual.

Como afirmado, a ideia não é nova e a primeira aplicação prática do KTDI tinha sido planeada para ser utilizada nos voos da Air Canada e/ou KLM entre os aeroportos de Amesterdão Schiphol (AMS), Toronto (YYZ) e Montreal (YUL). A data? “Início de 2020”, mas é provável que tudo tenha sido adiado devido à pandemia de CODIV-19 e aos consequentes aeroportos vazios.

A participação do Canadá e dos Países Baixos no projecto-piloto também é intrigante: o acordo que teria permitido a partilha dos dados pessoais dos passageiros (nome, itinerário, etc. ) nas rotas entre o Canadá e a União Europeia foi invalidado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em 2016. E não foi aprovado qualquer novo acordo. Mas evidentemente o World Economic Forum está acima destas trivialidades.

A lista dos participantes no projecto KTDI? Aqui está:

Do projecto piloto fazem parte também:

Dúvida: mas o sistema KTDI é seguro? Seguríssimo, como explicam as FAQ’s do site. O viajante será o único na posse da chave para aceder aos dados e estes serão inseridos numa blockchain que, como sabemos, não é possível quebrar. Será o viajante a escolher com quais organizações partilhar tudo: tais organizações serão certificadas e nunca irão partilhar os dados obtidos, até estão prontas a jura-lo e escreve-lo num papel se for o caso. Pelo que: segurança máxima.

Eu sei, eu sei… estas coisas fazem lembrar alguns filmes de ficção, nos quais os cidadãos são constantemente vigiados por câmaras e onde não há liberdade. No entanto não se esqueçam que tudo é feito para o nosso bem.

Imaginem o que é viajar e saber que há sempre alguém que controla a nossa segurança. Entramos num hotel? A câmara já nos identificou e a funcionária sabe o que desejamos: um quarto para não fumadores, com televisão, internet de borla e café com leite às 7:00 da manhã seguinte. Algures um disco rígido memoriza a hora de chegada, a forma de pagamento, para onde fomos antes, com qual voo, qual o táxi utilizado desde o aeroporto, quantas malas carregamos. Querem mais segurança ainda? Então mantenham sempre ligado o GPS do telemóvel, de forma que seja possível monitorizar continuamente os nossos passos e cruzar os dados com as câmaras, em tempo real. Há coisas que não têm preço.

O assunto mais importante, inútil nega-lo, é a prevenção do crime. Imaginem um sistema que consiga identificar um terrorista árabe armado pelos serviços secretos ocidentais, disfarçado entre os turistas, com a intenção de fazer-se explodir em pleno voo para espalhar o pânico. E se o avião no qual o terrorista voa fosse o vosso? Com o KTDI isso não poderia acontecer porque o terrorista seria logo identificado, mesmo antes do embarque. As câmaras não erram. No máximo são desligadas quando poderiam ser mais úteis, como no caso do suicídio Epstein, e o vosso voo explode na mesma. Mas errar? Nunca.

 

Ipse dixit.