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Distracção das massas: as raízes – Parte I

O papel que a artilharia desempenha na preparação do ataque de infantaria no futuro será desenvolvido pela propaganda revolucionária. É uma questão de quebrar psicologicamente o inimigo antes que as tropas comecem a agir.

Adolf Hitler

No momento histórico em que vivemos, a frase escrita por Adolf Hitler em Mein Kampf parece até optimista. Desde o período do pós-guerra, as tropas ficaram em acção durante mais de quarenta anos, para serem substituídas completa e definitivamente, no final dos anos noventa, pelos órgãos de comunicação. E assim, ao contrário da visão “profética” deixada por Adolf Hitler, também o ataque final está a ser lançado pelos media.

A diferença entre os anos quarenta e hoje é a transformação genética que nos leva a viver a guerra sem nem percebermos dela. Estamos constantemente sob o fogo dos media, bombardeados com mensagens e à mercê de forças que tentam impor as suas versões de valores que deveriam ser como os nossos: progresso, paz e democracia.

Televisão, telefones, rádios e redes de computadores são poderosas ferramentas políticas, já que a sua função não é produzir ou distribuir bens materiais, mas influenciar ideias e percepções humanas. Após a era da “guerra convencional”, entramos, sem dor, na era da desinformação e, quase inadvertidamente, estamos prestes a entrar na dupla desinformação e entretenimento. Ou seja, na era do disinfotainment.

É difícil tirar conclusões porque, como já afirmado, é impossível para já prever o que acontecerá no futuro. Mas de certeza, as possibilidades oferecidas pelos novos canais de comunicação, combinadas com as técnicas de quebra de informação e com os novos sistemas de planeamento estratégico, poderão criar infinitas formas de desinformação. Sempre que no futuro possa ainda existir a necessidade da desinformação: o Panopticon (termo utilizado para designar uma penitenciária ideal, concebida pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham em 1785, que permite a um único vigilante observar todos os prisioneiros, sem que estes possam saber se estão ou não a ser observador e onde o medo e o receio de não saberem se estão a ser observados leva-os a adoptar o comportamento desejado pelo vigilante) com o tempo, tornou-se invisível até que hoje há muitos que duvidam que ele exista de verdade.

Parafraseando Charles Baudelaire, pode-se dizer que “o mais inteligente, mais bonito e astuta obra da desinformação é fazer as pessoas acreditarem que ela não existe”. E este é o cume do sistema da desinformação, a ilusão de viver num regime de paz apesar da guerra; apesar de viver numa altura em que a atitude em relação à persuasão, à colonização cultural e religiosa ainda está em constante crescimento e, como se isso não bastasse, tem uns novos media, cada vez mais poderosos.

 

A propaganda

Nada seria o que é porque tudo seria o que não é; e também o oposto, o que é, não seria e o que não seria, seria.
Alice no País das Maravilhas, Lewis Carroll

Há três fantasmas que vagam pelo Ocidente, perturbando os sonhos dos ingénuos: propaganda, persuasão e desinformação. A diferença entre esses três instrumentos de “guerra” nem sempre é clara e valerá a pena fornecer alguma definição. Vamos começar com propaganda.

Ao falar de “propaganda”, no estéril e repetitivo mundo da informação alternativa é citado sempre Goebbels, como se o hierarca alemão tivesse sido o inventor da mesma. O que é falso. Uma das definições mais conhecidas é aquela fornecida por Jacques Ellul, uma definição que gira em torno dos objectivos e da modalidade, com uma interpretação psicológica que, todavia, pode não satisfazer completamente:

A propaganda é o conjunto de métodos usados ​​por um grupo organizado a fim de fazer com que uma massa de indivíduos psicologicamente unificados participe activa ou passivamente na acção através de manipulações psicológicas e enquadradas numa organização.

Sim e não. Mais interessante é a abordagem de alguns teóricos que colocam a propaganda em oposição à educação. Para H. D. Lasswell, um dos primeiros especialistas americanos neste campo, o educador difere do propagandista principalmente porque o primeiro lida com assuntos que não são objecto de controvérsia para o público. Todos concordam com o educador que explica como o alfabeto comece com “A, B, e C”, mais difícil que todos concordem com a interpretação duma acção política dum governo. E assim a propaganda pode ser definida como uma actividade “educacional” que, no entanto, para ser desenvolvida, precisa de construir o consenso entre o seu público.

De acordo com os assim chamados “Teóricos da Conspiração”, um dos objectivos do Council on Foreing Relations (“Conselho de Relações Exteriores”, CFR) consistiria precisamente em criar uma literatura académica capaz de promover os benefícios de um governo mundial e atrair os ricos intelectuais que poderiam influenciar a direcção da política externa americana. Portanto, existiria um centro de elaboração onde intelectuais, historiadores, linguistas e psicólogos trabalham para transformar o significado da História. Este seria o “Ministério da Verdade” contado por George Orwell na sua obra prima, onde é dito que “Quem controla o passado, controla o futuro”.

Esta teoria conspiracionista está certa? Não é este o artigo para tratar do assunto, provavelmente as coisas não são tão lineares, há mais do que isso. Mas o que interessa aqui é observar a construção da propaganda: os “arquitectos” da unificação não apenas reescreveram a história em favor dos poderosos, algo que todos os vencedores sempre fizeram, mas em função de conceitos fundamentais sobre os quais o projecto de governação mundial deve encontrar sua lógica.

Quem acredita que os tempos em que Hollywood actuava directamente como uma máquina de propaganda terminou com o fim da Segunda Guerra Mundial ou da Guerra Fria, não deve ter observado com atenção as personagens que agora estão a correr no ecrã das nossas televisões: paladinos de drogas, poderosos do Pentágono e agentes de serviços secretos. O Poder influencia directamente as obras cinematográficas e televisivas, chegando, em alguns casos, a impor mudanças aos roteiros e a manipular, de maneira subtil e subliminar, as mentes dos espectadores.

 

A persuasão

Fiz de maneira que a escola não interferisse com a minha educação.
Mark Twain

A principal arma disponível para a propaganda é, sem sombra de dúvida, a persuasão. E a máxima expressão de persuasão é constituída pela publicidade, a forma mais avançada tecnologicamente: todas as formas de comunicação estão a conformar-se ao modelo persuasivo.

O primeiro a atacar esta prática foi Platão que, na sua obra Gorgia, assim fala dos retóricos (que praticavam a persuasão):

O retórico é, sem dúvida, capaz de falar contra muitos acerca de tudo, de modo a persuadir a massa acerca de tudo o que ele quer.

No livro Trust Us, We’re Experts: How Industry Manipulates Science and Gambles with Your Future (“Confie em Nós, Somos Especialistas: Como a Industria Manipula a Ciência e Arrisca o Teu Futuro” de 2002), os autores Stauber e Rampton recolheram alguns dados convincentes que descrevem a criação da opinião pública nos Estados Unidos, individuando a origem da manipulação no trabalho de Edward L. Bernays, considerado por muitos como o “pai” da persuasão e objecto de estudos por parte de Josef Goebbels também.

Edward L. Bernays, nascido em 1891 (e, obviamente, hebreu), compara a massa a “um rebanho que precisa ser guiado”. Todavia, Bernays não se limita a afirmar que as civilizações foram criadas e guiadas por uma pequena aristocracia intelectual e que as massas, sendo instintivas e indisciplinadas, não têm a força para destruir a tal aristocracia, acabando assim por serem dominadas por indivíduos que têm o conhecimento da alma das multidões; ele está certo de que a manipulação científica da opinião pública é necessária para superar o caos e o conflito numa sociedade democrática e que os melhores resultados serão obtidos se as massas forem controladas sem o conhecimento delas.

No seu livro Propaganda (1928), Edward L. Bernays enfrenta a questão da “elite do poder”, afirmando que aqueles que manipulam o mecanismo oculto da sociedade constituem um governo invisível, que é o verdadeiro poder que controla. Portanto, somos governados, as nossas mentes são moldadas, os nossos gostos são formados, as nossas ideias são quase totalmente influenciadas por homens dos quais nunca ouvimos falar.

Este é o resultado lógico da maneira como a nossa sociedade democrática é organizada. Um vasto número de seres humanos deve cooperar desta maneira se quiserem viver juntos numa sociedade que trabalhe de forma tranquila. Assim, em quase todas as ações de nossa vida, seja na política ou nos negócios, no nosso comportamento social ou no nosso pensamento moral, somos dominados por um número relativamente pequeno de pessoas que entendem os processos mentais e os padrões de comportamento das massas. São aqueles que puxam os cordéis que controlam a mente das pessoas.

Lógico o sucessivo aparecimento das Relações Públicas, cuja invenção é atribuída a Ivy Lee, uma ex-jornalista, que inventou e desenvolveu o sector das relações públicas como as entendemos hoje. Ivy Lee, nascido nos Estados Unidos em 1877 e estreito colaborador da família Rockefeller (mas também consultor da nazista IG Farben, fusão das empresas BASF, Bayer, Hoechst e Agfa, e membro do Council on Foreign Relations) entendeu como os jornalistas, se prontamente informados pelas agências de relações públicas, são pressionados a não investigar por conta própria. Este modus operandi será rapidamente entendido pelos governos também ao ponto que hoje é deveras simples encontrar notícias repetidas de forma quase idêntica nos vários órgãos de informação; às vezes o Leitor nem é informado de que o serviço jornalístico “independente” é, na verdade, uma declaração de uma agência de relações públicas.

A verificação das fontes e o uso do senso crítico (na prática: o jornalismo) são agora capacidades atrofiadas, assumindo passivamente o ponto de vista das poucas agências que informam centenas de Países. Considerando algumas fontes como absolutas e ignorando outras, a informação já é alterada na origem, derivando de um único ponto de vista que, no contexto, parece ser objectivo. Apenas em casos muito raros, através de um ou mais meios de comunicação, transparece algumas fracas críticas ao sistema, mas são aquelas que, no jargão, são definidas como “fendas controladas”, ou seja, críticas feitas para gerar confiança no leitor ou espectador. Todavia, estas “fendas” acabam por ser vagas e discordantes, acabando assim por fortalecer a confiança nos órgãos de comunicação mainstream.

Mas neste ponto é precisa atenção porque as coisas não são tão simples como podem aparecer. Se a persuasão for um meio de comunicação, a verdade é que não é o único e, sobretudo, é dirigido contra um ser dotado de raciocínio (pelo menos algum…) e isso tem consequências. No mundo da informação alternativa circula a famosa frase de Goebbels segundo a qual “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”: a frase é sem dúvida válida mas deve respeitar determinadas condições.

Já o filosofo Immaneul Kant (séc. XVIII) tinha observado a diferença entre persuasão e convicção, chegando a afirmar que “a persuasão é uma mera aparência, uma vez que o fundamento do julgamento […] é considerado objectivo”. E podemos retroceder ainda mais porque é útil notar que, a partir de Aristóteles, uma certa corrente de pensamento interpretou a relação entre persuasor e persuadido num sentido muito semelhante à concepção informática da arquitectura client-server, segundo a qual o persuasor alavancaria algo que já está presente na mente do seu interlocutor.

Resumindo: para que uma mentira repetida mil vezes possa tornar-se realidade, deve parecer credível. Isso é: deve respeitar algumas convicções do público. Se aparecesse uma notícia segundo a qual o Sol é verde, esta poderia ser repetida mil vezes e provavelmente no fim encontraria alguém disposto a admitir que a nossa estrela é mesmo verde; mas a maior parte dos leitores e espectadores continuaria a não aceitar esta conclusão.

É exactamente neste contexto que estão inseridas as técnicas para a construção da realidade. É nesse contexto que funciona a teoria chamada de agenda-setting. A hipótese da agenda-setting não defende que os media tentem persuadir; os media, descrevendo e especificando a realidade externa, apresentam ao público uma lista sobre a qual opinar e discutir. Na prática, trata-se de seleccionar um conjunto de notícias que descrevem a realidade: as notícias são publicadas e a partir daí as massas começam a debater acerca delas para defender os vários pontos de vista. O que escapa às massas é que as notícias publicadas não são toda a realidade mas apenas algumas e seleccionadas visões dela.

Magnífico exemplo do agenda-setting é a questão política: os media apresentam as decisões, os vários pontos de vista, as intervenções e tudo isso gera uma enorme discussão entre a massa. E, no meio desta confusão, ninguém põe em dúvida a coisa mais importante: a validade do nosso sistema político. É assim que surgem termos como gatekeeper (indivíduo que conhece os factos mas decide publicar apenas alguns deles para condicionar a opinião pública) ou newsmaking (teoria segundo a qual as notícias são como são porque a rotina industrial de produção assim as determina).

Afinal das contas, o agenda-setting não faz outra coisa a não ser publicar aquelas notícias que grande parte (mas também sectores de nicho) das massas querem ler e ouvir. Isso tem também o poder de tranquilizar as mesmas massas: não há o indefinido no horizonte, tudo procede segundo os trilhos do já conhecido. Os apoiantes da Esquerda querem ouvir determinadas afirmações e acções por parte dos seus representantes políticos, tal como acontece com os apoiantes da Direita. E mais: o agenda-setting permite que cada um possa sentir-se parte integrante da realidade, sendo que a discussão verte sobre conceitos que todos conhecem e sobre os quais todos têm opiniões já formadas e conhecimentos já adquiridos. É claro que esta forma de persuasão limita a realidade e condiciona fortemente (ou até proíbe) os desenvolvimentos da sociedade em determinadas direcções, evitando que outros aspectos da realidade sejam revelados e debatidos. Mas é também verdade que o agenda-setting explora a induzida e nesta altura já natural preguiça mental de boa parte das massas, satisfazendo as espectativas delas.

Na prática: com o agenda-setting recebemos um quente caldo de galinha porque foi exactamente isso que encomendámos e que esperamos receber.

Dúvida: e quem não encomendou o caldo? Resposta: Youtube. Aí qualquer um pode encontrar o que mais lhe apetecer, desde Nibiru até a Terra Plana, desde os Reptilianos até os zombies, desde os Annunakis até Matrix. É aqui que entra em campo o papel decisivo da informação alternativa, que tem a função de controlar e satisfazer as pontas soltas do sistema. Mas disso iremos falar na segunda parte do artigo, ao tratar da desinformação: agora voltemos ao tema da persuasão porque é claro que há sempre uma estreita ligação entre a pesquisa científica e a exploração desta pesquisa psicológicas acerca das massa para fins que nada têm a ver com os interesses da comunidade. Há sempre uma influência directa por parte daqueles que usam os avanços da ciência na orientação das suas escolhas. Também neste campo, a desinformação pode desempenhar um papel muito importante, criando um efeito de cobertura.

O problema que surge, neste momento, é tentar estabelecer se nasceram antes as técnicas de construção da realidade ou as suas teorizações. Pode parecer uma dúvida absurda: como é possível haver técnicas da construção de realidade sem que antes exista uma teoria que trate do assunto? Na verdade, a absurdidade é só aparente: pode ter existido a construcção da realidade muito antes da teoria ser publicamente estudada e formada. E não falamos aqui duma teoria da conspiração que envolve obscuros grupos de poder que actuaram ao longo dos séculos: falamos aqui duma necessidade absolutamente natural para manter a ordem no interior de vários sistemas, sejam eles democracias, monarquias, etc.

Mas este é o assunto que será aprofundado na segunda e última parte do artigo, publicada amanhã, que tratará também do tema da desinformação.

 

Ipse dixit.

Fontes e bibliografia: na segunda e última parte.