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O futuro? Não é previsível.

…e assim, uma vez voltado Max de Italia, eis que o blog ganha vida outra vez. Mas o que encontrou Max ao longo da viagem? Mas interessa? A mim sim. Na ordem: Portugal, Espanha, França e Italia. Não seria mais cómodo de avião? Seria, mais cómodo, mais rápido e mais barato também. Mas eu gosto imenso de conduzir, parar, visitar lugares, falar com as pessoas, etc.

Por exemplo: utilizei a app BlaBlaCar, serviço que permite dar boleia (ou desfrutar de boleias) ao longo dum determinado percurso. E foi assim que em Girona (Espanha), recolhi uma rapariga que queria ir até Narbonne (França). E foi interessante. A rapariga (simpática, tímida, bonitinha e pontual) sentou-se e logo começou a fazer deslizar os dedos no ecrã do seu smartphone, praticamente sem parar. Respondia às perguntas com educação, mas sempre com o olhar no ecrã. Isso até eu ter realçado o facto de nós sermos dois seres analógicos e não digitais. Aí a rapariga entendeu e a conversa tornou-se bem mais agradável.

Atenção: não fiquei zangado com a rapariga, nem por isso, porque a falta foi mais minha do que dela. A verdade é que eu estou a ficar cada vez mais fora da realidade, menos adaptado perante o virtual, as eternas conexões internet, as clouds, etc. O mundo corre numa direcção que não é totalmente a minha (mas parcialmente sim: afinal não estou a escrever perante um ecrã algo que voar até a virtualidade da net?).

Experimentem pegar um barco de manhã, um daqueles que atravessam o rio Tejo: é o silêncio total, mesmo com o barco cheio. Todos curvados sobre um ecrã: quem lê, quem está empenhado no Telegram, quem consulta as previsões do tempo, quem actualiza o perfil, quem posta no Facebook… Tudo isto está errado? A verdade é que não sei, porque dependerá dos futuros desenvolvimentos.

A A.I. (Artifical Intelligence, ou Inteligência Artificial) já está aqui, entre nós. Por exemplo no GPS do carro: nós decidimos o ponto de chegada, depois confiamos na máquina para escolher as ruas nos cruzamentos. É a máquina que conduz o condutor. Claro, o GPS é um exemplo de A.I. muito básica: afinal trata-se dalguns logaritmos que calculam o percurso desde o ponto A até o ponto B, sendo que em muitos casos as possibilidades de escolha são reduzidas. Mas o conceito permanece válido: a máquina conduz o homem.

Há exemplos mais interessantes. Na Telecom italiana utilizam computadores capazes de auto-diagnosticar-se e reparar-se se for o caso. Pelo que: uma máquina que já analisa as suas próprias componentes e, se necessário, a substitui. Notável, mas ainda assim básico: atrás da máquina há sempre o homem que introduz os logaritmos, portanto “obriga” a máquina a realizar uma série de acções e a reagir perante acontecimentos com escolhas pré-determinadas.

O que ainda falta é… queremos chama-la “imaginação”? Eu sei, é um termo banal e que não descreve bem a realidade. Mas “imaginação” pode significar muitas coisas: por exemplo, pode significar a capacidade de criar necessidades (presentes e/ou futuras) e encontrar soluções para satisfazê-las. A actual A.I. não tem esta capacidade. Mas é só uma questão de tempo e, na minha óptica, não falta muito. Quando uma tal A.I. será criada (juntamente com a capacidade de auto- replicar-se, algo que já existe), a nossa sociedade poderá ser virada de avesso. Ou talvez não. Tudo depende de como será gerida a transição.

Imaginem um sistema de A.I. capaz de proporcionar o suficiente para que a população mundial possa satisfazer as necessidades básicas como comer, vestir-se, ter uma habitação. Parece algo saído dum livro de ficção científica? Em boa verdade os computadores já gerem as colheitas, comunicam entre eles através dum server para que um determinado terreno produza uma específica quantia de comida. Isso já acontece, não é nada de “futurista”. Pelo que, voltamos ao ponto duma A.I. capaz de substituir o homem naquelas que são as actividades necessárias à subsistência. Na altura teremos sete biliões de pessoas virtualmente “inúteis”. Estão a ver o tamanho da questão?

Somos capazes de imaginar como será uma sociedade assim? A resposta é simples e desconfortável: não, não somos capazes. A verdade é que estamos no limiar duma enorme revolução, provavelmente a maior desde a invenção do fogo, e não temos os instrumentos para prever o que irá acontecer. E esta não é uma afirmação de Max: é sempre a História que ensina. Ao longo do passado ninguém teve a capacidade de prever a evolução da sociedade durante os seus episódios mais impactantes. Podemos fazer previsões de tipo “razoável” quando a sociedade funciona segundo um esquema mais ou menos homogéneo. Mas isso é tudo.

Por exemplo: tendo em conta os actuais acontecimentos internacionais, podemos afirmar que no futuro poderia haver uma guerra entre China e Estados Unidos. Mas isso poderá verificar-se apenas no caso em que não haja entretanto o aparecimento de eventos “impactantes”, que possam subverter as bases que utilizamos para as nossas previsões. Caso haja um destes eventos “impactantes”, qualquer previsão é impossível.

Pegamos num dos exemplos mais conhecidos: Carl Marx. O historiador económico (porque basicamente isso era) conseguiu acertar numa série de previsões, mas hoje deixou de fazer qualquer sentido. A razão? Simples: Marx não tinha os instrumentos para prever o aparecimento na cena de novos elementos.

Para simplificar ao máximo: na altura dele havia o proletariado, a burguesia e a classe dos patrões. Mas a Finança (entendida nos moldes actuais de “Grande Finança” internacional) não tinha ainda o poder de hoje. Poderia Marx ter previsto a financiarização do mundo laboral? Sim, poderia, tinha os instrumentos necessários e suficientes para fazê-lo e Lenin reparou nesta falha décadas mais tarde, mas ambos preferiram apostar numa revolução do proletariado. E isso fazia sentido na época, mais sentido de que imaginar o trabalhador como pequeno dono (enquanto accionista) da fábrica onde trabalhava.

Mas nem Marx nem Lenin tinham a mínima possibilidade de prever o aparecimento dum novo sujeito: o computador. E o computador foi o primeiro passo para a Inteligência Artificial.

A verdade é que em qualquer altura as previsões são feitas tendo como ponto de partida apenas o que temos debaixo dos nossos olhos, e não poderia ser de forma diferente a não ser que uma pessoa tenha uma bola de cristal. Esta é a nossa actual situação: sabemos que algo está para vir; sabemos que será algo de extremamente importante, capaz de revolucionar por completo a nossa sociedade; sabemos também qual será a faísca que determinará a tal revolução; mas não somos capazes de fazer previsões que não estejam ligadas ao nosso actual modo de pensar, à nossa experiência de agora. E isso inviabiliza qualquer tipo de previsão de longo prazo.

Haverá biliões de pessoas desempregadas? Altamente improvável. Haverá dinheiro fornecido pelos Estados como direito de nascimento? Pode ser, admitindo que possa sobreviver o conceito de dinheiro também. Aparecerão novas classes sociais? Verosímil. Será necessária uma guerra planetária utilizada como uma espécie de reset? Também esta é uma das possibilidades. Mas tudo não passa de hipóteses. Se alguém tivesse afirmado em meados de 1700 que 150 anos depois as monarquias teriam sido coisa rara, teria sido tomado como louco. Mas foi o que aconteceu.

Portanto, repito, prever o futuro é impossível. A não ser que o futuro esteja já planeado e não desde hoje. Assunto interessante, não é? Vamos a falar disso. Mas não agora, há que desfazer as malas e encontrar espaço para 34 livros de história (livros em papel?!? Como disse: estou a ficar cada vez mais fora da realidade).

 

Ipse dixit.