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Utopia para Realistas

Dinheiro grátis para todos e muito mais tempo livre. Um sonho? Não, uma necessidade. Porque garantir a todos os cidadãos um rendimento básico compensa: reduz o crime, a mortalidade infantil, o abandono escolar, promove o crescimento e a igualdade. E reduzir a semana de trabalho até 15 horas aumenta a produtividade, aumenta os empregos part-time, reduz as emissões de C02 e promove a emancipação das mulheres.

Tudo isso (mas não só isso) é Utopia para Realistas de Rutger Bregman, historiador holandês com interesses que vão da filosofia à economia, que ocupou as páginas dos diários na passado Janeiro por ter participado no último Fórum Económico de Davos nestes termos:

Ninguém levanta o assunto de que os ricos não pagam a parte deles, aquela que é justo que paguem. […] Sinto-me como numa conferência de bombeiros onde falar sobre a água não é permitido. taxas, taxas, taxas. Todo o resto é besteira.

Bregman apresenta um discurso provocatório mas que tem solidas bases. Paradoxalmente, o título da sua obra não está certo: aquela descrita não é uma mera utopia mas um programa que poderia ser implementado já.

O ponto de partida do livro é que essa nova utopia é útil e necessária num mundo em que “muitos pensadores e políticos de esquerda tentam silenciar ideias radicais entre as suas fileiras pelo medo de perder votos”, enquanto “os neoliberais são imbatíveis no jogo onde a razão, os julgamentos e as estatísticas contam”. Mas é com uma grande quantidade de números e estatísticas que Bregman explica como o combate à pobreza é “um investimento que paga até com juros” e como distribuir dinheiro seja a melhor maneira para travar a miséria. Dinheiro livre, portanto, “não como um favor mas como um direito”: o que Bregman chama de “o caminho capitalista para o comunismo”.

Rutger Bregman

Segundo o economista Charles Kenny, do Centro para o Desenvolvimento Global dos Estados Unidos, “a principal razão pela qual as pessoas são pobres é o facto de não terem dinheiro suficiente” que, admitimos, como pensamento não é particularmente profundo. Mas o que pode surpreender é a solução: “dar-lhes dinheiro, porque esta é uma óptima maneira de reduzir o problema”. E aqui intervém Bregman com o que mais conta: exemplos práticos.

Há uma interessante lista de casos em que as doações de dinheiro sem contrapartes conseguiram melhorar as condições de vida da população nos Países em desenvolvimento, do Malawi à Namíbia. Experimentos realizados na Holanda e no Utah mostram que fornecer alojamento gratuito, bem como tirar as pessoas das ruas, reduz a incidência de alcoolismo, de abuso de drogas e os custos gerais são muito menores do que prestar assistência aos sem-abrigo e suportar os custos sociais e legais associados a pequenos crimes cometidos para sobreviver.

Os experimentos de rendimentos básicos têm funcionado bem, em pequena escala, mesmo quando aplicados a pequenas comunidades locais, como aconteceu nos EUA no final dos anos ’60, durante a presidência de Lyndon B. Johnson, e no Canadá nos anos ’70, com o Mincome.

Observa Bregman:

Greg J. Duncan, professor da Universidade da Califórnia, calculou que retirar uma família americana da pobreza custa em média cerca de 4.500 Dólares por ano. No final, o retorno desse investimento por família seria: +12.5 por cento de horas trabalhadas, +3.000 Dólares de poupanças anuais na política de welfare, entre +50 mil e +100 mil Dólares de maiores ganhos no trabalho, entre +10 mil e +20 mil Dólares em receita de impostos estaduais adicionais.

Isso acontece também porque a pobreza, ao colocar desafios imediatos, reduz o que os psicólogos chamam de “largura de banda mental”, chegando a influenciar negativamente o QI medido pelos testes. O que não admira: não ter dinheiro para poder comer obriga a passar o dia na tentativa de conseguir encontrar os recursos só para poder sobreviver, tudo o resto passa para o segundo plano.

E tudo isso nem é novidade: em 1969, o Presidente dos EUA, Richard Nixon, já estava a tratar do projecto de rendimento sem compensação para todas as famílias pobres. O que teve de enfrentar foi uma fortíssima oposição mesmo no seio do seu partido, até a publicação dos resultados extremamente negativos do sistema Speenhamland, que remontava ao início do século XIX e que consistia no aumento arbitrário do nível de rendimentos de “todos os homens e mulheres pobres” e das suas famílias. Um documento que mais tarde acabou por mostrar-se estar manipulado desde o início para “sabotar” o rendimento básico. Agora, de acordo com Bregman, “chegou a hora” de garantir a todos “um rendimento mensal suficiente para ganhar a vida mesmo sem mexer um dedo”, sem “nenhum inspector que verifique o que você faz ou se o utiliza sabiamente, ninguém quem pergunte se realmente for merecido”.

Os outros dois pilares da “utopia realista” dizem respeito ao trabalho.

O primeiro é a redução de horários, que o economista John Maynard Keynes considerou uma consequência inevitável do progresso, mas que, pelo contrário, nunca se concretizou. E isso apesar de ser evidente que a produtividade não depende das horas trabalhadas, bem pelo contrário.

O segundo é um mecanismo de incentivos que torne menos atrativos aqueles que Bregman chama de “empregos de brincadeira”, actividades bem remuneradas que não fornecem contribuições tangíveis à sociedade ou até destroem riqueza em vez de criá-la. O exemplo no livro é representado pelos banqueiros que concebem “produtos financeiros complexos que são, na prática, um imposto sobre o resto da população”). A ideia é de introduzir um imposto sobre as transações financeiras que, além de gerar receitas a serem usadas para investimentos úteis à sociedade, motivaria as mentes mais brilhantes a dedicarem-se à pesquisa, ensino ou engenharia, em vez de preferirem uma carreira nos bancos de investimento.

Ideias irrealizáveis “Chamá-las de irrealistas era um simples atalho para entender que colidiam com o status quo“, é a resposta de Bregman. “O fim da escravidão, a emancipação das mulheres, o advento da seguridade social foram todas ideias progressistas nascidas como loucas e irracionais, mas no final aceites como coisas normais”.

Claro, para entender o discurso de Bregman é necessário conseguir pensar out of the box, como dizem os anglo-saxónicos, “fora da caixa”, deixando de lado os preconceitos e analisando os factos de forma racional. Pode não ser simples e, obviamente, desperta a resistência de quem tem tudo a ganhar com o sistema actual.

 

Ipse dixit.

Nota: incrivelmente, o livro de Rutger Bregman pode ser encontrado traduzido em português. Com um pouco de esforço até dá para encontrar uma versão Pdf na internet (pelo menos em espanhol).

Nota 2: nos próximos dias vamos aprofundar o que se passou com os projectos Mincome e aquele de Nixon.

Fonte: Il Fatto Quotidiano.