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Venezuela: a amostra de golpe, operação mediática

Qual o sentido? Que dizer, uma pessoa observa o tentado mini-golpe na Venezuela e pergunta qual pode ser o sentido de tudo isso. Não temos números confiáveis, mas parece bastante claro que a adesão não foi nada impressionante. Possível um erro de avaliação tão flagrante? Duvido.

Do outro lado, fala-se de “rios de pessoas” que saíram à rua para defender Maduro. E também aqui é preciso realçar como as imagens (as poucas disponíveis) mostrem alguns militantes com tanto de estrelinha vermelha no chapéu que invocam punições exemplares para com os traidores. Mas nada de “marés” de pessoa.

Aliás, as (repito: poucas) imagens transmitem a ideia de ruas semi-desertas, com alguns blindados, gente que atira pedras, gases lagrimantes, policiais furtivos. As imagens mais naturais dum golpe pensado mal e acabado pior.

Um “acidente”? Não acho. Os Estados Unidos, os mandantes de Guaidó, são especialistas destas revoluções “espontâneas”: além de poderem contar com a informação recolhida no exterior, há também o controle da situação actuado a partir do interior da Venezuela. Então deve ter sido óbvio desde logo que esta amostra de golpe não teria tido as pernas para andar. Mesmo assim, Washington deu luz verde. A razão? Melhor falar em “razões”, no plural.

Pelo que, esta amostra de golpe pode ter conseguido alguns (fracos) resultados, mas não passa dum outro degrau no caminho que leva até a queda da Venezuela. É aquela que os anglo-saxónicos definem como escalation. E só uma questão de tempo: é preciso realçar como os Estados Unidos ainda não implementaram o Manual do Bom Revolucionário Pago, aquele já utilizado na Ucrânia. Não há por aqui Embaixadores que distribuem bolachas, não parece haver demasiados esforços para corromper elementos das forças armadas com propostas “irrecusáveis”, sobretudo não entraram ainda em acção os atiradores como em Maidan (Kiev). Esta falta em acusar o regime de Maduro de violência contra os seus próprios cidadãos é uma peça importante, algo sempre presente nas intervenções “humanitárias” dos “libertadores” com matricula dos Estados Unidos. Quando haverá o verdadeiro golpe, será difícil ter dúvidas pois começará a conta das vítimas.

E acerca disso acho que não pode haver muitas dúvidas. A agência de notícias Reuters, num artigo assinado por Aram Roston e Matt Spetalnick, lança a ameaça de Erik Prince, o fundador da Academi, controversa (este é um eufemismo) empresa de segurança privada de mercenários. Segundo a imprensa, a Blackwater (antigo nome da Academi) está a trabalhar num plano para enviar um exército privado na Venezuela em apoio ao autoproclamado Presidente Guaidò. Quem fala duma intervenção directa dos Estados Unidos não sabe do que fala: porque Washington não tenciona provocar uma crise maior daquela que já tomará forma e porque, afinal, os EUA não precisam arriscar as suas tropas na América do Sul.

Ao que parece, o simpático Prince procura investimentos e apoio político para essa operação na Venezuela. E a ideia seria ter patrocinadores importantes, incluindo muitos partidários do Presidente Trump e influentes venezuelanos no exílio. A soma necessária para a operação, cerca de 40 milhões de Dólares, não seria um problema e do ponto de vista militar um contingente de 5 mil mercenários seria suficiente. E nem podemos esquecer o cómodo apoio das bases colombianas. O exército da Academi seria recrutado entre mercenários peruanos, equatorianos, bolivianos mais vários e eventuais. Todavia, sempre segundo Prince, é necessário “criar um evento dinâmico para romper o impasse político no País”.

Na prática, o que Prince afirma é que não quer ser ele a atirar a primeira pedra: o que faz sentido, pois uma empresa privada que desencadeie um golpe num País soberano abriria cenários novos e imprevisíveis. Muito melhor se fosse uma situação criada por um “evento dinâmico” a “requer” a intervenção. A velha e querida guerra civil? Não sabemos.

Para já ficamos com esta amostra de golpe, uma operação mediática cujos alvos podem ser igualmente repartidos entre o interior e o exterior da Venezuela. Tudo adiado.

 

Ipse dixit.