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A Venezuela presa no grande jogo multipolar: R.I.P.

E Sergio pergunta: como fica a Venezuela no meio disto tudo?:

A Venezuela, pois… acho que a Venezuela faz parte do mesmo projecto de enfraquecimento da OPEP. Os Estados Unidos desejam alcançar uma verdadeira autonomia energética: isso não é possível no longo prazo com o fracking, que tem custos elevados, pelo que devem “dobrar” os produtores de petróleo.

Já agora a América do Norte é o primeiro destino da maior parte do crude venezuelano: mais de 40% de tudo o que é extraído viaja até os Estados Unidos. Em segundo lugar temos a China (20%), depois a Índia (19%) e Singapura (4%). Nada para a Rússia.

Mas a Venezuela fica no quintal de Washington, numa zona instável do ponto de vista político quando comparada com a Península Arábica. Lógico, portanto, que os EUA desejem actuar com um controle directo sobre as reservas petrolíferas. É verdade que até agora o “revolucionário” Maduro enviou aos sujos capitalistas norte-americanos a maior de quantia do crude extraído (“É o mercado, baby!”), mas ficar com o controle directo e os lucros todos é outra coisa.

Portanto, Caracas pode decidir vender o petróleo em troca de Petrodólares, Euros, Yuan, Petros ou bananas, tanto faz: o destino está escrito. Aliás: o anúncio de vender crude em troca de Petro-Yuan foi provavelmente o ponto de não regresso, o definitivo suicídio político de Maduro, que desta forma negou-se a possibilidade de desenvolver um qualquer papel no pós-regime. Não se brinca com os Petrodólares. Mais um grave erro. Também porque a Rússia, como vimos, não importa petróleo venezuelano e, eventualmente, tem mais interesse em proteger reservas próximas; isso enquanto a China nem pensa em provocar já uma enorme crise com Washington para aquele que nem é o seu fornecedor principal.

Tudo isso diz duas coisas muito interessantes.

Em primeiro lugar: apesar das declarações, o petróleo continuará a ser a fonte energética principal no futuro próximo. Com boa paz do Aquecimento Global, de todas as Grethas e das histerias ambientalistas.

Em segundo lugar: acho que estão a determinar-se com maior clareza as várias zonas de influência do próximo mundo multipolar. E a Rússia está a participar activamente neste projecto, porque tem todo o interesse em fazê-lo.

Multi!

A escolha de Moscovo de não intervir nas questões da América do Sul, numa altura em que a maior parte dos Países encontravam-se nas mãos de partidos amigos (como o PT no Brasil) e começou a ofensiva conservadora (Argentina, Brasil, Venezuela), deixa entender que a Rússia reconhece a América Latina como “área de caça” dos Estados Unidos. Também esta é uma escolha lógica: cada um gere o seu quintal, é isso também o mundo multipolar. Basicamente, os problemas entre Rússia e Estados Unidos ficam concentrado em três áreas: o Médio Oriente, que será repartido; a Europa, que terá de resolver as suas lutas interiores; e a América do Sul, que será gerida por Washington (o que deixa livre Moscovo de ocupar-se das antigas repúblicas soviéticas na Ásia). Num outro campeonato (e com bem outras armas) jogam a Índia e sobretudo a China.

Médio Oriente

Continuo plenamente convencido de que haja um tácito acordo entre Donald Trump e Vladimir Putin, parece-em bastante evidente. Acordo no qual entrou recentemente o simpático Nethanyau, com a sua peregrinação em Moscovo: foi desta forma também que comprou a vitória eleitoral. Consequência imediata: na semana passada, israel atacou algumas instalações em território sírio. Os sistemas de defesa russos nas terras de Assad não mexeram um único dedo, apesar do grande potencial anti-aéreo. E nos órgãos de informação tem sido o silêncio total. Putin e Nethanyau encontraram o acordo, começou a divisão da torta do Médio Oriente.

Pelo que: questão do Médio Oriente resolvida. Sobram apenas os “pormenores” do Yemen (que irá cair nas mãos dos sauditas) e do Iraque, que todavia poderia ficar tal como está hoje, com um importante papel de “almofada” entre os dois blocos, tanto para não irritar ninguém. E depois qual o seria o problema? Eis alguns dos principais campos petrolíferos e relativos utilizadores:

Pelo que: o Iraque fica muito bem como está, ora essa.

Europa

No mundo multipolar há também a Europa, um caso patológico: Moscovo decidiu ignora-la, por enquanto, pois não tem nenhuma intenção de entrar numa guerra que hoje é toda ocidental, com “progressistas” dum lado e neoconservadores do outro. Na verdade tentou dizer e fazer algo, mas a reacção britânica do ano passado (lembram-se do caso do veneno?) deixou claro que deve ser uma questão interna, com Moscovo fora disso por enquanto.

A situação ficará um pouco mais clara após as próximas eleições europeias em Maio, mas a guerra fratricida irá acabar só com a abertura da nova Estrada da Seda e a chegada dos chineses. Pormenor interessante: os acordos entre China e Italia foram assinados pelos dois partidos de governo (Cinque Stelle e Lega), ambos apoiados por Washington. Curioso, não é?

América do Sul

E finalmente eis a América do Sul. Paradoxalmente, esta é a zona do planeta mais tranquila neste sentido pois tem a cama já feita. A Venezuela sobretudo.

Seria possível nesta altura inverter o rumo? Tanto a Venezuela como todo o continente poderiam travar o projecto norte-americano (que depois, como vimos, apenas norte-americano não é)? Resposta: não e ponto final. Isso era para ser feito antes, agora já não há condições. Agora o destino da Venezuela está escrito nas estrelas e nas listras.

Poderiam os governos sul-americanos (e em particular aquele brasileiro) ter feito algo para prevenir a actual situação do continente? Não sei, não sou daí, nada entendo. E, em qualquer caso, falar de como teria sido bom fechar a porta antes das vacas terem fugido não faz muito sentido.

Voltemos ao caso da Venezuela: no meio dum mundo multipolar, dividido em áreas de influência, Caracas jogou muito mal as suas cartas e agora apresenta-se de rastos. Pensar de poder desafiar o poder de Washington, enquanto está sentada por cima das maiores reservas mundiais de petróleo, ainda por cima agitando a bandeira dum (falso) Socialismo e com as bases militares americanas aí ao lado (Colômbia) é… boh, nem sei como defini-lo. Isso funcionava antes, até um par de anos atrás; agora o panorama petrolífero mundial entrou numa fase de mudança e vender a maioria do crude aos EUA para poder continuar a fazer o revolucionário já não é suficiente.

Única dúvida: o que poderia fazer nesta altura Caracas? Sei ir contra os pensamentos da grande maioria dos Leitores, mas a única coisa inteligente que Maduro poderia fazer seria abandonar o poder. Honestamente: qual a alternativa? Resistir? Alguém acredita que, chegados até este ponto, tudo poderia voltar como antes? E resistir com a ajuda de quem? Das tropas enviadas por Bolsonaro ou por Macri?

Resistir para quê? Só para tornar as coisas mais difíceis aos norte-americanos? Isso até poderia ter alguns sentido (é já mais o meu estilo), não houvesse um pequeno pormenor: o povo venezuelano. Que não está a divertir-se. Mas mesmo nada. Enquanto Maduro fica agarrado ao poder (porque toda a questão pode ser resumida desta forma), o País atravessa uma altura de forte instabilidade. As imagens das lojas vazias são apenas propaganda ocidental? Na verdade tudo na Venezuela está feliz, com o povo que governa? Então também os refugiados que entram no Brasil devem ser agentes da propaganda. Aliás, provavelmente nem há refugiados, é mais uma mentira de Bolsonaro. E os portugueses que voltam para a Madeira, abandonando casa e negócio? Também eles devem ser agentes ao serviço dos americanos. Ou de Bolsonaro, tanto faz.

A verdade verdadeira verídica? Correu mal: reset e recomeçar desde já com outras bases. Isso sim que pode e deve ser feito. De fora as anacrónicas bandeira dum Socialismo no qual ninguém já pode acreditar (e que nada tem a ver com a Venezuela) e dentro ideias novas, até “populistas” se for o caso. Os tempos mudaram, camaradas, e com eles têm que mudar as armas utilizadas. Este sistema não pode ser derrotado com um choque frontal mas só a partir do interior.

 

Ipse dixit.