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Líbia: o caos, outra vez

As desgraças que nunca chegam sozinhas: começo da terceira guerra civil em menos de dez anos e combatentes do Isis que ainda procuram uma terra segura para o (novo) califado. Jihadistas que atacam no centro da Líbia, em Fuhaqa, e matam duas pessoas incluindo o Presidente do Câmara Municipal e um polícia raptado: tudo longe de Trípoli, 600 quilómetros, mas tudo com o selo do Isis e tudo enquanto Haftar continua o ataque pela conquista da capital e Sarraj tenta declarações como improvável chefe de governo.

Agora é batalha nos arredores de Tripoli, isolada desde ontem, após dois ataques aéreos das forças de Haftar, com o aeroporto reaberto apenas para voos nocturnos e numa única pista. Problemas com a evacuação dos ocidentais, agora possível apenas por mar, como fizeram os marines americanos.

Bem vindos à Líbia livre e democrática, filha da intervenção ocidental que abateu o perigoso tirano para dar lugar ao caos total.

Confrontos estilo guerra civil. Terceiro dia de luta, cinquenta mortos e alguns quilómetros de civis em fuga. Dois lados que parecem equivalentes: o temor é que uma guerra de posições possa começar a desgastar um País já exausto após anos de violência e confrontos. A situação actual é o resultado de muitas coisas: as divisões internas na Líbia, a presença de centenas de milícias armadas e rivais, as enormes ambições pessoais de alguns líderes políticos, a obstinação da comunidade internacional em apoiar soluções consideradas ineficazes aos olhos de todos e a interferência estrangeira que acabaram por despertar continuamente a violência.

Nunca houve um “depois”

Então, de quem é a culpa? Responder é simples: é suficiente procurar um pouco atrás, no Ano do Senhor de 2011, e observar as decisões da dupla Sarkozy-Cameron. Obviamente sem esquecer o Nobel da Paz, Barack Obama, e a democrata Hillary Clinton. Vários governos estrangeiros decidiram intervir directamente no conflito da Líbia em apoio às milícias rebeldes: no final da guerra, o País se encontra com centenas de milícias armadas e rivais, sem um governo capaz de controlar o território e no total desinteresse de grande parte da comunidade internacional no processo de transição para a democracia.

Porque ninguém alguma vez esteve interessado na democracia. A intervenção na Líbia teve só dois nomes: petróleo e gás. O resto sempre foi secundário, até irrelevante. Derrubado Khadafi, ocupados poços e refinarias, a Líbia foi entregue ao caos: quando começou a guerra civil, as tropas ocidentais foram-se. Em Trípoli, as milícias islâmicas fizeram o seu próprio governo, desafiado por Khalifa Haftar, um ex-partidário de Gaddafi refugiado nos Estados Unidos há anos, regressado à Líbia com a promessa de libertar o País de todas as forças islâmicas.

A ONU favoreceu a criação de um suposto “governo de acordo de unidade nacional”, liderado por Fayez al Sarraj, que levou meses só para conseguir chegar à capital. Governo fraco e sem “unidade nacional”. Simplesmente, após a queda da Khadafi, não havia um plano para o “depois”.

E chegamos aos nosso dias. Tubruk e Tripoli estão em luta e todos fingem comandar. Desacordos acima de tudo sobre o papel de Haftar, que monta seu exército para tornar-se o novo “homem forte da Líbia”, o único capaz de reunir o País inteiro sob uma única autoridade. Os media ocidentais, em maioria, criticam o governo de Sarraj, consideram a liderança de Haftar muito mais eficaz: este obtém o apoio de Egipto, Emirados Árabes, Rússia e sobretudo da França, interessada no petróleo e também em evitar a propagação do jihadismo na Tunísia e na Argélia, no Níger e no Chade.

A Nato? Desapareceu. No outro dia, os fuzileiros saíram da praia de Janzour, sem dar nas vistas. Guerra civil? Não é com eles, os americanos já perderam um Embaixador em Benghazi, chega e sobra. Doutro lado ficar para quê? Não é necessário ter uma Líbia reunificada: a Síria nunca ficará com o Golan nas mãos dos israelitas, a Palestina está uma lástima, o Yemen em pedaços, o Iraque sempre cheira a desintegração e do Irão tratam as sanções. Tudo controlado.

Sarraj ou Haftar?

Sarraj (esq.) e Haftar (dir.)

Ambos são velhos conhecidos e ambos são chefes impostos a partir do estrangeiro.

Fayez Mustafa al-Sarraj é filho dum antigo Ministro na altura da Monarquia; serviu na Casa dos Ministros durante Khadafi e, depois do golpe de 2011, participou nos vários governos provisórios até que, em 2015, foi designado pela ONU qual Primeiro Ministro da Líbia pelo Governo do Acordo Nacional.

Sarraj pode contar com o apoio da Guarda Petrolífera (PFG), das ex-milícia Misurata, da Brigada Abu Salim e da Brigada Nawassi (esta última financiada pela União Europeia) bem como da Marinha da Líbia e dos Milicianos Tuareg, Tebu e Berberes.

Khalifa Belqasim Haftar sempre foi militar às ordens de Khadafi até que, nos anos ’90, entrou em contacto com os enviados de Washington e mudou-se para os Estados Unidos, a 7 quilómetros da sede da CIA de Fort Langley. Suspeito de colaborar com as forças americanas, voltou na Líbia para apoiar o golpe de 2011 e em 2015 entrou no governo formado em Tobruk onde controla a espionagem, a contra-espionagem e os investimentos militares. Alega-se que Haftar tem sido cúmplice em execuções extrajudiciais, raptos, desaparecimentos de pessoas:

Não se preocupem com a ideia de trazer prisioneiros para cá. Não há prisão aqui. O campo é o campo, fim da história.

Como já lembrado, pode contar com o apoio de Egipto, Emirados Árabes, Rússia e França.

 

Ipse dixit.

Imagem de abertura: The New York Times