Site icon

Negros

Em princípio foram os marroquinos. Os negros marroquinos. Simpáticos, caminhavam ao longo de quilómetros nas praias, carregados de tudo o que uma pessoa na praia não precisa. Como os cintos, os míticos cintos de pele marroquina: duravam anos. Depois carpetes, óculos, relógios, pulseiras, anéis… e claramente haxixe, de boa qualidade.

Dormiam juntos: numa casa que podia acolher quatro os cinco pessoas cabiam tranquilamente 30 ou 40 marroquinos. Para os supermercados eram clientes regulares: compravam muita água e muita carne para cães. E os marroquinos não tinham cães.

Objectivo deles? Ganhar e enviar dinheiro para casa, para um dia poder voltar. A maior parte fez isso. Os que ficaram conseguiram integrar-se sem muitos problemas.

A estação dos marroquinos perdurou anos e anos. E foi interessante: pela primeira vez havia alguém “diverso”. Cor da pele diversa, língua diversa… O povo italiano desde sempre tinha sido um povo de emigrantes, pelo que o marroquino foi bem recebido. Além de simpático, costumava ser humilde também, ficava no lugar dele e, mesmo não partilhando, respeitava os nossos modos. Poucos problemas com eles. Até deu para aprender o que é um Ramadan e a contratar sobre os preços.

Polacos

Depois foram os negros polacos. Trabalho não era com eles, álcool sim. Um polaco no trabalho ficava triste, com uma garrafa de cerveja ganhava vida. Claro, havia exepções: lembro da jovem mulher do padeiro, alta, magra, loira, olhos azuis… um sonho. E tinha percebido como funcionavam as coisas em Italia: trabalhas? Então fazes dinheiro.

Mas a maior parte dos conterrâneos preferiam os semáforos. Esperavam para o vermelho, depois aproximavam-se com o cadáver duma esponja na mão e ofereciam-se para limpar o vidro. Mesmo que este estivesse imaculado. Bastante chatos. Vantagem de ser fumador: em troca dum cigarro afastavam-se. Ladrões? Não, nunca: provavelmente dava demasiado trabalho. Até o mais famoso dos polacos, naquela altura, tinha encontrado a forma de não trabalhar tornando-se Papa.

Russos

Depois foram os negros russos. Não eram todos russos: eram ucranianos, bielorrussos, georgianos, lituanos… e até alguns russos no meio. Mas para os italianos eram todos iguais: russos. Também eles tinham uma certa alergia ao trabalho. E também eles gostavam de observar o mundo através do fundo duma garrafa. Mas duraram pouco. A maior parte deles deixou passar a tempestade em pátria, depois voltou para casa. Só os ucranianos ficaram.

Albaneses

Então foi a vez dos negros albaneses. Uma desilusão. A Albânia tinha sido uma colónia italiana, ainda há alguém que fala o meu idioma lá. E na Sicilia há uma zona onde vive uma comunidade albanesa que desde a Idade Média mantém língua e tradições. Mas os albaneses que chegaram eram bestas ao quadrado. Piores que os polacos ou os russos: um albanês ao trabalho era mais raro que o Santo Graal. E para viver exploravam as prostitutas. O que não era nada simpático.

Aí começaram os problemas com os italianos: porque os marroquinos eram humildes, polacos e russos afinal eram simpáticos. Os albaneses não: eram ladrões e antipáticos. Qualquer actividade ilícita tinha sempre um albanês no meio. As vozes circulam e em breve ficaram com uma péssima fama. Simplesmente: eram evitados. Mas algo estava a mudar. Já não eram tímidos imigrantes que tentavam sobreviver numa cultura diferente: estes vinham para ignorar as leis, ocupar inteiros bairros, praticar o crime.

Romenos 

Assim foi a vez dos negros romenos. Maioritariamente ciganos. Praticamente uns albaneses do norte. Mas sujos. Nos primeiros tempos tentaram o caminho dos semáforos e das esmolas. Problema: já não dava com um cigarro. Ofereces um cigarro a um cigano e ele pede o maço todo enquanto espreita no carro para ver o que pode subtrair. E de simpatia nem falar. Também a esmola durou pouco: uma criança deformada? Ok, Duas crianças deformadas? Pode ser. Todas as crianças romenas deformadas? Mas não é que são os pais a deforma-las para que possam pedir esmolas? E são.

Pelo que, depois destes insucessos inicias, os romenos pensaram bem dedicar-se à única actividade na qual brilham: o roubo. É estranho mas isso não conseguiu conquistar as simpatias dos italianos, que tenderam a isola-los. Hoje ainda há romenos em Italia: vivem em campos, nos subúrbios das cidades, verdadeiras zonas off-limits. A Esquerda italiana diz que é um sinal do nosso racismo. Os romenos, explicam, não roubam: é só que a cultura deles é diferente. Será. Mas nunca vejo a Esquerda italiana num campo de romenos.

Chineses

Os chineses. Gente estranha, muito estranha. O chinês nasce para abrir uma loja. A loja do chinês. Uma vez aberta, passa 99% da vida nela. Não há Domingos ou feriados: o chinês trabalha sempre. O chinês considera os brancos como uma cambada de perfeitos anormais. Provavelmente tem razão. E é muito desconfiado. Mas não perturba: um chinês que quebre as leis é algo extremamente raro.

O chinês passa 1% da sua vida no carro, que no geral é um topo de gama com 5 metros de comprimento. Ao morrer, voa para a China (não há chineses nos cemitérios), donde é logo enviado o substituto. Ponto fraco do chinês: o jogo. O chinês vai ao casino, abre a carteira onde consegue estivar 40 ordenados duma pessoa normal e aposta montantes assustadores. Pelo que pode parecer estranho considera-lo negro. Mas há um lado obscuro no chinês também.

Islâmicos

Depois chegaram os negros mais negros: os islâmicos. Tinham tudo para que as coisas corressem bem: também os marroquinos eram islâmicos e tinham sido uns queridos. Mas o clima era diferente. Reza a lenda que, em 2001, dezanove islâmicos abateram duas torres em New York. Entre eles nem um iraquiano ou um afegão. Pelo que foram invadidos o Iraque e o Afeganistão. A partir daí, o islâmico tornou-se o pior inimigo do Ocidente.

O islâmico assusta: é mau, geneticamente mau. Corta gargantas, grava um vídeo, depois o envia para uma agência israelita na América que publica tudo. O islâmico ainda venera Bin Laden, um gajo tão mau que conseguiu morrer duas vezes. Aterrador. O islâmico reza Allah, um deus primitivo, violento. Não tão violento como o Deus do Antigo Testamento, mas sempre violento é e mau humorado também. O islâmico quer converter todo com a força. Na verdade nenhum islâmico tentou converter-me até hoje, mas nunca se sabe.

Nigerianos

E com o islâmicos chegou o nigeriano. Que é preto como o carvão e nem sabemos se é islâmico ou se adora um seu Deus da floresta. Única vantagem: as nigerianas custavam 20 Euros. Prostituição low cost. Muitas vezes com SIDA como acessório obrigatório, mas sempre barato era. O problema com os nigerianos era a tendência para formar máfias que controlavam não apenas a prostituição como também o mercado das drogas. Tipos bastante violentos, com a síndrome do pobre preto vítima dos racistas. Em casa dos racistas, enquanto assalta os racistas e vendes aos racistas as suas mulheres. Estranho tipo de vítima.

Ecuadorenhos

Em Genova já estamos além dos negros islâmicos: chegaram os negros ecuadorenhos. Uma prenda da Caritas, sempre seja louvada. Há poucos islâmicos em Genova? Então vamos deportar uns ecuadorenhos. Com certeza. De trabalhar nem se fala. É só dizer “trabal…” e o ecuadorenho já está a dois quarteirões. O ecuadorenho veste como um rapper de New York, não trabalha por uma questão de princípio e pertence a uma variante do catolicismo que parece proibir a compra de bilhete para meios de transporte públicos. Passa o dia estacionado na frente de lojas de amigos ecuadorenhos (barbearias), bebe e canta até às quatro da manhã. De vez em quando vai bater nas bandas dos outros ecuadorenhos. Assim, tanto para mostrar quem é o verdadeiro homem. Mas isso só os homens ecuadorenhos. As mulheres ecuadorenhas trabalham como escravas: limpezas, limpezas e ainda limpezas. Doutro lado alguém em família tem que fazer algo, não é?

Os verdadeiros negros

Precisamos de negros, sempre. A nossa sociedade não pode não criar negros: é fisiológico que no Capitalismo haja alguém que pague a conta. É dito: não pode haver riqueza para todos. Portanto, precisamos subtrair a riqueza de alguns para que outros fiquem bem. É assim que as coisas funcionam. E que funcionavam, porque não vamos enganar-nos: sempre foi assim ao longo da História. Quem fala dum passado dourado não sabe do que fala.

Mas com o Capitalismo mudou algo. Hoje o Ocidente não precisa esconder-se atrás duma religião para saquear outros povos: não há a Palavra de Cristo que tem que ser espalhada. Hoje há o Sagrado Lucro. Paradoxalmente, as coisas estão mais claras. E, mesmo assim, ninguém reage. Nem quando postos perante a crua realidade temos a força e a coragem de travar a exploração, as deportações em massa, os genocídios.

Simplesmente deixamos que isso aconteça? Não é bem assim. Deixamos que isso aconteça e gozamos os frutos deste sistema. Porque o nosso telemóvel tem que funcionar, o nosso computador tem que ligar-se, o nosso carro tem que mexer-se. Para isso é preciso que haja negros, tal como sempre houve. Temos pena deles? Sim, mas paciência. Afinal não é culpa nossa se aqueles desgraçados nasceram no lugar errado, justo?

O Capitalismo é isso também: dá a possibilidade de manter a consciência limpa porque não conseguimos ver os negros. Existem, mas são invisíveis. Aparecem de vez em quando nalgumas reportagens. Mas estão longe, em lugares desconhecidos, que existem só num ecrã. Uma vez havia as plantações de algodão, hoje as plantações estão bem mais distantes.

E quando chegam aqui com o rótulo de emigrantes, já não são os negros mais negros. São negros pálidos, quase cinzentos, porque tentam logo inserir-se no nosso estilo de vida, compram um telemóvel (um must), um auscultadores para o rap, os mais sortudos até um carro usado: têm uma possibilidade que antes não tinham. Os verdadeiros negros não têm possibilidade nenhuma. São realmente condenados e invisíveis. E nós nem temos que vê-los. Longe do olho, longe do coração. Consciência limpinha e revolução com o teclado. Tudo está previsto.

Digam o que quiserem mas é um sistema muito bem pensado.

 

Ipse dixit.