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Noctúria e cronofagia

Pode acontecer com todos. À noite, de repente, acordamos e corremos para a casa de banho. Para muitas pessoas, no entanto, isso torna-se um hábito: todas as noites têm que levantar-se de uma a três vezes para fazer xixi. Simplesmente não podem segurá-lo até a manhã: chama-se “noctúria”.

Alguns estados psiquiátricos podem contribuir para isso como também abuso de álcool, gravidez tardia, ingestão excessiva de líquidos, alguns medicamentos ou excesso de sal. Mas a noctúria é uma condição que pode significar a presença de várias patologias: em primeiro lugar cistite bacteriana e infecções por clamídia; depois problemas da próstata, diabetes e doenças cardiovasculares, pulmonares, renais e de Parkinson. Todas estas são doenças que podem atingir a pessoa que é obrigada a levantar-se para fazer xixi. Depois há outra doença, aquela que afecta quem calcula quanto dinheiro perde a sociedade por causa de quem se levanta à noite para fazer xixi. Uma doença de tipo psíquico, como é evidente. E não, não é uma piada.

Um estudo da Rand Corporation revela que as visitas frequentes à casa de banho têm um custo económico: 44.4 bilhões de Dólares por ano nos Estados Unidos, onde os afectados são 27.5 milhões de pessoas, 12.5 % dos trabalhadores. A perda é de 13.7 biliões no Japão, 8.4 na Alemanha, 5.9 na Inglaterra, 3 na Espanha. Porque a noctúria pode ter um efeito negativo sobre o estado de saúde, mas também sobre a productividade no trabalho, o que se traduz num impacto no produto interno bruto. O PIB, sempre ele.

A noctúria pode ter muitas consequências e a Rand Corporation sabe disso. Em primeiro lugar, perturba o sono, o que significa que os sistemas cardiovascular e cognitivo podem ser afectados. Além disso, existe um alto risco de quedas e fraturas. Portanto, as pessoas afectadas podem ficar ausentes do trabalho, apresentar menos energia vital (em média 2% a menos), menos envolvimento no trabalho e perdem sete dias úteis por ano. Uma vergonha.

Este é o hipercapitalismo, um sistema para o qual a rentabilidade é o princípio, a causa única e o só critério do ser e não -ser. Viver para consumir, consumir nos momentos de lazer, dedicar tempo livre à produtividade e não a velha ociosidade, aquela actividade desconectada de qualquer cálculo económico que Cato descrevia como “ociosidade com dignidade”.

Também esta atitude do hipercapitalismo tem rotulo, como não podia deixar de ser: “cronofagia”, literalmente “o comer o tempo”. É precisamente o tempo, hoje, a moeda mais preciosa e ao mesmo tempo a mais roubada pelo novo capitalismo cronofágico: o consumidor não é apenas uma mina de dinheiro, mas acima de tudo de tempo, que por muitas empresas representa uma fonte de lucro. Cada momento que pode ser retirado do homem deve ser dirigido ao consumo ou à produção: por qual razão o hipercapitalismo deveria conceder tempo para o tédio e a contemplação?

O engano da velocidade está justamente nesse paradoxo: com o capitalismo digital, o consumidor gasta para economizar tempo e gasta o tempo economizado com o consumo. A tecnologia que hoje permite essa velocidade matou, de facto, o próprio conceito de “tempo morto”, gerando uma espiral que traduziu-se em muitos fenómenos típicos da nossa modernidade: a duração dos filmes e das músicas, por exemplo, é reduzida em comparação a quarenta anos atrás, porque hoje a paciência dos consumidores é menor. E é menor porque o consumidor sabe que tem pouco tempo livre, portanto precisa de maximiza-lo, enche-lo com cada vez mais actividades. Ao mesmo tempo, aumentam os casos de insónia, frequentemente acompanhados pelo binge-watching (assistir a toda uma séries de televisão duma vez só), até os casos extremos de isolamento da sociedade, como no cada vez mais difundido hikikomori, o extremo isolamento domestico típico do Japão.

No futuro, o tempo será uma moeda de troca e um factor discriminador entre as partes ricas e as partes pobres da sociedade: se já existe hoje uma separação física causada pela estrutura das grandes cidades (com os ricos em áreas centrais e os pobres em áreas periféricas e, portanto, forçados a perder tempo para mexer-se), amanhã o limite poderia ser a morte. Os avanços da tecnologia de criopreservação, para a manutenção dos corpos em hibernação, pode gerar uma divisão adicional na sociedade entre aqueles que, graças ao poder económico, são “dignos” de possuir mais tempo e aqueles que, em vez disso, são condenados a ver os seus próprios corpos acabar num comum cemitério.

Vida dum lado, morte do outro e no meio a um eterno presente feito de promessas, de disponibilidade constante e conexão perene com o mundo, filtrada pela realidade paralela das redes sociais. É estranho pois aqui no burgo nenhuma força política ainda fala do tempo: mas de facto vivemos numa situação ambígua que cedo ou tarde deverá ser colocada no centro da discussão política: é uma questão de bem-estar, planeamento urbano e organização do trabalho.

 

Ipse dixit.