Ontem, 27 de Janeiro, era o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto, ocasião em que é lembrado o genocídio cometido pelos nazistas e que ceifou a vida de milhões de judeus durante a II Guerra Mundial; é uma recorrência designada pela resolução 60/7 da Assembleia Geral das Nações Unidas em 1 de Novembro de 2005.
O Holocausto é um genocídio da série A, nomeadamente “o” genocídio por definição. Depois há os genocídios de série B e, em seguida, aqueles que nem sequer podem obter este status e tendem a ser esquecidos com o beneplácito da comunidade internacional.
Entre estes últimos temos o Holodomor, planeado pelo regime bolchevique contra a Ucrânia e que, entre o Inverno de 1932 e a Primavera de 1933, provocou milhões de mortos. A razão para tal monstruosidade? Travar a classe dos kulaks, isto é, os pequenos agricultores que constituíam a principal componente do tecido social e económico local. Para ser rotulado como kulak era suficiente possuir uma vaca ou uma pequena horta: automaticamente o desgraçado tornava-se “inimigo do povo” e tinha que ser eliminado.
Os kulaks não tinham sido dobrados pela colectivização forçada imposta pelo regime soviético, então Stalin ordenou ao seu braço direito, Lazar ‘Moiseevič Kaganovich, de proceder com a completa “dekulakização” requisitando todos os alimentos disponíveis na Ucrânia e, ao mesmo tempo, impedindo que algo comestível entrasse no território. Assim, a mistura entre a falta total de comida e um inverno muito frio transformou o País num gigantesco campo de extermínio, onde mais de 7 milhões de pessoas morreram.
Mas não foi um genocídio “politicamente correcto”, porque conduzido pelos comunistas que não só tinham ganho a Segunda Guerra Mundial, juntamente com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, mas que através dos partidos “irmãos” conseguiram impor a sua hegemonia cultural em quase toda a Europa Ocidental: e aqui, como no resto do mundo, a opinião pública ficou completamente inconsciente do que se estava a passar na Ucrânia.
Hoje a União Soviética já não existe, mas o Holodomor continua a ser ignorado. A suspeita está nos números: sete milhões de vítimas, um total que ultrapassa o sagrado limite de seis milhões que a propaganda sionista impinge. Como se a gravidade dum genocídio estivesse nos números de mortos. Mas o Holodomor está em boa companhia: não é o único genocídio a ficar esquecido. Aliás, não há nada que relembre um genocídio que não seja a Shoa: os outros, todos, não parecem ser tão interessantes.
Assim temos o Dia Internacional das Ostras (5 de Maio) mas nada que relembre os genocídios dos nativos americanos (50 milhões de mortos segundo as estimativas mais conservadoras). Há o Dia Internacional contra a Homofobia (17 de Maio), mas não algo que lembre do genocídio do Congo (10 milhões de mortos durante a dominação da Bélgica, entre 1885 e 1908); o Dia Internacional da Visibilidade Transgeder (31 de Março) mas nada que faça pensar ao genocídio do Sudão (6 milhões de mortos durante a dominação inglesa, entre 1882 e 1903); há o Dia Mundial da Visibilidade e do Orgulho Bissexual (23 de Setembro) e nada dedicado aos cinco milhões de camponeses mortos durante a reforma agrária na China de Mao. Há também o Dia Mundial da Meteorologia (23 de Março) e o Dia Mundial da Bicicleta (3 de Junho) mas nada acerca dos genocídios:
- do Bangladesh (3 milhões de mortos em 1971)
- da Indonésia (entre 500.000 e 3 milhões nos anos 1965 e 1966)
- da Cambodja (entre 1.400.000 e 3 milhões de mortos, 1975-1979)
- dos Polacos (entre dois e três milhões de vítimas durante a ocupação nazista)
- dos Armenos (700 mil a 1.8 milhões entre 1915 e 1922)
- dos Cazaques (entre 1.300.000 e 1.750.000 vítimas, durante os anos ’30: mesmas modalidades utilizadas no caso do genocídio da Ucrânia)
…e a lista poderia continuar. Milhões de vítimas esquecidas.
Mas todos os genocídios deveriam ser lembrados, nem que fosse com um cumulativo Dia Internacional dos Genocídios que agrupasse todos os episódios mais vergonhosos da história humana. Seria importante, seria uma espécie de alerta para fazer lembrar que o homem é capaz de coisas maravilhosas mas também de atitudes terrivelmente infames. Porque assim como é, o Dia da Memória dedicado ao Holocausto é um insulto contra todas as vítimas dos outros genocídios: o Sionismo ergue-se qual único carneiro sacrifical da maldade humana. Infelizmente assim não é: ao longo da História houve demasiados genocídios e um Dia Internacional dos Genocídios ficaria como aviso para que ninguém possa esquecer aquela parte mais brutal que vive em cada um de nós.
A lista
Compilar uma exaustiva lista de genocídios cometidos ao longo da história não é simples, em parte por falta de fontes (falamos aqui dos genocídios cometidos num passado remoto), em parte porque “ocultados”, em parte porque pode haver dúvidas acerca da mesma definição do termo “genocídio”. Wikipedia, por exemplo, nas suas listas não considera o genocídio dos povos do Novo Mundo.
Mesmo assim é possível construir uma lista (de certeza incompleta) que tente englobar os principais genocídios na história, ordenada segundo o número de vítimas e baseada na definição de “genocídio”:
Destruição metódica de um grupo étnico ou religioso pela exterminação dos seus indivíduos.
em Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013.
Portanto, não inclui assassinatos em massa não estritamente genocidas (como guerras, crimes contra a humanidade, etc.).
Evento | Local | Período | Estimativas |
G. dos povos indígenas das Américas | América do Norte, Central e do Sul | Séc. XVI – XX | 50.000.000 – 114.000.000 |
Holomodor | Ucrânia | 1932-1933 | 4.500.000 – 13.700.000 |
Fome de 1770 em Bengala* | Índia | 1770 | 10.000.000 |
Holocausto | Europa | 1941-1945 | 5.750.000 – 6.000.000 |
Grande Fome de 1876–1878* | Índia | 1876 – 1878 | 4.500.000 |
G. Polaco | Polónia | 1939-1945 | 1.800.000 – 3.000.000 |
G. Cambojano | Cambodja | 1975 – 1979 | 1.300.000 – 3.000.000 |
G. Indonésio | Indonésia | 1965 – 1966 | 500.000 – 3.000.000 |
G. Bangladesh | Paquistão Oriental | 1971 | 300.000 – 3.000.000 |
Mfecane | Reino Zulu | 1815 – 1840 | 1.000.000 – 2.000.000 |
G. Armeno | Império Otomano | 1915 – 1922 | 700.000 – 1.800.000 |
G. Kazacque | União Soviética | 1931 – 1933 | 1.300.000 – 1.750.000 |
G. Circassiano | Império Russo | 1864 – 1867 | 400.000 – 1.500.000 |
Grande fome da Irlanda* | Irlanda | 1845 – 1849 | 775.000 – 1.500.000 |
G. do Ruanda | Ruanda | 1994 | 500.000 – 1.071.000 |
Cruzada Albigense | França | 1209 -1229 | 200.000 – 1.000.000 |
G. Grego | Império otomano | 1914 – 1922 | 500.000 – 900.000 |
G. Tibetano | China | 1959 -1976 | 144.000 – 800.000 |
G. Assírio | Império Otomano | 1915 – 1923 | 200.000 – 750.000 |
G. Irlandês | Irlanda | 1649 – 1653 | 200.000 – 618.000 |
G. Zunghar | Imperio Chinês | 1755 – 1758 | 480-000 – 600.000 |
G. Sérvio | Croácia | 1941 – 1945 | 357.000 – 600.000 |
Porajmos | Roménia | 1935 – 1945 | 130.000 – 500.000 |
G. do Darfour | Sudão | 2003 – em curso | 98.000 – 500.000 |
G. de Volhinya | Polónia | 1943 – 1945 | 100.000 – 300.000 |
G. do Burundi | Burundi | 1972 – 1993 | 80.000 – 210.000 |
G. de Wu Hu | Império Chinês | 350 – 351 | 200.000 |
Guerra das Castas de Yucatán | México | 1847 – 1901 | 200.000 |
Aardakh | União Soviética | 1944 – 1948 | 144.000 – 200.000 |
G. Isaac | Somália | 1988 – 1991 | 50.000 – 200.000 |
G. dos Curso | Iraque | 1986 – 1989 | 50.000 – 200.000 |
G. de Timor | Timor Leste | 1975 – 1999 | 85.000 – 196.000 |
G. da Guatemala | Guatemala | 1962 – 1996 | 32.000 – 166.000 |
Guerra Púnica | Tunísia | 149 a. C. | 150.000 |
G. da Líbia | Líbia | 1923 – 1932 | 80.000 – 125.000 |
G. da Califórnia | Califórnia | 1846 – 1873 | 10.000 – 120.000 |
G. do NKVD | União Soviética | 1937 – 1938 | 111.091 |
G. dos Hererós e Namaquas | Namíbia | 1904 – 1908 | 34.000 – 110.000 |
G .de Khmelnytsky | Polónia, Lituânia | 1648 – 1657 | 18.000 – 100.000 |
G. dos Bambuti | Congo | 2002 – 2003 | 60.000 – 70.000 |
G. de Chetniks | Croácia | 1941 – 1945 | 47.000 – 65.000 |
G. dos Rohingya | Myanmar | 2017 | 9.000 – 43.000 |
G. da Bósnia | Bósnia | 1992 – 1995 | 8.300 – 39.199 |
Yaquis | México | 1533 – 1929 | 43.000 |
G. Lituano | União Soviética | 1937 – 1938 | 16.573 |
G. Chittagong Hill Tracts | Bangladesh | 1977 – 1997 | 3.000 – 5.740 |
G. dos Yazidis | Estado Islâmico | 2014 – 2017 | 2.100 – 4.400 |
G. dos Selk’nam | Chile | Séc. XIX – XX | 2.500 – 3.900 |
G. dos Moriori | Nova Zelândia | 1835 – 1863 | 1.900 |
Black War | Austrália | 1830 | 400 – 1.000 |
Milos | Grécia | Séc. V a.C. | ? |
G. dos Anasazi | América do Norte | 800 d.C. | ? |
Exército Mongol | Império Mongol | Séc. XII – XIII | ? |
Tamerlão | Império Timúrida | Séc. XIV | ? |
* Estes episódios de carestias são incluídos na lista pois, além das causas naturais, houve também decisões político-militares que ampliaram os efeitos da desgraça.
Ipse dixit.