Simpático artigo do The Guardian acerca da alimentação. O título é claro: “Porque comer menos carne é a melhor coisa que você pode fazer pelo planeta em 2019”. Vamos lê-lo e, a seguir, comenta-lo com profundos conceitos metafísicos e picos de pensamentos nunca antes alcançados.
Por que comer menos carne é a melhor coisa que você pode fazer pelo planeta em 2019
Comer carne tem um forte impacto no meio ambiente, desde a mudança climática até a poluição da paisagem e dos cursos de água.
Reciclar ou pegar o autocarro em vez do carro para chegar ao trabalho pode ser útil, mas os cientistas estão cada vez mais a concentrar-se numa mudança mais radical no estilo de vida das pessoas, a única maneira segura de ajudar o planeta: comer muito menos carne.
Uma série de pesquisas publicadas no ano passado expôs o forte impacto causado pelo consumo de carne, em especial a carne bovina e suína, o meio ambiente, as mudanças climáticas e a poluição da paisagem e dos cursos. de água.
A agricultura industrial causou o início da mais séria crise de extinção das espécies animais depois do desaparecimento dos dinossauros, o que significa que a pecuária (reprodução) e os seres humanos constituem agora 96% de todos os mamíferos vivos. Mas, apesar do uso de quase todas as terras agrícolas, o utilizo de carne e produtos lácteos é responsável por apenas 18% de todas as calorias alimentares e não mais do que um terço das proteínas.
Esse poderoso impacto causado pela criação, no entanto, não é apenas ineficiente, mas também exige desmatamento para dar espaço a outros animais, além das emissões de metano produzidas pelas vacas e fertilizantes necessários às plantações: tudo isso gera muitas emissões de gases de efeito estufa, tantas quantas aquelas criadas por todos os carros, caminhões e aviões do mundo juntos. A criação intensiva de carne pode causar extinção em massa de outras espécies animais, bem como a poluição significativa de rios e dos oceanos.
Em Outubro, os cientistas alertaram para a necessidade de uma enorme redução no consumo de carne para evitar mudanças climáticas perigosas, exigindo uma redução de 90% no consumo de carne bovina nos Países ocidentais, substituindo-a por um aumento de cinco vezes na produção de feijão e leguminosas.
O consumo de carne de porco, leite e ovos também deve ser drasticamente reduzido, já que a população mundial aumentará em mais 2 bilhões até 2050. Os pesquisadores afirmaram que será preciso que todos passem para uma dieta “flexível” para ajudar a manter o aumento da temperatura global dentro do limite de 2 ° C concordados pelos governos.
Também sugeriram uma série de outras medidas para conseguir isso, que vão desde uma taxa sobre a carne vermelha a ser usada para o cultivo de algas marinhas, com a qual alimentar as vacas e reduzir a quantidade de gás metano que elas produzem. Alguém sugeriu comer insectos em vez de bifes e costeletas de porco.
Uma maneira mais prática poderia ser promover a nutrição vegetariana com carne produzida em laboratório e anunciar substitutos veganos como o hambúrguer “impossível” que até “sangra”. Seja qual for a forma como alcançamos a mudança, esperamos que 2019 seja um ano chave para sair desse sistema alimentar global errado.
Eu sei, eu sei: há muitos pontos discutíveis e maltratados neste artigo e é uma pena porque o assunto é sério. Pegamos nas mudanças climáticas: escrever que o planeta aquece por causa da flatulência bovina parece uma piada, melhor seria complementar esta afirmação com alguns dados e realçar como o problema tenha que ser enquadrado num contexto mais abrangente, que inclui o desmatamento, o consumo de água, as monoculturas e o desperdício de recursos provocado pela criação das vacas e companhia.
Ehi, esperem: mas esta é a tarefa de Informação Incorrecta! Então eis alguns dados, começando pelo famigerado Aquecimento Global: porque se o efeito estufa for verdadeiro, então o consumo de carne deveria ocupar o primeiro lugar na lista das prioridades para evitar o crescimento das temperaturas, justo? Justo.
Nota:
- 1 acre = 4046.8564224 m²
- 1 galão = 3.785411784 litros
- 1 libra = 0.45359237 quilogramas
Aquecimento Global
- A agricultura animal é responsável por 18% das emissões de gases do efeito estufa, mais do que a exaustão combinada de todo o transporte. Os escapes dos transportes são responsáveis por 13% de todas as emissões de gases de efeito estufa.
- A pecuária e os seus subprodutos respondem por pelo menos 32 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano, ou 51% de todas as emissões mundiais de gases de efeito estufa.
- O metano é 25 a 100 vezes mais destrutivo que o CO2: tem um potencial de aquecimento global 86 vezes maior do que o CO2 num período de 20 anos. As vacas produzem 150 bilhões de galões de metano por dia.
- A pecuária é responsável por 65% de todas as emissões de óxido nitroso, um gás de efeito estufa com 296 vezes o potencial de aquecimento global do dióxido de carbono e que permanece na atmosfera por 150 anos.
- Mesmo sem combustíveis fósseis, excederemos o limite de 565 gigatoneladas de CO2 até 2030 só por causa das emissões da pecuária.
Água
- A actividade do fracking, muito (e justamente) criticada, utiliza cerca de 70 – 140 bilhões de galões de água por ano. O consumo de água para a agricultura animal varia entre 34 a 76 triliões de galões por ano.
- A agricultura é responsável por 80 a 90% do consumo de água dos EUA. A agricultura para o cultivo de alimentos para animais consome 56% de toda a água consumida nos EUA.
- Na Califórnia são utilizados 1.500 galões de água por pessoa por dia. Perto de metade está associado à carne e aos produtos lácteos: são necessários 2.500 galões de água para produzir 1 libra de carne bovina, 477 galões para produzir 1libra de ovos, quase 900 galões de água para 1libra de queijo, 1.000 galões de água são necessários para produzir 1 galão de leite.
- Apenas 5% de toda a água nos EUA é consumida em residências particulares: 55% destina-se à pecuária. A agricultura animal é responsável por 20% -33% de todo o consumo de água doce no mundo.
Terra
- A pecuária e o cultivo de rações para animais ocupam 1/3 da terra sem gelo no planeta.
A pecuária cobre 45% da terra total. - A agricultura animal é a principal causa de extinção de espécies, zonas mortas nos oceanos, poluição da água e destruição de habitats.
- As operações pecuárias em terra criaram mais de 500 zonas mortas nos oceanos por causa do nitrogénio.
- Entre 2 e 5 acres de terra são usados por cada vaca: Quase metade do território dos EUA é dedicada à agricultura animal.
Lixo
- A cada minuto, 7 milhões de libras de excremento são produzidos por animais criados para alimentação nos EUA: uma quinta com 2.500 vacas leiteiras produz a mesma quantidade de lixo duma cidade de 411.000 pessoas.
- Sempre nos EUA, são produzidos 130 vezes mais resíduos de animais do que resíduos humanos: 1.4 bilhão de toneladas provém da indústria de carne anualmente o que equivale a 5 toneladas de resíduos animais por cada pessoa.
- A pecuária norte-americana produz 116.000 libras de resíduos por segundo: o estrume total produzido num dia é de 9.519105 bilhões de libras, num ano é de 3.475 triliões de libras.
- Os animais produzem resíduos suficientes para cobrir San Francisco, New York, Tóquio, etc.
Oceanos
- Cerca de 3/4 das zonas de pesca mundiais são intensamente exploradas ou já esgotadas.
Entre 90 a 100 milhões de toneladas de peixes são retirados de nossos oceanos a cada ano: isso significa até 2.7 triliões de animais que são retirados do oceano. - Para cada 1 libra de peixe capturado, até 5 libras de espécies marinhas são capturadas e descartadas. Cerca de 40% (63 bilhões de libras) de peixe capturado globalmente a cada ano é descartados.
- As estimativas apontam para 650.000 entre baleias, golfinhos e focas que são mortos todos os anos por navios de pesca. Entre 40 e 50 milhões de tubarões são mortos nas redes de pesca.
Florestas
- A agricultura animal é responsável por até 91% da destruição da Amazónia: cerca de 1-2 acres de floresta tropical são eliminados a cada segundo. As principais causas da destruição das florestas tropicais são a pecuária e a produção de ração para animais.
- Até 137 espécies de plantas, animais ou insectos são perdidas todos os dias devido à destruição da floresta tropical.
- 26 milhões de acres de floresta tropical (10.8 milhões de hectares) foram eliminados para a produção de óleo de palma; 136 milhões de acres da floresta foram eliminados só para a agricultura animal.
- 1.100 activistas da terra foram mortos no Brasil nos últimos 20 anos.
Homens e redondezas
- 80% dos antibióticos vendidos nos EUA são para o gado.
- 70 bilhões de animais são criados anualmente em todo o mundo. Mais de 6 milhões de animais são mortos por comida a cada hora.
- Em todo o mundo, os seres humanos bebem 5.2 bilhões de galões de água e ingerem 21 bilhões de quilos de comida por dia; em todo o mundo, as vacas bebem 45 bilhões de galões de água e comem 135 bilhões de quilos de comida por dia.
- 1.5 acres de terreno podem produzir 37.000 libras de alimentos à base de plantas.
1.5 acres de terreno podem produzir 375 quilos de carne bovina. - Actualmente, estamos a cultivar alimentos suficientes para 10 bilhões de pessoas mas pelo menos 50% do grão é destinado ao gado: 82% das crianças que sofrem a fome vivem em Países onde os alimentos são dados aos animais, e os animais são comidos pelos países ocidentais. O americano médio, por exemplo, consome 209 quilos de carne por ano.
Pessoalmente não gosto das cruzadas vegetarianas ou veganas com relativo acompanhamento de fanáticos. Acho-as bastante irritantes e despertam em mim a vontade de grelhar logo uma bife com duas salsichas. Todavia o problema existe: a terra disponível aquela é enquanto os homens continuam a multiplicar-se, é só espreitar o gráfico acima para entender que, mesmo com uma fertilidade média, a população mundial é destinada a crescer. E mais pessoas significam mais comida.
Não é um problema de superpopulação porque, como vimos, já produzimos o suficiente para alimentar muitas mais pessoas: é um problema de racionalização da produção, de optimização dos recursos. Que depois é o problema de toda a nossa sociedade, pensada mal e construída ainda pior.
Esqueçam o ridículo “hambúrguer que até sangra” do Guardian; esqueçam as dietas veganas, prejudicais para a saúde; e esqueçam também os insectos (tentem grelhar um peito de mosquito e vão perceber a razão). Mesmo sem tornar-se vegetarianos, é possível aumentar desde já a presença de leguminosas e fruta nas nossas mesas porque afinal é um favor que fazemos ao ambiente, aos animais das criações (pois na maior parte dos casos vivem em péssimas condições) e a nós.
Os dados acima reportados pertencem a Cowspiracy, documentário que na minha óptica tem um “corte” demasiado vegetariáno em algumas passagens mas que não deixa de ser interessante. Se o Leitor tiver uma hora e meia livre, aproveite e assista à versão dublada em português. Para os amantes da língua de Shakespeare, eis o link para a versão inglesa com legendas em português.
Cowspiracy, realizado em 2014, foi escolhido pelo público como vencedor do South African Eco Film Festival, ganhando também como melhor filme estrangeiro na décima segunda edição do Festival de Films pour l’Environnement de Portneuf (nunca tinha ouvido isso antes e nem sei onde fica Portneuf) e indicado como melhor filme na edição de 2015 do Festival Cinema e Politica (boh?).
Gostaram? Então partilhem, s.f.f.
Ipse dixit.
Fontes: The Guardian, Cowspiracy