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A guerra no Yemen e na Somália

Em África tudo tranquilo. Pelo menos esta é a impressão ao ler os diários aqui do burgo: as notícias são escassas, quando é que há notícias. Mas a realidade é um pouco diferente, então é tarefa do blogueiro relatar o que os media não dizem, porque aqui não estamos duma estranha teoria da conspiração: aqui falamos de guerra.

Yemen

O total das vítimas do conflito no Yemen ultrapassou os 60.000 e é destinado a aumentar: estamos no meio da batalha para a conquista da cidade portuária de Hodeidah e o cessar-fogo negociado pelas Nações Unidas está a ser tranquilamente ignorado. Esta trégua, concordada entre o governo de Abd-Rabbu Mansour Hadi e o grupo rebelde Houthi, na prática nem entrou em vigor: a coligação árabe lançou novos ataques aéreos na cidade portuária enquanto os confrontos continuam a assolar a região.

Nem o total de 60 mil vítimas até hoje pode ser considerado certo: há zonas onde não há comida e até 85.000 pessoas podem ter morrido como resultado da desnutrição e das doenças relacionadas. Mais de três anos de hostilidades causaram um tributo devastador: a coligação liderada pela Arábia Saudita realizou centenas de ataques indiscriminados, milhões de pessoas, incluindo crianças, estão em risco de fome enquanto mais da metade da população depende da ajuda para sobreviver.

O bloqueio aéreo e marítimo do Yemen continua a causar escassez de géneros básicos como alimentos, remédios e combustível. O País também sofre de doenças invasivas como sarampo, difteria e cólera, exacerbadas pela falta de serviços de saúde, instalações de tratamento de água e outras infraestruturas civis cruciais, danificadas pelos bombardeios. Muitas ONGs que prestam assistência no terreno observam que os ataques aéreos sauditas foram responsáveis ​​por uma grande parte das mortes de civis, ataques muitas vezes direccionados contra mercados, escolas, procissões funerárias e casamentos.

Mas no Yemen não há “linhas vermelhas”, não há limites estabelecidos pela comunidade ocidental; e nem há outras ONGs, aquelas tão prontas em relatar os alegados crimes governamentais da Síria. No Yemen há apenas o silêncio cúmplice dos observadores internacionais.

Somália

Poucas centenas de quilómetros mais a Sul encontramos a Somália, onde o Comando Africano-Americano (Africom) comunicou ter morto 62 militantes de Al-Qaeda em seis ataques aéreos realizados entre Sábado e Domingo perto de Gandarsh, na província de Banaadir, na região centro-sul da Somália. Quatro ataques foram realizados no Sábado, com um total de 34 pessoas mortas, e mais dois ataques aéreos foram realizados no Domingo, o que matou outras 28 pessoas.

Obviamente não há provas de que as vitimas fossem realmente radicais islâmicos, é preciso confiar nas palavras dos militares. Estes realizam ataques aéreos no País para apoiar o governo por sua vez apoiado pela ONU: este governo, de facto, tem feito esforços ao longo dos anos para erradicar o grupo terrorista Al-Shabab, filial de Al-Qaeda.

Estes últimos ataques, segundo as fontes militares, foram conduzidos para evitar que os terroristas usem áreas do interior como um refúgio seguro onde recrutar e projectar futuros ataques. Segundo as mesmas fontes, os últimos ataques aéreos não mataram ou feriram qualquer civil na área. Um autêntico milagre considerados os resultados do passado. Mas também aqui o silêncio da comunidade internacional ajuda e nem pouco.

O Leitor pode perguntar: “Al Qaeda? Mas Al-Qaeda não é criatura dos americanos?”. Ora bem, a situação não é tão simples assim. E, sobretudo, não é de todo como no conto ocidental.

Em 2009, Sheikh Sharif Ahmed, líder da Aliança para a Re-libertação da Somália (ARS), foi eleito chefe do Governo Federal, batendo Nur Hassan Hussein, homem do ocidente (oficial da Interpol) apoiado pela comunidade internacional. Ahmed lançou operações militares contra os islamistas da Al-Shabaab, ainda na posse das cidades de Baidoa, Belet Uen e Afgoi, que foram finalmente conquistadas pelo governo somali. Em 1º de Agosto de 2012, a Assembleia Nacional Constituinte aprovou a nova Constituição da Somália: nasceu assim a República Federal da Somália, sucedendo ao Governo Federal de Transição.

Nas eleições presidenciais de 16 de Setembro de 2012, Ahmed foi derrotado por Hassan Sheikh Mohamud (ex funcionário da ONU), homem novamente apoiado pelo ocidente e em 2017 foi a vez de Mohamed Abdullahi Mohamed, antigo embaixador nos Estados Unidos, ex-funcionário do departamento dos transportes de Buffalo, EUA, e olhem só, simpático aos ocidentais.

Voltamos agora até 2006. No Dezembro daquele ano, o Conselho Supremo das Cortes Islâmicas, a milícia islâmica populista, foi derrotado: considerado como um movimento “terrorista”, em boa verdade era a legítima expressão de parte da sociedade somali, em particular da zona sud do País, que teve um papel muito importante na luta contra os Senhores da Guerra. O Conselho tentou introduzir a Sharia, mas a realidade tribal da Somália frustrou o esforço, deixando ao Conselho o poder político mas não aquele religioso.

Das cinzas do Conselho nasceu Al-Shabaab. Este de facto é um movimento terrorista, mas apenas em 2012 confluiu nas fileiras de Al-Qaeda: provavelmente, Al-Shabaab captou as legítimas exigências dos muçulmanos da Somália para depois ser “desviado” no universo al-qaedista e ganhar assim o papel oficial de “grupo terrorista” (nem todos os governos do mundo ainda reconhecem Al-Shabaab como tal).

A existência dum grupo “terrorista” na Somália é vantajosa do ponto de vista americano: justifica a presença militar estrangeira num País cujo governo ainda é débil e permite ter uma sólida base de intervenção nas margens do Mar Vermelho. Pelo que, Al Qaeda é mais uma vez um precioso aliado do ocidente.

 

Ipse dixit.

Fontes: RT (versão espanhola), AP,